Pesquisadores acreditam que ‘preço’ do uso desenfreado de antibióticos na pandemia será cobrado nos próximos anos com piora na resistência microbiana.
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Mesmo sem eficácia ou necessidade comprovada para a covid-19, antibióticos foram amplamente usados contra o coronavírus – e pesquisadores acreditam que ‘preço’ disso será cobrado nos próximos anos com piora na resistência microbiana.
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off label(diferente daquele que está documentado na bula) de medicamentos é “de inteira responsabilidade do médico, que pode achar necessário de acordo com as necessidades clínicas de seu paciente, mesmo sabendo que essa indicação ainda não foi aprovada”.
Entretanto, a associação reconheceu também a excepcionalidade da crise sanitária atual, afirmando que “não tendo vacina ou um tratamento eficaz contra a covid-19, alguns protocolos têm adotado o usooff labelde antibióticos e outros medicamentos“.
A Interfarma não respondeu como avalia o uso empírico de antibióticos (sem constatação do micro-organismo causando infecção) e destacou que a OMS “promove o princípio do uso racional de medicamentos, ou seja, que o paciente receba tratamento apropriado para suas necessidades clínicas”. headtopics.com
Como uso desenfreado de antibióticos para covid-19 teria efeitos negativos, na prática?Crédito,Getty ImagesLegenda da foto,Aumento de resistência microbiana após covid-19 pode ter efeitos individuais, como comunitários – em hospitais e vizinhanças
Os pesquisadores entrevistados pela reportagem explicam que os efeitos preocupantes do amplo uso de antibióticos na pandemia poderiam se expressar tanto nos pacientes individualmente como a nível comunitário, como em hospitais e vizinhanças.
Segundo Victor Augustus Marin, receber um antibiótico sem um diagnóstico preciso pode acabar desestabilizando a comunidade de micro-organismos que existe naturalmente em nosso corpo, como na flora intestinal – formando uma “microbiota”.
“Em condições normais, nossa microbiota está em simbiose. Quando você ingere um antibiótico, o que causa? A disbiose: alguns micro-organismos são eliminados, enquanto outros crescem. Crescem aqueles que têm resistência, e antes estavam inibidos pelo resto da microbiota”, explica o pesquisador da Unirio. headtopics.com
“Dar um antibiótico sem diagnóstico é como dar um tiro de bazuca em uma mosca – pode até matar a bactéria, mas pode criar resistência em outras que já estavam no organismo (naturalmente). É preciso dar um tiro de chumbinho primeiro para ver se funciona.”
Luciano Cesar Pontes de Azevedo diz que “com toda a certeza” esse amplo uso de antibióticos durante a pandemia terá também efeitos mais amplos na população.”Esses antimicrobianos que estamos usando indiscriminadamente, como a azitromicina e a claritromicina, aumentam na comunidade a chance de bactérias resistentes, como as que causam pneumonias. Possivelmente, quando chegarem pneumonias de comunidade daqui a dois, três anos, vamos precisar começar usando antibióticos mais fortes”, prevê o médico.
Pesquisadores costumam falar em micro-organismos resistentes na “comunidade” para quando eles já são detectados fora dos hospitais.Isso porque, dentro destes ambientes, bactérias e fungos resistentes são particularmente preocupantes.
Uso de antibióticos em casos graves de covid-19Azevedo acrescenta que, além da coinfecção por uma bactéria ou fungo, existe também a possibilidade de uma superinfecção.”É quando, em uma fase mais tardia da covid-19, o paciente é contaminado por germes hospitalares. Acontece fundamentalmente com pacientes de Unidades de Terapia Intensiva (UTI), graves, que já têm um grau de deficiência do sistema imunológico”, explica o médico. headtopics.com
Ainda que um paciente no ambiente hospitalar possa estar sujeito a micro-organismos mais resistentes, Azevedo diz que mesmo assim o uso de antibióticos deve ser criterioso – sendo precedido por exames e modulado, se possível, para tempos mais curtos.
Uma equipe do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo,publicou em agostodados sobre 72 pacientes com covid-19 que foram internados em UTIs ou receberam cuidados intensivos – mostrando que 84,7% deles receberam antibióticos intravenosos durante a internação, sendo o tipo de medicamento mais usado neste grupo de pacientes.
Infectologista do hospital, Fernando Gatti aponta que, enquanto para pacientes com covid-19 em geral a coinfecção pode ser menor que 10%, para pacientes mais graves esse percentual sobe para cerca de 30%.”O que acontece? O vírus tem ação inicialmente lesiva no pulmão. As bactérias que fazem parte da colonização do trato respiratório acabam tendo mais facilidade para invadir o tecido pulmonar”, explica Gatti.
“A pneumonia pode então ser complicada por uma infecção bacteriana, o que aumenta o tempo na ventilação mecânica, UTI, catéter…”Assim, ele explica que no Albert Einstein o procedimento para pacientes graves com covid-19 é a administração de antibióticos venosos de “amplo espectro” (que atingem uma variedade de patógenos) mesmo sem exames detalhando uma possível coinfecção por bactéria – a chamada terapia “empírica”.
Depois, com os exames de cultura bacteriana em mãos, a equipe então usa antibióticos mais específicos considerando os micro-organismos e suas resistências.É um cuidado tomado justamente para evitar a exposição longa a antibióticos que possam acabar fortalecendo as bactérias e fungos.
Luciano Cesar Pontes de Azevedo diz que, para pacientes que tiveram quadros mais graves de covid-19, a resistência se torna um problema ainda mais delicado porque doenças crônicas e sequelas podem deixar mais fraco o sistema respiratório – e, assim, mais vulnerável a novas infecções.
Se reconhece que para pacientes graves, a administração de antibióticos é mais “difícil de criticar” pois muitas vezes responde a uma questão de vida e morte, Azevedo diz que o uso generalizado de antibióticos na pandemia mostra que ainda falta adesão a um problema que é na verdade uma ameaça global.
“Acho que a pauta da resistência microbiana não foi incoporada por profissionais de saúde e pelos governos. E se trata também de uma pauta que envolve não só o ambiente hospitalar, mas também a agropecuária”, destaca o médico.
Conforme, pesquisadores têm mostrado cada vez mais como micro-organismos e resquícios de antibióticos não têm fronteiras – possivelmente se alastrando pelos alimentos, lixo hospitalar, rios e canais de esgotos.
Fonte: Head Topics