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Não tem fogo, mas vicia

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São incontáveis as evidências científicas acumuladas nas últimas décadas contra o cigarro. Graças a isso, o glamour do passado, celebrizado pelos atores de Hollywood do século XX, ficou lá atrás. O hábito de fumar hoje é visto como nocivo à saúde e, não há dúvida, soa como cafonice. Atualmente, no Brasil, apenas 9,3% da população afirma ser fumante, de acordo com o Ministério da Saúde. Em 1970, o índice era três vezes maior. Há agora, porém, uma ameaça capaz de jogar por terra a espetacular mudança comportamental.

O perigo à espreita é a nova geração de cigarros eletrônicos, os “vapers”. O protagonista desse grupo atende pelo nome de Juul (pronuncia-se djul). Desde seu lançamento, em 2015, o Juul transformou-se no produto de maior ascensão entre os cigarros eletrônicos, e já responde por 70% desse mercado nos Estados Unidos. A venda de dispositivos desse tipo foi proibida no Brasil em 2009. O uso pessoal não é vetado, de modo que o consumidor pode trazê-lo do exterior e consumi-lo aqui.

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Embora desautorizados pela agência de vigilância sanitária brasileira, a Anvisa, os cigarros eletrônicos são anunciados ilegalmente em sites brasileiros e trazidos sem dificuldade por quem viaja ao exterior — o Juul inclusive. O preço da unidade: 400 reais pela internet, o dobro em relação ao valor dos dispositivos eletrônicos mais antigos. Veem-se, com alguma frequência, jovens da classe média alta (muitos ainda adolescentes) vaporizando Juul em festas e até em shoppings de luxo de São Paulo. A liberação oficial no país não está totalmente descartada, porém. Em nota, a Anvisa afirmou que vem “conduzindo discussões técnicas com parcimônia sobre essa temática e reunindo evidências científicas para estudar os impactos individuais e coletivos à saúderelacionados a esses produtos”. Para a cardiologista Jaqueline Scholz Issa, do Instituto do Coração, em São Paulo, a melhor estratégia é não autorizar a comercialização deles no Brasil. “Esse seria o maior retrocesso para o país em anos de políticas antitabagistas”, diz.

Mas, afinal de contas, qual é o risco do cigarro de design moderno e minimalista, pequeno e leve, vendido nos Estados Unidos como se fosse um iPhone de última geração? A fumaça dos eletrônicos pode não ter todas as substâncias tóxicas produzidas na combustão do cigarro comum, como o alcatrão, o composto que causa câncer. Mas os dispositivos eletrônicos que estão saindo das linhas de montagem são mais viciantes — cada cartucho possui concentração de 5% de nicotina, o triplo da quantidade de nicotina encontrada em outros cigarros eletrônicos e equivalente à contida em um maço com vinte cigarros convencionais (veja o quadro). O tipo de nicotina utilizado, ainda por cima, é diferente daquele presente nos outros cigarros eletrônicos. Mais concentrados nesse novo dispositivo, os sais de nicotina tornam o trago mais potente, mas com efeitos suaves na garganta. Ou seja, fica mais fácil tragar e chegar ao pico de nicotina que gera a satisfação — a nicotina estimula a produção de dopamina, substância que age na porção do cérebro responsável pelo prazer.

Entre os jovens, o sucesso é maior (e mais preocupante) em virtude das promessas do aparelhinho. Há uma vantagem em relação aos cigarros convencionais: a fumaça não tem aquele cheiro forte e característico que acompanha os fumantes como uma nuvem — algo que, hoje, é muito malvisto. Também não deixa cheiro nas mãos nem mau hálito. Diz Jaqueline Scholz Issa: “É uma triste porta de entrada para o vício, porque tem o apelo da tecnologia e não provoca a desagradável sensação de amargor na boca”. Um recente levantamento da mais respeitada entidade americana antitabaco mostrou que meninas e meninos de 15 a 17 anos são dezesseis vezes mais propensos a aderir ao Juul que a turma um pouco mais velha, de 25 a 34 anos. Um usuário adolescente comparou as versões anteriores com o produto moderno: a diferença seria como a que há entre um expresso forte e uma xícara de café coado.

IPHONE DOS CIGARROS –  A propaganda, como a de Nova York, atrai pelo visual que remete aos produtos tecnológicos

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O sucesso da recente família de cigarros eletrônicos fez com que a FDA, a agência americana que regula medicamentos, desse, em setembro do ano passado, um ultimato à empresa que produz o Juul e a fabricantes de cigarros eletrônicos similares. Eles tiveram sessenta dias para provar que eram capazes de impedir o acesso de adolescentes a seus produtos. Se não o fizessem, os cigarros eletrônicos poderiam ser retirados do mercado. Como resposta, em novembro, o Juul decidiu encerrar sua participação nas redes sociais, como Facebook e Instagram, já que grande parte de suas campanhas de publicidade usava modelos jovens com o produto. Hoje, no site oficial, restaram apenas fotos de pessoas comuns e adultas, com o mesmo relato: teriam abandonado o velho cigarro de papel, prenhe de alcatrão e outras substâncias cancerígenas, por causa do Juul. A empresa também decidiu vender os sabores mais doces (que agradam aos mais moços) apenas pela internet — e não mais nas lojas de rua. São oito opções, entre elas creme brûlé e manga. Os perfumes com toque de tabaco convencional podem ser encontrados em supermercados e farmácias.

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2019/05/27/cfm-precisa-decidir-o-que-pensa-sobre-a-maconha-medicinal/

Paira uma pergunta ainda sem resposta: os efeitos a longo prazo dos produtos químicos do aparelho e dos pequenos metais presentes nos líquidos vaporizados. Não só porque as formulações não são completamente conhecidas, mas também porque os cigarros eletrônicos não existem há tempo suficiente, e as pesquisas sobre eles são escassas. E no entanto, apesar da sombra de incertezas, esses produtos não param de se espalhar. Entre os americanos de 14 a 18 anos, o uso de vapers cresceu de 11,7%, em 2017, para 20,8%, em 2018. Foi o maior aumento no consumo de cigarros em tão pouco tempo já registrado nos levantamentos do Instituto Nacional de Saúde, órgão ligado ao governo americano. O Juul soa elegante e aparentemente menos arriscado — mas não é isso que informa a boa ciência. Os danos existem, sim.

Fonte: Veja

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