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‘Queremos sair do perigo antes que seja tarde’, desabafa brasileira

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A brasileira Indira Mara Santos, de 34 anos, tentou sair imediatamente de Wuhan, epicentro do surto do coronavírus na China, quando soube que a cidade seria fechada para conter a expansão da doença para outras partes do território chinês e do mundo.

Estudante de doutorado da Universidade de Huazhong, ela deixou seu quarto no campus universitário às pressas para tentar chegar ao aeroporto, rumo a Xangai.

“Mas quando cheguei ao metrô, já estava fechado”, conta a acadêmica, que estuda economia.

Indira ainda tentou parar alguns poucos táxis que circulavam pelas ruas, porém, os motoristas se negavam a transportar qualquer passageiro.

“Bateu um momento de pânico e pensei imediatamente nos meus pais”, relata em entrevista telefônica à BBC News Brasil.

Logo que percebeu o agravamento da crise, Indira comprou uma passagem de volta para casa. Seus planos eram viajar de Wuhan a Xangai e de lá embarcar rumo ao Brasil para tranquilizar a família que mora no Maranhão. Mas não houve tempo: “Meus pais ficaram arrasados e eu, mais ainda”.

 

Principais pontos de Wuhan — Foto: BBC

No dia 23 de janeiro, o governo chinês ordenou o fechamento da cidade de Wuhan, capital da província de Hubei, onde os primeiros casos da doença surgiram. A entrada e a saída de pessoas foram proibidas e o transporte público e aéreo foi suspenso.

A emergência entrou em vigor às vésperas do Ano Novo chinês, feriado que é responsável pelo maior movimento de pessoas dentro da China e no mundo. A demora do governo em fechar a cidade permitiu que quase a metade da população, 5 milhões de pessoas, deixasse a cidade antes do confinamento, facilitando a rápida expansão do vírus para outras províncias chinesas e para países vizinhos. O prefeito de Wuhan, Zhou Xianwang, admitiu ter falhado em dar respostas e informações quando os primeiros casos da doença apareceram e colocou o cargo à disposição.

“Um dia estava tudo bem, no outro, estávamos na quarentena”, afirma Indira.

Desde então, ela está confinada em seu quarto no campus da universidade, que assim como a cidade, está deserta.

“A gente tenta ocupar a cabeça para não focar no fato de que estamos trancados dentro de casa e que tem um vírus lá fora. Tento fazer que meu dia seja produtivo de alguma forma, lendo e estudando, mas é difícil”, afirma.

A acadêmica estava na Europa na primeira semana de janeiro quando leu as primeiras notícias sobre casos de contaminação por uma nova sepa do coronavírus — similar ao Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) que apareceu em Guangdong, na China, em 2002. Indira conta que as autoridades locais negaram as informações e usaram a TV oficial para informar sobre a difusão de “fake news”. Ela também não deu muita importância. Porém, quando voltou à China, recebeu mensagens de seus pais, assustados com as notícias que recebiam no Brasil sobre a expansão do vírus.

Em contato com outros estrangeiros que moram na cidade, Indira viu que também havia preocupação. Ela passou a usar máscaras para sair às ruas e o álcool em gel foi incorporado à rotina de higiene das mãos.

“Eu via que os chineses não estavam usando máscaras e que ficavam chateados, como se nós estrangeiros estivéssemos ofendendo eles ao usar máscaras”, afirma.

Pouco depois, o que antes era símbolo de ofensa passou a ser obrigatório. O governo deu ordens para que todos usassem máscaras aos saírem de suas casas. Em seguida, a cidade seria fechada. Nela, estão confinados cerca de 30 brasileiros, entre eles seis crianças, dos quais Indira se tornou uma espécie de representante para dialogar com a embaixada brasileira.

“Meu Deus, queremos sair do perigo antes que seja tarde. Por enquanto está todo mundo bem, mas quanto mais tempo você fica, mais exposto fica ao perigo.”

O governo chinês pede que a população saia de suas casas somente em caso de extrema necessidade. Indira tenta comprar o máximo de alimentos e água possíveis para evitar se expor. Quando sai, é barrada por um agente da universidade que mede a temperatura dos estudantes que circulam pelo campus. O hospital universitário, porém, está cheio e o acesso à área é restrito aos casos de emergências.

“A orientação é de ir ao hospital somente em caso de urgência porque o risco de contaminação é alto”, conta.

Apesar da tensão, o clima na cidade é de cooperação. A população segue à risca as orientações do governo, segundo Indira. Na terça-feira, os moradores organizaram uma manifestação da janelas de suas casas.

“Cantaram o hino chinês e gritaram ‘força Wuhan'”, conta.

Para sair de casa, Indira usa máscaras, luvas e tem redobrado o cuidado com a higiene das mãos.

“Existe uma tensão natural com a situação. Quando saio, me preocupo; será que coloquei a máscara direito? Será que tá tudo ok? Se tenho que tirar a luva, fico preocupada em lavar as mãos, (a situação) cria uma paranoia”, relata.

Ela diz que os supermercados dentro e fora do campus universitário são bem abastecidos — e acompanha a rotina dos supermercados por meio do chat que mantém com os outros brasileiros.

“A preocupação é ‘até quando?’. Não sabemos quanto tempo vai durar, como o governo vai lidar com ao abastecimento dessa e das outras cidades?”.

Com a paralisação do transporte público, o fechamento das pontes, e a proibição do uso de automóveis, a 42ª maior cidade do mundo se vê desabitada.

“Está todo mundo trancado em casa, o movimento nas ruas é mínimo”.

A estudante conversava com a reportagem quando recebeu uma mensagem do grupo de brasileiros que estão ilhados na cidade alertando sobre a reação do presidente Jair Bolsonaro. O grupo pede ajuda ao Itamaraty para poder deixar o país.

“Pelo que parece, tem uma família na região onde o vírus está atuando”, afirmou o presidente em Brasília. “Não seria oportuno a gente tirar de lá, com todo o respeito. Pelo contrário, agora não vamos colocar em risco nós aqui por uma família apenas.”

Indira, que mantém contato com a Embaixada brasileira em Pequim, disse que a reação do presidente é “desoladora”.

“Mesmo que fosse somente uma família, estamos falando de vidas, de seres humanos”, afirma”. “É um descaso muito grande e um sentimento de que não podemos contar nem com o nosso governo, nem com o nosso país (…) então com quem a gente pode contar?”.

Indira admite ter medo e espera ir ao Brasil o quanto antes.

“O medo existe porque não sabemos 100% do que está acontecendo. Então minha preocupação é que da noite para o dia aconteça alguma coisa”, afirma.

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