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Mais de 70% dos atendimentos do SAMU em SP são para pacientes infectados com o novo coronavírus

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Francis Fuji está acostumado com a morte. Diretor médico do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência da cidade de São Paulo (SAMU) e com a experiência de mais de uma década em resgates, ele já viu de tudo um pouco: vítimas acidentes de carro, de tiroteios, facadas, brigas ou infartos fulminantes. Mas desde que a Covid-19 começou a matar as pessoas em suas casas em São Paulo, Francis e seus colegas passaram a ter que lidar com uma nova atribuição a que não estavam acostumados: preparar e ensacar os corpos de potenciais vítimas do novo coronavírus para serem levadas diretamente para as covas dos cemitérios paulistanos. Por uma decisão do governo do Estado de São Paulo, mortes suspeitas de terem sido causadas pela Covid-19 não passam mais por necrópsia e em caso de falecimento domiciliar, cabe aos médicos do Samu atestar o óbito e preparar o corpo para o sepultamento.

“Sempre lidamos com a morte, estamos acostumados com ela, mas agora temos que manusear os corpos e colocá-los na mortalha ali mesmo, na sala ou no quarto de uma família que perdeu um parente”, diz ele. É algo duro, acho que não estávamos preparados emocionalmente para ter que fazer isso”, conta ele. Apenas em seu último plantão, finalizado na noite de sábado, Francis precisou “ensacar” quatro pessoas que haviam morrido em suas casas e apresentavam quadro compatível com a Covid-19. “Não tem sido fácil”, reconhece o médico já experiente em atender vítimas entre a vida e a morte.

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2019/10/24/medico-que-recusou-atendimento-em-contagem-e-preso-por-homicidio-por-omissao/

Desde que o novo coronavírus chegou a São Paulo no início de março, a rotina do Samu vem se transformando de maneira radical. Até a explosão de casos da Covid-19 na cidade, profissionais como Francis dedicavam boa parte de seus esforços atendendo vítimas de acidentes de trânsito, de violência urbana ou casos de enfermidades abruptas, como infartos ou paradas respiratórias. Mas desde meados do mês passado os casos de Covid vinham assumido o protagonismo nos atendimentos. Até que nas últimas semanas, explodiram.

Pacientes de média complexidade contaminados pelo novo coronavírus são transferidos de hospitais municipais de São Paulo para o Hospital de Campanha do Anhembi (Yan Boechat)

Hoje cerca de 70% de todos os atendimentos feitos pelas cerca de 100 ambulâncias do Samu que operam na cidade de São Paulo são dedicados a atender vítimas que apresentam quadro clínico compatível com o da Covid-19. Como muitos pacientes têm evitado ir aos hospitais temendo ser contaminados pela doença, é comum os médicos do Samu encontrarem casos graves já no primeiro atendimento. Ou, em muitos casos, já mortos. “Desde o início do mês eu praticamente só atendo Covid e quase sempre os casos são de idosos que já estão apresentando problemas graves de insuficiência respiratória”, conta uma enfermeira que havia acabo de levar uma idosa de 65 anos para a emergência do Hospital Municipal do Tatuapé no início da última semana. “Ela ainda não estava precisando de intubação, mas sua oxigenação estava muito baixa, acho que ela deve ir para a UTI”, conta a enfermeira, que por não ter autorização de seus superiores para dar entrevista, pediu o anonimato.

As equipes do Samu são divididas em diferentes categorias e responsáveis por atender casos de diferente gravidade. Existem ambulâncias de suporte básico, intermediário e avançado, cada um delas com diferentes configurações tanto de equipamentos quanto de profissionais. Por conta do coronavírus, o Samu precisou fazer alterações em seus protocolos de atendimento para lidar com uma realidade com a qual não estava acostumado. “Precisamos fazer uma mudança profunda inclusive na nossa maneira conceitual de ver nosso trabalho”, conta o Dr. Francis.

“Precisamos fazer uma mudança profunda inclusive na nossa maneira conceitual de ver nosso trabalho”, acredita o Dr. Francis (Yan Boechat)

Até a chegada do coronavírus o lema no Samu era de que a vida, a luta por salvar uma única vida, era o fator central e determinante no trabalho de todos os médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, socorristas. Era uma visão focada exclusivamente no indivíduo, naquela pessoa que estava sendo atendida. “Precisamos rever isso, inclusive em nossos protocolos”, conta o diretor médico do serviço, que apesar de estar presente em todo o País, é administrado localmente por cada prefeitura. “Na situação em que estamos vivendo, foi preciso deixar claro que o coletivo se sobrepõe ao indivíduo, é transformação na maneira como vemos nosso trabalho, mas uma mudança fundamental em uma situação de pandemia”, conta Francis.

Na prática isso tem se traduzido em protocolos que priorizam a segurança dos profissionais que estão atendendo os pacientes com suspeita de estarem contaminados com o coronavírus. “É claro que estamos ali para salvar a vida das pessoas, mas eu não posso permitir que meu pessoal se exponha a riscos que vão impedir que ele esteja capaz de atender outras pessoas, mais do que nunca precisamos de todos atuando de forma muito eficaz”, conta o diretor médico do Samu. Ele explica, por exemplo, que quando for necessária uma intubação, um momento de alto risco para os médicos, ela seja tentada apenas uma vez, para reduzir a exposição ao vírus. “Temos outros métodos para garantir a vida do paciente até levá-lo ao hospital, que são menos arriscados”.

O Samu de São Paulo já perdeu um médico para Covid. No início do mês o médico Paulo Fernando Moreira Palazzo, de 56 anos, morreu por conta do coronavírus. Ele provavelmente contraiu a doença enquanto realizava um atendimento. Hoje o Samu conta com cerca de 1800 trabalhadores, entre médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, socorristas e pessoal administrativo. Nesses últimos anos, vem passando por uma reestruturação que desperta críticas tanto de parte de seus funcionários quanto da sociedade que tem o Samu como a única opção de atendimento de emergência. Bases foram desativadas e a prefeitura optou por fazer a contratação de terceirizados. Nos primeiros meses de mudanças, houve aumento no tempo de espera.

Hoje cerca de 70% de todos os atendimentos feitos pelas cerca de 100 ambulâncias do Samu que operam na cidade de São Paulo são dedicados a atender vítimas que apresentam quadro clínico compatível com o da Covid-19 (Yan Boechat)

Com as mudanças nos protocolos de atendimento por conta da Covid, agora os atendimentos estão ficando ainda mais longos, o que significa menos equipes disponíveis. Enquanto em média um atendimento do Samu tomava cerca de uma hora e meia de uma equipe, hoje ele subiu para até três horas. Isso porque além do atendimento em si, agora os médicos, enfermeiros e socorristas precisam passar por um longo processo de higienização deles mesmos e das ambulâncias. Nos casos em que os óbitos precisam ser declarados pelos socorristas, o tempo é ainda maior. “Temos que preencher um formulário com mais de 100 perguntas e isso é feito em um momento extremamente complicado para a família, com o corpo de um parente sendo ensacado, não é algo simples”, diz a enfermeira Renata Pedrosa, que atua em uma unidade de Suporte Avançado a Vida, como são chamadas as ambulâncias destinadas a atender os casos mais graves.

Mas o mais difícil para esses profissionais tem sido lidar com o processo de informar aos parentes dos mortos de que aquele será o último momento em que eles poderão olhar para os seus entes queridos. “O ato de ensacar alguém, colocar na mortalha, explicar para as pessoas que aquele é o momento de dar adeus, que não haverá velório, enfim, tudo isso é muito difícil, era algo que não estávamos acostumados a fazer”, conta o socorrista Leonardo Silva. “Hoje mesmo eu estava falando com uma mulher que perdeu o pai pela Covid em casa, explicando o que estava acontecendo e que ela precisava usar máscara porque era possível que ela estivesse contaminada e ela deu um grito”, conta Renata. “Foi um grito de desespero e ele não me sai da cabeça”.

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Fonte: Agora Notícias Brasil

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