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A vez da inteligência artificial na medicina

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Em 2006, a gestão do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, projetava que seriam necessários 400 milhões de reais para a construção de um novo prédio num futuro próximo. O cálculo levava em conta a expansão da oferta de leitos de internação para atender a uma demanda crescente de pacientes. Mais de uma década se passou e o plano não foi colocado em prática. O motivo? A expansão se provou desnecessária. Na época em que o plano foi elaborado, o setor de saúde ainda não vislumbrava a transformação que o uso de tecnologias como inteligência artificial e big data poderia trazer para a gestão dos hospitais.

Nos últimos dez anos, o setor de fluxo de pacientes do hospital vinha tentando reduzir o tempo de permanência em internação. Em 2017, começaram os investimentos em algoritmos de inteligência artificial para substituir o trabalho braçal. Usando a imensa base de dados da instituição, a tecnologia passou a indicar desde a rotina de atendimento mais eficiente até o horário de alta mais adequado para liberar o leito para o próximo paciente. A ferramenta permitiu uma redução de 32% no tempo de internação dos pacientes. “Quando o médico deixa para as máquinas o trabalho repetitivo e a análise de dados, ele se dedica ao cuidado exclusivo do paciente e entrega um serviço mais sofisticado”, diz Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

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A experiência de um dos hospitais mais renomados do Brasil começa a se repetir em instituições do mundo todo e promete revolucionar a oferta de serviços na área de saúde.  Nos últimos anos, o avanço acelerado das tecnologias, a ampliação do banco de dados e a formação de profissionais permitiram o desenvolvimento acelerado de algoritmos voltados para o setor. Muitas aplicações já passaram da fase de ser encaradas como experimentais e buscar a validação dos profissionais de saúde. Aprovadas na fase de testes, as soluções com inteligência artificial agora devem ser disseminadas nos sistemas públicos e privados. “Estamos nos primeiros passos de uma maratona, ao final da qual o tratamento de saúde será guiado pelos dados”, diz Alexandre Chiavegatto Filho, diretor do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde da Universidade de São Paulo. O pesquisador foi um dos debatedores do EXAME Fórum Saúde, realizado em São Paulo no dia 12 de junho.

O que já foi testado nessa seara mostra um potencial excepcional de mudar radicalmente a medicina. No momento, os avanços mais concretos estão nos diagnósticos por imagem, nos quais algoritmos de inteligência artificial conseguem, por exemplo, detectar que lesões aparentemente inofensivas em mamografias são, potencialmente, letais. Os cientistas também estão desenvolvendo sistemas que podem prever se uma pessoa desenvolverá Alzheimer ou antecipar a progressão de condições como esclerose múltipla e Parkinson. Mas há espaço para algoritmos espertos em qualquer que seja a área da saúde.

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2019/05/27/inteligencia-artificial-garante-potencial-destrutivo-as-deepfakes-nova-categoria-das-fake-news/

Nos Estados Unidos, recentemente o plano da saúde Symphony Post Acute Network incorporou a inteligência artificial para analisar dados de seus mais de 80.000 clientes e gerar previsões e recomendações que auxiliam os tratamentos. Com a tecnologia, a taxa de readmissão de pacientes caiu de 21% para menos de 19%, garantindo uma economia de 13.000 dólares por internação. Por isso, os investimentos nessas novas tecnologias andam a passos largos. Um levantamento recente da consultoria de gestão Accenture com 6.000 executivos de saúde, localizados em 27 países, mostrou que o tema virou prioridade. Ao todo, 94% responderam que os investimentos em inteligência artificial cresceram exponencialmente nos últimos três anos devido à adoção de novas tecnologias.

De acordo com a consultoria BCG, o investimento global em inteligência artificial no setor de saúdedeverá alcançar 8 bilhões de dólares em 2022. Outro estudo da Accenture analisa que a economia americana deverá economizar 150 bilhões de dólares em 2026 com a incorporação de algoritmos em diferentes serviços e tratamentos de saúde. Apenas a utilização da tecnologia em cirurgias assistidas por robôs poderá representar uma redução de gastos da ordem de 40 bilhões de dólares ao ano. A ajuda que enfermeiras virtuais poderão trazer é estimada em outros 20 bilhões de dólares. Num país que gasta 3,6 trilhões de dólares por ano com saúde, toda economia é bem-vinda. “A rapidez com que a inteligência artificial está sendo aplicada à saúde é algo que não foi experimentado por outros setores, que estão investindo num ritmo mais lento no uso da ferramenta”, afirma Renê Parente, diretor executivo para as áreas de saúde, educação e serviços públicos da Accenture América Latina.

A velocidade tem mais uma explicação. Na medicina, a incorporação de tecnologia sempre significou a elevação de custos com tratamentos e diagnósticos. Estimativas globais apontam que de 40% a 50% do aumento dos gastos com saúde está relacionado aos avanços tecnológicos. “Máquinas mais modernas prolongam nossa vida, mas envelhecer com qualidade tem um preço e isso se reflete na oferta dos serviços”, diz Orestes Pullin, presidente da Unimed do Brasil. Na busca por corte de custos, há novas aliadas: as startups do setor de saúde, as chamadas healthtechs. No ano passado, apenas nos Estados Unidos, foram investidos 8,1 bilhões de dólares nessas startups, 42% mais do que no ano anterior, de acordo com o Rock Health, um fundo americano de capital de risco dedicado à saúde digital.

A China já conseguiu produzir alguns unicórnios na área da saúde, como são conhecidas as startups com potencial de valorização bilionário. Um exemplo é a empresa Ping An Good Doctor, que abriu o capital na bolsa de Hong Kong e levantou 1,1 bilhão de dólares com sua plataforma de assistência médica movida a inteligência artificial, que envolve desde consultas até entrega de remédios em domicílio, e já é utilizada por 260 milhões de pacientes. Recentemente, a empresa lançou minilaboratórios para diagnóstico expresso. Trata-se de compartimentos individuais, parecidos com cabines fotográficas, nos quais o paciente descreve os sintomas para um médico digital, que faz a triagem das informações e o encaminha a uma teleconsulta com um profissional de carne e osso. Com o diagnóstico na tela, o paciente pode comprar ali mesmo um dos cerca de 100 remédios disponíveis na cabine.

No Brasil, as startups de saúde também estão em alta. Segundo um mapeamento da aceleradora Liga Ventures, há 263 startups ativas no país desenvolvendo tecnologias para o setor de saúde. A Cuco Health, fundada pela empreendedora catarinense Lívia Cunha, é uma delas e busca educar pacientes com doenças crônicas a se cuidarem por meio de um aplicativo de lembretes. “Usamos inteligência artificial para desenvolver uma enfermeira digital, que monitora a hora que o remédio precisa ser tomado e aprende com o hábito do usuário”, diz Lívia. O sistema também sabe quando o medicamento do paciente vai acabar e sugere o local mais conveniente para a compra da nova dose. Em uma parceria com o Hospital do Coração, de São Paulo, houve queda na taxa de reinternação de crianças cardiopatas após os pais adotarem a tecnologia. Com o aplicativo, a adesão ao tratamento no pós-operatório passou de 40% para 79% dos casos.

Dados genéticos

Fazer com que essas tecnologias atinjam o maior número de pacientes é o grande desafio a partir de agora, sobretudo na rede pública brasileira, na qual 70% dos pacientes são atendidos. Um dos principais gargalos está na falta de um prontuário eletrônico que permita que todos os pacientes tenham seu histórico médico centralizado numa única plataforma. Sem informações unificadas, fica mais difícil tirar proveito de todo o potencial que os dados digitais podem oferecer. “O problema do Sistema Único de Saúde é que os bancos de dados não conversam entre si. Não é possível identificar qual foi a trajetória daquele paciente para ensinar os algoritmos a prever doenças”, diz Alexandre Chiavegatto.

Também falta no Brasil um tipo de dado que outros países estão investindo pesadamente para obter. São os dados genéticos de uma parcela da população, capazes de abrir um novo leque de estudos sobre a saúde geral. No ano passado, os Estados Unidos começaram um projeto de recrutamento de 1 milhão de americanos dispostos a doar informações sobre seu DNA, iniciativa que deve levar cinco anos e consumir 4 bilhões de dólares. China e Reino Unido estão fazendo mapeamentos semelhantes. “Como não temos no Brasil um grande volume de dados sobre o DNA de nossa população, perdemos a chance de criar pesquisas focadas em doenças com maior prevalência nos brasileiros”, afirma Dirce Carraro, líder do laboratório de Genômica e Biologia Molecular do hospital A.C. Camargo Cancer Center, de São Paulo.

Hoje, o custo do mapeamento genético de uma única pessoa é de cerca de 5.000 reais no Brasil — era de 100.000 dólares em 2001. Esse custo deve cair mais. “Há 20 anos considerávamos muito altos os preços dos celulares, mas eles trouxeram uma série de benefícios para nossa vida. Esses tratamentos vão nos fazer viver mais e melhor”, diz Carlos Alberto Marinelli, presidente da rede de  laboratórios Fleury.

A falta de dados integrados também representa desperdício. Um estudo do governo do estado de São Paulo descobriu que a falta de informações integradas tem levado à repetição desnecessária de exames na rede pública estadual. Para resolver o problema, a Secretaria de Saúde paulista está buscando uma solução tecnológica que acompanhe o rastro digital dos pacientes e seja atualizada e acessada por toda a rede estadual. O plano é que a tecnologia seja contratada no segundo semestre deste ano. “Nossa expectativa é que o paciente tenha o histórico do que aconteceu em suas consultas. Assim, o próximo médico a atendê-lo não precisará pedir um exame que já foi feito, cortando custos”, diz José Henrique Germann, secretário de Saúde do Estado de São Paulo.

Em tempos de cofres minguados no setor público, qualquer iniciativa com potencial para reduzir custos é bem-vinda, especialmente se ajudar a diminuir as imensas filas de espera por exames e consultas. Em abril, São Paulo começou também um projeto de telemedicina em parceria com o Hospital Albert Einstein para o diagnóstico de câncer de pele. A cidade paulista de Catanduva, com 112.000 habitantes, foi a escolhida para o projeto piloto, pois tem uma lista de cerca de 2.000 pacientes à espera de diagnóstico para suspeitas da doença. Alterações, manchas e fissuras na pele serão fotografadas e enviadas aos médicos do Einstein, que formularão o diagnóstico a distância.

A Bahia já tem experiência nesse tipo de iniciativa. Em 2015, foi criada uma parceria público-privada no estado para um sistema de diagnóstico via telemedicina. “Em quatro anos conseguimos zerar a fila de agendamento para exames”, afirma Fábio Vilas-Boas, secretário de Saúde da Bahia. Funciona assim: em Salvador, foi criada uma central de atendimento que reúne médicos de todas as especialidades. No interior, foram montados dez centros de bioimagem conectados à base na capital, os quais enviam diariamente exames como tomografias e ressonâncias de pacientes a especialistas.

A cidade de Guanambi, a quase 700 quilômetros de Salvador, recebeu um desses centros. Sem ele, a maioria da população de 85.000 habitantes da cidade, além dos que vivem nos municípios vizinhos, não teria acesso a especialistas que só são encontrados em Salvador. A parceria melhorou a vida do paciente, tornou a rotina do médico mais produtiva e reduziu o custo do setor público. Com algoritmos ainda mais inteligentes, a expectativa é viver mais e melhor — sem ter de gastar uma fortuna para isso.

PARA VIVER MAIS E MELHOR

Tecnologias como inteligência artificial e medicina personalizada foram abordadas no EXAME Fórum Saúde

UMA POTÊNCIA GENÉTICA

A diversidade do brasileiro pode ser uma vantagem do país no campo da pesquisa genética. Para isso dar certo, no entanto, é preciso investir mais | Clara Cerioni

A miscigenação da população brasileira tem o potencial de transformar a base de dados genéticos e revolucionar o tratamento de muitas doenças no mundo. Essa é a visão de Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo. Bióloga de formação, a especialista defende a discussão dos ganhos e riscos nas pesquisas de alterações de DNA para melhorar a vida dos seres humanos.

Qual é o potencial da pesquisa genética no Brasil?

Temos um banco de dados da nossa população criado há 11 anos e que, até agora, reúne 1 300 genes. Para ter uma ideia, só nessa amostra encontramos 7 milhões de variantes que não existiam nos bancos de dados internacionais. Isso é importantíssimo e mostra a diversidade do brasileiro. Somos uma potência em matéria de banco de dados para genomas.

O que falta para o país deslanchar nessas pesquisas?

É necessário financiamento. Recentemente tivemos um corte enorme nos investimentos, mesmo com uma série de profissionais competentes mobilizados para a pesquisa de genoma. Nos últimos meses, essas pessoas têm buscado oportunidades fora do país. Sem investimento na ciência, não vamos evoluir.

Estamos muito distantes de outros países em modificação genética?

Dominamos essa tecnologia tanto quanto os Estados Unidos, desenvolvendo novas técnicas para a pesquisa na área da medicina genética.

Em fevereiro, foi divulgado que bebês chineses tinham sido alterados geneticamente para não nascer com o vírus do HIV. O tema pautou discussões éticas sobre modificações de gene. Como a senhora enxerga isso?

A grande questão com esse experimento é que não há certeza de que, alterando um genoma, outros ao acaso também se modifiquem. Um recente estudo, publicado em uma revista americana, mostrou que a mudança do gene pode aumentar o risco de morte em pessoas entre 40 e 70 anos. E, no próprio caso do HIV, o tratamento pode ser feito com medicação, e não com modificação genética.

Como essa pesquisa deve ser feita?

Se deixarmos a pesquisa de lado, nunca teremos segurança do método. Defendo as pesquisas em embriões gerados pela inseminação em laboratório. No futuro, a ideia é, em vez de descartar, tentarmos corrigir o problema dos embriões que apresentem alguma alteração genética.

Há limite ético para essa correção?

Não há limite para a correção. O limite atual é para implantar o embrião numa mulher. Precisamos de segurança para isso. É necessário corrigir o defeito para salvar o embrião, que provavelmente não será o único com esse problema. Além disso, evitamos que o defeito seja transmitido às próximas gerações.

Fonte: Exame

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