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Estudos sobre cloroquina são imperfeitos, diz pneumologista

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O médico pneumologista José Antônio Baddini-Martinez, diretor científico da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, afirma que os estudos conhecidos sobre o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina no tratamento de pacientes com o novo coronavírus são “imperfeitos” e que ainda não há informações suficientes para recomendar o uso das substâncias.

“O que a gente precisa é um estudo melhor desenhado para termos uma resposta de qualidade”, diz Martinez.

Segundo o especialista, que é professor adjunto de pneumologia da Escola Paulista de Medicina e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é necessária a realização de pesquisas mais completas para termos segurança sobre a efetividade de qualquer tratamento para a covid-19, doença provocada pelo coronavírus.

As observações sobre a cloroquina, ele diz, valem hoje para todas as outras substâncias que estão sendo testadas.

Entre os parâmetros necessários para um estudo mais definitivo, segundo o médico, estão:

Testes com um grupo que receberia o medicamento, enquanto outro grupo receberia um placebo.

Uma amostra significativa de pacientes testados, que representasse os diferentes recortes, por exemplo, de gênero e idade da população.

Pesquisa que tivesse como objetivo identificar a efetividade da medicação na prevenção de mortes pela doença.

Um estudo nesses moldes, diz o pneumologista, é algo demorado. “Um estudo bem feito pode demorar mais do que um ano para ficar pronto”, afirma.

Por isso, Martinez é taxativo ao reforçar as recomendações para que seja mantido o distanciamento social como forma de evitar a transmissão rápida do vírus.

“O isolamento social é a maior arma que a gente tem contra a disseminação da doença”, afirma o médico.

A hidroxicloroquina e a cloroquina são substâncias análogas, de aplicação e efeitos semelhantes, tradicionalmente utilizadas no tratamento de pacientes com malária, lúpus e artrite reumatoide. Elas passaram a ser utilizadas de forma experimental no tratamento de pacientes com a covid-19 e pesquisas tentam comprovar se o uso das substâncias pode ser benéfico. Entidades médicas têm recomendado cautela no uso das substâncias.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem elogiado o uso da cloroquina no tratamento da covid-19. Mas o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, foi cauteloso em seus primeiros pronunciamentos sobre o tema. “Toda medicação nova tem que ser testada”, disse Teich.

Em entrevista ao UOL, o pneumologista José Antônio Baddini-Martinez falou também sobre os riscos sociais da covid-19 no Brasil, a importância de serem realizados mais testes e de como a pandemia pode afetar o psicológico das pessoas.

“Você já ouviu que numa guerra a primeira vítima é a verdade. Eu estou chegando à conclusão de que numa pandemia a primeira vítima é o bom senso, as pessoas entram em pânico e começam a deixar de lado o raciocínio”, ele diz.

“A gente precisa de bom senso não só da população, quanto de nossos dirigentes. Se não conseguirmos equacionar isso adequadamente, pode ser que a gente viva uma disseminação muito intensa e se isso ocorrer nosso equipamento médico vai ficar sobrecarregado e vamos ver a coisa ficar feia”, adverte Martinez.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

O que se sabe sobre o tratamento à covid-19?

A medicina é uma prática que com frequência as pessoas dizem que é uma arte. Só que a arte da medicina deve ser feita em cima do conhecimento científico que a gente tem.

Saiu um estudo sobre a cloroquina, um estudo in vitro. Estudo in vitro significa que puseram o vírus no tubo de ensaio, e no tubo de ensaio a medicação matou o vírus. Só que a cloroquina também mata outros vírus em tubo de ensaio e não é usada para tratar essas doenças, como o vírus da zika. O fato de matar o vírus no tubo de ensaio não significa que vai ter efeito no ser humano.

O que a gente está percebendo é que os estudos que tem saído sobre a cloroquina são todos imperfeitos. Por que o tipo de estudo que precisamos é o estudo que a gente chama de ensaio clínico randomizado, o que significa que quando o indivíduo entra no estudo ele pode ser sorteado para uma das duas possibilidades de tratamento.

Tem que ter um grupo controle. Um grupo toma o remédio, e o outro grupo toma o placebo. Tem que ser um estudo duplo cego, no qual nem o doente que está tomando o medicamento, nem as pessoas que estão aplicando o tratamento sabem quem está tomando medicação ou o placebo. E esses grupos nesse tipo de estudo têm que ser comparáveis. O que a gente tem observado hoje com a cloroquina é que eles usam o método de controle histórico. Isso não é aceitável.

A gente precisa de grupos que tenham a mesma idade, gênero, grupos comparáveis, e os estudos tem que incluir um número de pacientes suficientemente grande para dar uma resposta. Hoje o que a gente observa é que a quase totalidade dos estudos tem um N [número de pacientes testados] pequeno, outros têm um número grande, mas não têm grupo controle adequado para comparação.

Quando você faz esses estudos você sempre está procurando uma resposta. Em medicina a gente chama essa resposta de desfecho. O desfecho que precisamos saber no tratamento da covid-19 é a mortalidade. Entretanto, esses estudos que avaliam mortalidade demoram um tempo para serem feitos. Então, as pessoas ficam procurando desfechos alternativos, se diminuiu o número de vírus no organismo do doente, se o indivíduo demorou para ser entubado ou não. Mas, mesmo assim, não teve nenhum estudo que abordou isso como deveria, e os que abordaram são estudos imperfeitos.

A Sociedade de Pneumologia vê dessa maneira: não existe informação científica suficiente para preconizar o uso rotineiro da cloroquina ou qualquer outra forma de tratamento. Portanto, a gente acha que o médico que assiste o doente tem a liberdade de prescrever o que ele achar mais apropriado, sabendo de todas essas limitações que nós falamos.

Quanto tempo demoraria um estudo feito da forma ideal?

Um estudo bem feito, com um trial clínico bem feito, cujo desfecho é a mortalidade, ele pode demorar mais do que um ano para ficar pronto. Entretanto, na situação nossa, temos uma vantagem. Tem muito doente com a doença, então se temos muitos doentes, talvez não precise de um acompanhamento tão grande se tiver um N [número de pacientes participantes do estudo] grande. Uma resposta definitiva vai demorar tempo. E se a gente tiver sorte, se daqui a um mês ou dois meses começarem a sair resultados de qualidade, bem fundamentados, nós vamos ter sorte.

Como fica a situação brasileira, com habitações precárias e populosas em favelas e periferias?

Qualquer previsão que a gente fizer aqui é uma coisa especulativa. Os órgãos de saúde, os epidemiologistas, traçam cenários e sabem que existem diferentes cenários possíveis. O Brasil dentro dessa situação da covid-19 acho que tem muitas peculiaridades.

O isolamento social é a maior arma que a gente tem contra a disseminação da doença. Numa situação dessa, a gente tem que ter paciência. Eu sei que para quem tem uma condição econômica ruim, ele não vai ter paciência se está faltando comida para ele.

Nessa situação, a pandemia é mais que um problema de saúde, é um problema social grave e compete aos administradores [públicos] administrar o isolamento social, inclusive dando condições à pessoa com uma condição econômica ruim para que possa ficar em isolamento social.

Você já ouviu que numa guerra a primeira vítima é a verdade. Eu estou chegando à conclusão de que numa pandemia a primeira vítima é o bom senso. As pessoas entram em pânico e começam a deixar de lado o raciocínio. A gente precisa de bom senso não só da população, quanto de nossos dirigentes. Se não conseguirmos equacionar isso adequadamente pode ser que a gente viva uma disseminação muito intensa e se isso ocorrer, nosso equipamento médico vai ficar sobrecarregado e vamos ver a coisa ficar feia.

Como avalia a troca recente no comando do Ministério da Saúde?

Primeiro, eu queria dizer que a equipe do [ex-ministro Luiz Henrique Mandetta] é perfeita e que conduziram com muita propriedade a nossa situação epidemiológica, e que nossa situação está bem mais confortável do que se imaginava e poderia ter chegado num ponto maior de crise.

Segundo, a gente torce para que o novo ministro acerte.

Agora, o Brasil tem muitas realidades epidemiológicas, então a flexibilização do distanciamento pode ser adequada numa cidade no interior de Minas Gerais ou da Bahia, mas certamente nos grandes centros, ou em muitas cidades nos estados de São Paulo, do Rio de Janeiro, no momento atual não é adequada [a flexibilização].

Eu gostei de uma coisa que o novo ministro falou: é fundamental a testagem. Para a gente saber o que está acontecendo, a gente precisa de mais testes. A gente precisa saber quem tem anticorpos, porque a partir do momento que tem anticorpos já pode trabalhar. É impossível testar a população inteira, então precisamos testar grupos expressivos, vamos ter que trabalhar com amostragem. Isso é a maneira tradicional como isso é conduzido.

Fonte: BOL

Leia também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/04/14/cientistas-baianos-estudam-medicamentos-para-tratar-pacientes-com-coronavirus/

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