‘No Brasil, situação é catastrófica’, afirma epidemiologista sobre circulação de variantes e falta de vacinas

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A descoberta da variante P1 do coronavírus, que pode torná-lo mais infeccioso, deu-se em um cenário sem vigilância genômica, alerta a epidemiologista Ethel Maciel. Para a professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), não houve acompanhamento laboratorial da circulação das variantes do Sars-Cov-2 – nem qualquer medida sanitária básica por parte das autoridades do Brasil.

Em alguns estados, já há transmissão comunitária da cepa, ou seja, casos de contágio sem relação com pessoas que estiveram em território amazônico ou em contato com pessoas que estiveram no Amazonas. O risco das novas variantes para as vacinas ocorre em função de mutações na proteína S do coronavírus, usada como referencial no desenvolvimento da maior parte das vacinas contra a Covid-19. Algumas podem provocar o chamado escape vacinal, quando imunizantes perdem sua especificidade contra esta proteína e deixam de neutralizar o vírus.

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A disseminação da P1 pelo país no momento em que faltam imunizantes e estratégias efetivas configuram uma “situação catastrófica”, na avaliação da especialista. Para Maciel, países como o Reino Unido, Canadá e Estados Unidos estão mais preocupados com a variante do Amazonas do que o próprio governo do Brasil.

Já há escassez de vacinas no Brasil. As variantes são a próxima ameaça à imunização dos brasileiros?

Temos que ampliar e acelerar o sequenciamento genômico das cepas que estão circulando para que possamos entender o impacto delas — inclusive na eficácia das vacinas. Não vi nenhuma vez o governo manifestar preocupação com variante. Já vi o primeiro-ministro do Reino Unido (Boris Johnson) e do Canadá (Justin Trudeau) falando da variante, o (presidente dos Estados Unidos) Joe Biden. Os outros países está mais preocupados com o que está acontecendo aqui do que nós.

A nova cepa se espalhou por vários estados. O que deixamos de fazer?

Não temos controle de variantes na Amazônia, não fizemos cerco sanitário, não fechamos aeroporto, não fizemos controle de entrada e saída. São coisas básicas. De que adianta termos dados de onde as pessoas estão ficando doentes, os exames, quais as variantes, e eles não serem usados para estratégia nenhuma? Os dados não estão servindo para nada. No Brasil, a situação é catastrófica.

Com mais de 240 mil mortes, por que o país ainda comete erros no combate à pandemia e na vacinação?

Falta competência técnica no Ministério da Saúde. Temos técnicos excelentes no Plano Nacional de Imunizações, mas quem está acima deles não tem. Não sabiam sequer que o SUS existia (o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse em outubro que não conhecia o Sistema Único de Saúde antes de assumir o cargo). É preciso olhar o país a partir de suas desigualdades, desigualmente. Como aqueles que estão em uma situação epidemiológica pior, em especial nos estados do Norte, onde estamos com uma prevalência das variantes circulando.

Como a região Norte poderia ter suas particularidades atendidas?

Há populações cujo acesso é mais difícil. Todas as vacinas da AstraZeneca precisavam ter ido para o Norte. O intervalo entre a primeira e a segunda dose dela é de três meses. Em algumas comunidades, o profissional de saúde demora 15 dias para chegar. No caso de uma vacina de 28 dias, depois de retornar à base, já tem que voltar de novo.

Estados e municípios também têm sua parcela de responsabilidade na escassez atual?

Estamos acompanhando o exemplo de Israel, que começou a observar uma mudança na curva deles quando tinham 70% da população de 70 anos vacinada. Temos que mirar no grupo vulnerável. O problema é que ficou tudo solto no Brasil. Não é que os estados e municípios fizeram errado, as pessoas vacinadas estavam na prioridade, mas era preciso entender que naquele cenário era preciso pensar aqueles que estavam mais vulneráveis entre os vulneráveis.

O que deveria ter sido ajustado na prevalência de determinados grupos na fase prioritária?

Deveríamos ter seguido a recomendação da OMS de que os planos de imunização se baseassem em dois princípios fundamentais: priorizar as pessoas com mais chance de morrer e com mais chances de se infectarem, ou seja, idosos e os profissionais de saúde, respectivamente. O primeiro grupo pela maior chance de morrer e o segundo, por atuarem em ambientes com grande chance de contágio. Mas são todos os profissionais de saúde? Será que esse determinado profissional está em uma unidade de saúde? Essa é a informação que ficou faltando. Foram vacinados veterinários, professores de educação física, de academia, que são da área da saúde, mas não estão na linha de frente da Covid-19.

É possível corrigir o rumo?

Precisamos tentar. Infelizmente, nosso país não se preparou. Em um cenário de escassez, as decisões precisam ser diferentes. Todos os profissionais de saúde receberão a vacina, mas precisamos priorizar os que estão na linha de frente da Covid-19. Os outros podem esperar um pouco mais. E precisamos vacinar nossos idosos. É ali que vamos ter um impacto importante na curva de óbitos.

Mas como vacinar sem doses disponíveis?

O governo apostou todas as fichas dele em uma única vacina, com o acordo com AstraZeneca/Oxford. Felizmente os estudos clínicos deram certo, mas poderia não ter dado. E para nossa sorte o Instituto Butantan, que já produz a maior parte dos imunizantes do PNI, logo no início da pandemia buscou um parceiro que fazia vacinas na mesma tecnologia, a de vírus inativado, Felizmente houve esse acordo e a vacina também se mostrou segura e eficaz.Se não desse certo, teríamos hoje no Brasil 2 milhões de doses (importadas do Instituto Serum, da Índia) para 220 milhões de pessoas.

Acompanhamos a recusa de negociar com a Johnson & Johnson e empresas que inclusive procuraram o governo brasileiro e não conseguiram fechar um acordo. Isso tudo nos colocou nesse cenário de escassez. Se tivéssemos as 70 milhões de doses (da Pfizer) entregues em dezembro, nossa vida seria outra.

A essa altura, não deveríamos ter garantido mais vacinas?

Estamos acompanhando o avanço as vacinas da própria Johnson & Johnson e da Moderna, e o governo também não foi atrás das companhias. Mesmo agora, com a escassez, não temos novas negociações do governo, que parece estar feliz com essa situação. Esse acordo de transferência de tecnologia com a AstraZeneca é um ótimo acordo, mas no médio prazo. No curto prazo, o governo teria que ter feito combinações. Não tivemos esse planejamento.

Fonte: Yahoo Finanças

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