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Como o governo arrasta a decisão sobre a cloroquina no SUS

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Cloroquina – A Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), órgão que orienta o Ministério da Saúde sobre protocolos clínicos e terapias adotados no sistema público de saúde, decidiu na quinta-feira (21) abrir uma consulta pública sobre o uso de medicamentos como a cloroquina no tratamento da covid-19. A medida foi tomada depois que uma reunião de seu colegiado, feita para analisar um parecer desfavorável ao remédio, terminou com um empate de 6 votos a 6.

O adiamento de uma decisão sobre o tema beneficia o governo federal em meio às discussões sobre o relatório final da CPI da Covid, que deve ser votado em 26 de outubro no Senado. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou em depoimento aos senadores que só iria se posicionar sobre a cloroquina depois de uma decisão da Conitec. Com isso, o relatório apresentado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) deve ser votado antes de uma definição oficial sobre o uso do remédio.

Neste texto, o Nexo mostra qual o papel da Conitec e como um órgão que deveria ser técnico tem sido politizado pelo governo Bolsonaro e arrastado para o centro de uma discussão sobre tratamentos ineficazes que já foi superada pela ciência.

Como funciona a Conitec

A incorporação de tecnologias no SUS (Sistema Único de Saúde), que é responsável por oferecer assistência médica gratuita para mais de 211 milhões de brasileiros, é feita por uma comissão ligada ao Ministério da Saúde desde 2006, quando foi criada a Citec (Comissão para

Incorporação de Tecnologias). Em 2011, ela foi substituída, por meio de uma lei, pela Conitec, responsável por fazer recomendações. A palavra final sobre uma eventual incorporação, exclusão ou alteração de tecnologia no sistema público de saúde é do Ministério da Saúde.

As análises dos processos de incorporação precisam ser feitas em até 180 dias (prorrogáveis por mais 90 dias) e se basear em evidências científicas, além de considerar eficácia, acurácia, efetividade, segurança e custo-benefício de uma tecnologia previamente registrada na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

No caso da covid-19, por exemplo, a Anvisa aprovou medicamentos como o antiviral remdesivir, mas ele foi barrado pela Conitec – além de não ser recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), um único tratamento com a substância pode chegar a R$ 17 mil.

O plenário da Conitec é formado por 13 integrantes, sendo sete deles indicados pelo Ministério da Saúde – um deles é designado para exercer a presidência. Os demais integrantes são indicados pelo Conselho Federal de Medicina, Conselho Nacional de Saúde, Conass (Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde), Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e Anvisa.

As críticas ao modelo

Para os especialistas em saúde pública, o modelo de organização da Conitec permite interferências políticas. Em entrevista ao Nexo, na quinta-feira (21), a professora Rosana Teresa Onocko Campos, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), defendeu a necessidade de ‘reforços institucionais, de governabilidade e de governança’ para o órgão.

‘Quando você está falando da incorporação tecnológica no SUS, que dá cobertura universal a um país do tamanho continental como o Brasil, estamos falando de muito dinheiro, milhões e bilhões. Ter controle da sua autonomia em relação aos grupos que detêm o poder econômico é muito importante para a defesa da saúde pública da população’, disse.

No Reino Unido, por exemplo, que também tem um sistema público de saúde robusto, chamado NHS (National Health Service), as recomendações sobre a incorporação de tecnologias são feitas pelo NICE (National Institute for Health and Care Excellence), órgão independente que não é vinculado organizacionalmente ao formulador de políticas da saúde.

O relatório apresentado pelo senador Renan Calheiros também aponta o problema. ‘Observa-se, na Conitec, a existência de um conflito de interesses, uma vez que a ATS [Avaliação de Tecnologias em Saúde] é realizada por uma comissão integrante do próprio formulador de política pública, o Ministério da Saúde, possuindo atores diretamente interessados no resultado dessa avaliação’, diz trecho do documento.

No caso do parecer analisado pela Conitec na quinta-feira (21), contrário ao uso da cloroquina no tratamento de pacientes com covid-19, dos seis votos contrários ao documento, cinco foram de representantes do Ministério da Saúde e o sexto do Conselho Federal de Medicina, órgão alinhado ao presidente Bolsonaro e que autoriza a prescrição de medicamentos ineficazes com base no princípio da autonomia médica.

A Conitec e a cloroquina

O órgão não estava envolvido nas discussões sobre a cloroquina até ser citado por Marcelo Queiroga em seu primeiro depoimento à CPI da Covid, em maio. Questionado sobre seu posicionamento em relação ao medicamento, o ministro afirmou que o tema estava sob análise da comissão. Como a última palavra para decidir pela incorporação ou não era dele, o ministro disse que esperaria uma manifestação do órgão.

A CPI decidiu, então, questionar a Conitec para saber quando havia sido feita a solicitação para analisar o tema, e o órgão respondeu que isso ocorreu depois do depoimento de Queiroga à comissão. Segundo os senadores, o episódio mostrou que, ao longo da pandemia, não houve ‘protocolo clínico ou qualquer diretriz terapêutica oficial sobre o tratamento precoce’. ‘O Estado tem operado no escuro’, diz o relatório apresentado pelo senador Renan Calheiros. Sem uma diretriz, os médicos continuam podendo receitar cloroquina para pacientes com covid-19 nos sistemas público e privado de saúde, com o consentimento deles, se acharem adequado.

Ouvido novamente pela CPI em junho, o ministro afirmou: ‘Volto a repetir: esse assunto é motivo de discussão na Conitec, que vai elaborar o protocolo clínico, uma diretriz terapêutica. Se não houver questionamentos acerca do que for ali colocado, morreu o assunto: o protocolo clínico está lá’. Uma decisão final da comissão, portanto, se acatada pelo ministério, poderia encerrar o assunto.

As interferências políticas

O documento encomendado pelo Ministério da Saúde entregue para análise da Conitec foi elaborado por um grupo de pesquisadores coordenado pelo médico pneumologista Carlos Carvalho, da USP (Universidade de São Paulo). O parecer afirma que a ‘azitromicina e a hidroxicloroquina não mostraram benefício clínico e, portanto, não devem ser utilizados no tratamento de pacientes ambulatoriais com suspeita ou diagnóstico de covid-19’.

A análise do documento estava marcada para 7 de outubro, quando a comissão iria se manifestar finalmente sobre o tema, antes da entrega do relatório final da CPI da Covid. Por pressão do governo, descontente com a conclusão do parecer, o tema foi retirado da pauta da reunião.

Em depoimento à CPI da Covid, em 19 de outubro, o assessor técnico do Conasems, Elton Chaves, que integra o plenário da Conitec, disse que todos no órgão estavam ‘ansiosos na expectativa de já analisar esse documento’.

‘É uma expectativa dos gestores e das gestoras municipais de saúde ter uma orientação técnica para que a gente possa organizar os serviços e orientar os profissionais na ponta. Então, por isso, a nossa surpresa [pela retirada da análise da pauta do órgão]’, afirmou.

Para a CPI, Queiroga ‘não agiu para que a manifestação ocorresse e, quando pôde, agiu para que ela não ocorresse’, diz trecho do relatório apresentado por Calheiros.

Na quinta-feira (21), o documento foi finalmente analisado, mas terminou com um empate de 6 votos a 6. O voto da Anvisa, que seria favorável ao documento e encerraria a discussão, não foi contabilizado. A agência disse que seu integrante acompanhou a reunião de modo remoto e precisou desligar por algumas horas por causa de um voo.

‘Até a hora em que o membro da Anvisa saiu da reunião, não havia sido definido o horário da votação do relatório. Ao chegar a Brasília às 14h20, o representante entrou na plataforma da reunião e percebeu que esta havia sido finalizada e que o relatório com diretrizes do tratamento ambulatorial da covid-19 já havia sido votado’, afirmou o órgão.

A consulta pública

Com o empate devido à votação mesmo sem a participação da Anvisa, o órgão decidiu colocar o tema em consulta pública, para obter ‘informações, opiniões e críticas da sociedade’ sobre o tema.

Ao longo de 20 dias, são disponibilizados dois formulários eletrônicos – o primeiro deles serve para obter ‘contribuições técnico-científicas’, e o segundo, para coletar ‘relatos de experiência ou opinião’. Essas contribuições são analisadas pelo plenário do órgão. Só depois disso, os integrantes do colegiado fazem a recomendação final, e um relatório é encaminhado ao secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do ministério, que decide sobre sua incorporação.

Integrantes que participaram da reunião da Conitec disseram à TV CNN Brasil que a consulta pública poderia ser mais uma manobra do governo, que estaria mobilizando grupos para pedir e pressionar pela liberação do tratamento precoce.

Fonte: Nexo Jornal

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/sao-joao-desmente-acusacao-de-preconceito-em-recrutamento/

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