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Pacientes que fizeram transplante denunciam falta de medicamentos

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Remédios conhecidos como imunossupressores são fundamentais para que os órgãos transplantados não sejam rejeitados; Ministério da Saúde nega problema.

Pacientes transplantados de rim, fígado e coração estão denunciando uma instabilidade na distribuição da medicação usada pós-transplante nas farmácias de alto custo do Sistema Único de Saúde (SUS), o que tem gerado constantes falta dos remédios e fracionamento na entrega. Os imunossupressores são fundamentais para que os órgãos transplantados não sejam rejeitados. São remédios que o paciente precisa tomar pelo resto da vida – caso contrário, corre o risco de perder o órgão ou até de morrer.

Os medicamentos tacrolimo, ciclosporina e micofenolato de sódio são os principais com problemas na entrega. A compra desses remédios é feita exclusivamente pelo governo federal, que distribui para as secretarias estaduais para que elas abasteçam suas farmácias. Além disso, essas drogas não são vendidas em farmácias comuns. Caso o paciente decida comprar, precisa localizar um distribuidor e ver se o produto está disponível.

A professora de história Vivien Morgato, de 50 anos, moradora de Campinas, é transplantada de rim há sete anos e diz que há mais de seis meses não consegue pegar a quantidade de tacrolimo suficiente para um mês de tratamento na farmácia de alto custo. Ela toma 4 comprimidos por dia, então teria que receber 120 unidades pormês. “Saio de Campinas, vou até São Paulo e, quando chego, me dão apenas a metade do tratamento e pedem para voltar em 15 dias. Estou ficando assustada. Nessa semana, me deram quantidade suficiente para apenas 10 dias”, afirma.

Em Belo Horizonte (MG), o economista Jener Barbosa de Senna Jeronymo, de 53 anos, enfrenta o mesmo problema para conseguir pegar na farmácia estadual a ciclosporina usada pelo seu filho, o estudante Arthur, de 20 anos, transplantado de coração há quatro. “Acabei de ligar para a farmácia, e a ciclosporina na dosagem que meu filho precisa (50 mg) está em falta. Também liguei para o distribuidor, e ele só tem na dosagem de 100 mg, em um laboratório em São Luís, Maranhão. Se eu quiser comprar por conta própria, cada caixa custa R$ 435”, relata Jener, que afirma já ter feito compras emergenciais para evitar que o filho ficasse sem a medicação.

Em Jaraguá do Sul (SC), a fisioterapeuta Isabeli Lourenço, de 28 anos, passa por dificuldades parecidas. Ela é transplantada cardíaca há apenas dois meses e precisa usar o tacrolimo, já que seu corpo não reagiu bem à ciclosporina. Mas ela não consegue pegar a medicação necessária nas farmácias. “Só estou tomando remédio porque meu médico consegue pegar no hospital. Caso contrário, estaria sem tomar”, afirma ela, que entrou com uma ação judicial para conseguir receber o medicamento daqui para a frente.

A instabilidade na distribuição dos remédios de alto custo não é recente. Segundo Edson Arakaki, transplantado renal há 16 anos e presidente da Associação Brasileira de Transplantados (ABTX), os pacientes começaram a relatar dificuldades para pegar a medicação imunossupressora no início do ano passado, algo inédito em 20 anos do programa de transplantes no Brasil.

“Nunca havia passado por esse tipo de coisa. Sempre recebemos nossa medicação em dia. Nós nos reunimos com o Estado e com o Ministério da Saúde. Alegaram problemas nas licitações. O fato é que até agora a situação não normalizou, e os pacientes continuam em risco”, afirmou Arakaki, que usa o micofenolato de sódio e também está recebendo doses parciais do remédio.

Investigação

Diante do desabastecimento e da gravidade do problema, o Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) instaurou no fim do ano passado um inquérito civil público para investigar o caso – o documento já soma mais de 2.500 páginas – e, em 22 de março deste ano, emitiu uma recomendação ao Ministério da Saúde determinando que, no prazo de 30 dias, o governo federal distribuísse os medicamentos faltantes com um estoque de segurança para pelo menos 30 dias.

Em síntese, segundo o MPF, o governo federal respondeu que vai atender à recomendação, mas faz alguns questionamentos que ainda estão sob análise. Caso não cumpra a determinação, o caso pode ir parar na Justiça.

No documento enviado ao Ministério da Saúde, os procuradores do MPF Rafael Siqueira de Pretto e Kleber Marcel Uemura apontam várias falhas na distribuição das drogas e mostram as consequências: das 56 biópsias de enxerto renal realizadas no Estado de São Paulo em novembro do ano passado, por exemplo, 5 (10%) delas foram feitas em consequência da falta do medicamento imunossupressor. Em dezembro de 2017, das nove biópsias realizadas, três foram pela mesma razão.

“O paciente transplantado não pode ficar nenhum dia sem receber a medicação que evita a rejeição. Se não tomar o medicamento, dentro de três a quatro semanas, no máximo, ele perde o órgão. Para o doente renal, isso significa que ele voltará para a hemodiálise. Para o transplantado de coração, fígado e pulmão pode significar a morte”, afirma José Medina Pestana, diretor do Hospital do Rim e Hipertensão, principal hospital transplantador de rim do Brasil. A unidade realiza cerca de 80 transplantes por mês.

O documento do Ministério Público aponta ainda que esse problema está prejudicando o tratamento de cerca de 50 mil pacientes transplantados no Brasil, já que o país realiza aproximadamente 7.000 transplantes de órgãos sólidos por ano. O relatório aponta também que a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo solicitou ao governo 224.160 cápsulas de micofenolato de sódio e só recebeu 49.080 (22% do total), por exemplo, obrigando as farmácias a entregarem os remédios de forma fracionada.

Segundo Pestana, o fato de as farmácias entregarem o medicamento de forma fracionada provoca um aumento indireto nas despesas do paciente do SUS, que muitas vezes não tem condições financeiras, mora fora de São Paulo e precisa vir até a cidade buscar os remédios. “É um transtorno. Além da preocupação em não conseguir o remédio, o paciente ainda precisa faltar ao trabalho e arrumar uma forma de vir até São Paulo.”

É o que acontece com a contadora Dacyone Carvalho, de 52 anos, transplantada de coração há dois anos. Ela mora em Santos, no litoral, e pega o micofenolato e o tacrolimo em São Paulo. Para vir até a capital, depende de uma vaga na van da Prefeitura de Santos. “Nem sempre consigo, precisa agendar com antecedência e nem sempre tem vaga. É desesperador. Houve dias de eu chegar à farmácia e pegar o tacrolimo para apenas três dias. Como não conseguia retornar para buscar o restante, ficava sem tomar a medicação”, conta.

Para driblar a falta de remédios, os pacientes se unem em grupos nas redes sociais, onde relatam o problema e “emprestam” parte das medicações uns para os outros para evitar que alguém fique sem tomar.

Ministério nega problema

Em nota oficial, o Ministério da Saúde informou que os Estados brasileiros estão abastecidos dos imunossupressores e que a entrega é feita às secretarias estaduais, responsáveis pela distribuição às farmácias. “É importante destacar que o ministério busca solucionar todos os entraves, por meio de aditivos de contratos e remanejamentos, para garantir a continuidade da oferta desses medicamentos, primordiais à manutenção da saúde dos pacientes transplantados.”

Ainda segundo a pasta, apenas o tacrolimo na apresentação de 5 mg está sendo entregue de forma parcelada porque o primeiro edital de compra foi interrompido. O Ministério da Saúde informou ainda que as compras são realizadas anualmente.

Vivien Morgato, 50 anos, professora de história e transplantada renal, que tem enfrentado dificuldades para conseguir o medicamento tacrolimo (Arquivo Pessoal/Arquivo pessoal)

Fonte: Veja

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