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‘Alvejante’ para tratar crianças com autismo na mira da Anvisa

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‘Alvejante’ para tratar crianças com autismo na mira da Anvisa. Uma solução com supostas propriedades terapêuticas conhecida pelas siglas “MMS” e “CDS” se tornou alvo de ações da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no final de abril após alertas de que o produto, cuja venda é proibida desde junho de 2018, ainda pode ser encontrado em sites de venda. Trata-se de uma mistura de clorito de sódio e ácido que resulta em dióxido de cloro — um alvejante usado na indústria têxtil, na fabricação de produtos de limpeza e no tratamento de água.

Estimuladas por depoimentos em redes sociais, textos de autores sem respaldo científico e recomendações de médicos especializados em práticas não reconhecidas pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), há anos pacientes têm procurado o produto para consumi-lo como remédio.

A solução é vendida como tratamento para uma extensa lista de doenças, que inclui aids e câncer — daí o nome MMS, que é a sigla para “solução mineral milagrosa” (“miracle mineral solution, em inglês”). No entanto, de acordo com a Anvisa, o dióxido de cloro não tem aprovação como medicamento em nenhum lugar do mundo e sua ingestão traz riscos imediatos e a longo prazo para a saúde.

VÍTIMAS PREFERENCIAIS

Crianças com autismo se tornaram vítimas preferenciais com a publicação de um livro, em 2013, de uma escritora norte-americana chamada Kerri Rivera, que defendeu a utilização do dióxido de cloro para tratar sintomas do transtorno.

Vendedores recomendam “protocolos” para a utilização, que pode ser via oral ou anal. A promessa é promover uma espécie de “desintoxicação” de parasitas intestinais não identificados em exames, que seriam as responsáveis pelos sintomas. “Não existe nenhuma evidência científica dessas teorias”, alerta o neuropediatra Sérgio Antoniuk, professor do departamento de pediatria da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Segundo o médico, além de não haver qualquer indício de efetividade da substância – e dos princípios em que o falso tratamento se baseia não fazerem “o menor sentido” —, o uso pode ser perigoso. “Ele causa efeitos colaterais que podem ser graves. Pode haver efeitos gástricos como vômito e diarreia; irrita as mucosas do estômago e do intestino, e pode causar úlceras. É uma situação preocupante, com risco de vida”, alerta.

Nos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration), a agência federal de controle de alimentos e remédios do país, recomenda pelo menos desde 2010 que consumidores que têm MMS em casa parem o uso imediatamente e joguem a substância fora. A agência recebeu relatos de náuseas, vômito e pressão baixa associada a desidratação.

As substâncias utilizadas para a produção da solução ainda são encontradas com facilidade nos sites de venda pela internet. Isso apesar da ação da Anvisa — que firmou uma parceria com um dos principais sites para facilitar a retirada dos anúncios do ar. Além de fiscalizar e remover os produtos, a agência busca a responsabilização dos vendedores. A venda é infração sanitária, sujeita a multa, e crime contra a saúde pública. Vigilâncias sanitárias dos Estados e municípios foram alertadas, segundo o órgão.

Com a derrubada de anúncios com o nome “Kit MMS”, os vendedores passaram a anunciar os produtos com os nomes de seus compostos ou como “purificadores de água”.

‘HÁ MUITO CHARLATANISMO’

A gerente de Fiscalização da Anvisa, Andrea Geyer, lembra que a agência orienta a população a não usar tratamentos que não sejam aprovados e não tenham segurança e eficácia comprovadas. Segundo a farmacêutica, o dióxido de cloro é uma mistura que precisa ser manipulada com EPI (Equipamento de Proteção Individual) — um indício dos riscos que a ingestão representa para a saúde.

Na percepção de Geyer, a circulação de informações acerca de tratamentos milagrosos como o MMS ocorre “em ondas”. “Há o momento em que ocorre a divulgação e várias pessoas começam a oferecer a substância. A gente divulga nota, esclarece a população e retira os anúncios, e ela para por um tempo. Mas, de repente, volta”, relata. “No momento, provavelmente vivemos uma dessas ondas.”

O neuropediatra Sérgio Antoniuk conta que vem sendo questionado com mais frequência a respeito do MMS por famílias de crianças com autismo. “É uma pena, porque os pais de crianças com autismo são muito vulneráveis, e há muito charlatanismo”, conta.

Esta também é a percepção da psicóloga Maria Helena Keinert. “Houve mães que vieram me perguntar sobre o produto, e a nossa colocação é sempre a de que não é um produto aprovado e, como tudo que não é aprovado, é contraindicado”, conta.

“O que acontece é que os pais, depois de receberem o diagnóstico, vão atrás de tudo o que se diga favorável a uma cura. Eles se tornam muito suscetíveis a esse tipo de colocação, de solução mágica, porque estão buscando uma luz no fim do túnel”, explica, ressaltando que o autismo tem tratamentos para seus sintomas, mas não tem cura. “Infelizmente, pessoas mal-intencionadas se aproveitam disso oferecendo tratamentos que ‘curam’ ou trazem resultados rápidos, imediatos, eficientes”, observa a especialista, que é diretora da clínica Self Center, em Curitiba

Em círculos que cultuam o MMS é comum, também, desacreditar as recomendações de órgãos oficiais de saúde sob o argumento de que eles agiriam sob influência de lobby da indústria farmacêutica. A tese é que o dióxido de cloro seria uma ameaça aos medicamentos tradicionais, pois os tornaria obsoletos, tamanha a sua eficiência. Também circulam informações antivacina já extensamente desmentidas pela ciência — como a de que o próprio autismo teria como uma de suas causas a vacinação.

CONDUTA CRIMINOSA

A advogada Bruna Marques Saraiva, presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Paraná, avalia que a utilização do MMS em crianças pode ser enquadrada como conduta criminosa e fere o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e a Constituição.

“Sabe-se que a utilização prolongada do produto vem causando vômitos, diarreias, desidratação, úlceras, gastrite, insuficiência renal, irritação e lesão das mucosas do organismo e até a morte de jovens e crianças. E essas consequências decorrem de decisão arbitrária dos seus responsáveis em ministrar o MMS sem a indicação e acompanhamento médico”, explica a advogada, em resposta enviada por e-mail à FOLHA.

“Não se duvida do amor desses responsáveis pelos autistas sob sua responsabilidade. Mas ações precipitadas, baseadas em informações disponibilizadas em mídia virtual, sem qualquer aconselhamento médico individualizado, somente demonstram o quanto essa parcela da sociedade encontra-se desprovida de ações governamentais e sociais para a consciência sobre a temática do autismo, uma vez que não há qualquer estudo que comprove a eficácia do MMS enquanto medicamento”, avalia.

Questionado sobre a responsabilidade do médico que recomendar o uso do MMS, o CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná) reforça que a substância tem a fabricação, distribuição e comercialização proibidas, e que o Código de Ética Médica veda ao médico “deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação”. “O eventual descumprimento das normas éticas por parte do profissional médico é passível de apuração com consequências previstas em lei”, diz a nota enviada à reportagem.

Fonte: Folha de Londrina

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