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Uso indevido de medicamentos aumenta e preocupa especialistas

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Veja os medicamentos mais vendidos no Brasil e entenda as consequências da automedicação

Enquanto você lê esse texto, 9.798.638 doses de remédios são consumidas no Brasil. Dados recentes da Associação da Indústria Farmacêutica mostram que, nos últimos cinco anos, a venda de remédios cresceu 42,6% no país. Em Salvador, o número de farmácias passou de 714 para 1.530 em quatro anos. As estatísticas preocupam especialistas e servem de alerta em relação ao consumo excessivo de medicamentos.

“Os remédios têm sido tratados como bens de consumo e seu uso inadequado ou indiscriminado pode causar problemas. Até os isentos de prescrição podem trazer sérias consequências quando utilizados de maneira inapropriada, sem o acompanhamento de um profissional de saúde”, afirma o doutor em toxicologia Leonardo Régis, que é professor da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista à Agência Estado.

De acordo com estudos do seu grupo de pesquisa, metade dos pacientes não consegue comprar todos os medicamentos que são prescritos e quase 90% não recebe informações suficientes sobre como utilizá-los. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforçam: três cidadãos são afetados por hora pelo consumo indevido de remédios.

Para Leonardo, isso mostra que a população não é a única responsável pelo consumo desenfreado e uso irracional de remédios, mas também a indústria farmacêutica e os próprios médicos.

Causas
Segundo a doutora em psicologia e membro do Fórum Nacional sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, Lygia Viégas, o aumento das vendas de medicamentos tem como principal causa as pressões do mundo contemporâneo. “Tem muito a ver com a sociedade que a gente vive. Somos forçados a viver experiências a todo momento e, quando chega o cansaço, o que propõem é tomar remédios para aguentar e não diminuir o ritmo da vida e repensar a estrutura”, explica.

Nesse contexto, aprendemos, desde cedo, a evitar dores e  buscar refúgios – entre eles medicamentos. “Tem o fato de que as pessoas estão envelhecendo, mas não explica a totalidade. Estamos em crise e a quantidade de farmácias em Salvador dobrou. Isso só reforça que, na ditadura da felicidade, os medicamentos são empurrados como primeira solução”, ressalta. Prova disso é que quatro dos dez medicamentos mais vendidos do país são usados para reduzir dores.

“O mundo está ficando complicado para quem é diferente. Normal agora é ser acima da média, medalha de ouro (…). Só que a normalidade é um molde estreito. E para caber nela recorremos a remédios para mudar a química cerebral e domar a ansiedade e a tristeza, encarar os medos, cumprir prazos, dormir, acordar”, resume a jornalista Marcia Kedouk no livro Tarja Preta (Superinteressante).

Esse problema é cultural e envolve, inclusive, o fato de remédios serem vendidos como produtos – 30% do valor arrecadado pelas farmácias é usado para propagandas, que promovem os remédios. “A indústria farmacêutica é uma grande promotora disso porque ela lucra. O consumo tem sido estimulado desde a infância. A gente fez um levantamento e constatou que a ritalina é muito menos consumida no período das férias escolares. Ao invés de repensar o formato da escola, consideram as crianças doentes e dão o calmante”, afirma Lygia.

Automedicação
Embora considere que a população tem sua parcela de culpa – ao buscar o medicamento antes de se consultar, olhando na internet, comprando tarja vermelha sem receita – a especialista diz que não é contra a automedicação. “Defendo o uso racional dos remédios. Ontem, estava com uma enxaqueca monstra e com uma dor insuportável. Mas isso é diferente de tomar remédios tarja preta e outros como sorine ou dorflex todos os dias. Isso provoca a dessensibilização do organismo aos princípios ativos dos medicamentos”, pontua.

Tem muita gente que toma remédio para tudo. Esse não é o caso do artista plástico baiano Roddolfo Carvalho, 37. Mas ele tem uma farmácia montada em casa, a qual recorre no caso de dores de cabeça e enxaquecas. “Como uso óculos, sinto dores na parte da frente da testa e já é certo aquele bom e velho analgésico”, conta ele, ressaltando estar ciente dos riscos da automedicação.

 “Com o acesso fácil, montar aquela farmacinha em casa acaba sendo uma alternativa barata, mas paliativa, que pode trazer um grande custo futuro. Sei que isso pode trazer diversos malefícios ao organismo à médio e longo prazo – como os analgésicos para dores musculares, que podem afetar o funcionamento de órgãos e glândulas”, exemplifica.

O produtor e jornalista Bruno Porciúncula, 39 anos, por sua vez, não lembra quando foi a última vez que tomou medicamentos: “Só tomo quando vou ao médico e ele passa a receita. Cumpro rigorosamente. Mas tenho sorte de ter uma boa saúde. Se tenho dor de cabeça, algo raro, espero passar. Quando fico gripado, bebo água, como mais frutas e repouso. Tem gente que sente dor e já toma remédio”.

Apesar da maioria dos médicos considerarem a automedicação uma forma desassistida de tentar resolver problemas, outros especialistas consideram que pode ajudar no tratamento de pequenas dores. “É importante considerar que os remédios – principalmente psiquiátricos – não devem ser a primeira alternativa e nem a única”, recomenda Lygia.

Para o médico Leonardo, a população precisa ser conscientizada de que o medicamento que faz bem também pode fazer mal. “O que se tem de fazer é usar o sistema de saúde, e isso inclui as farmácias, que não podem ter caráter somente comercial. Elas precisam se comportar como um ambiente de saúde”, avalia.

A Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) ressalta que os farmacêuticos têm um papel importante: o de orientar como o medicamento deve ser ministrado, incentivando a leitura da bula.

A mão da caneta
Marcia Kedouk pontua ainda que os médicos devem seguir um rigoroso código de conduta e não devem colocar interesses financeiros acima da segurança do paciente.

No livro Tarja Preta, ela pontua que eles podem receber dinheiro de laboratórios como remuneração por serviços de consultoria, palestras e pela realização de pesquisas patrocinadas. Isso não significa que eles prescrevam uma medicação em troca de benefícios. “O que se discute é o limite da ética e as perversões que esse sistema pode gerar”, sinaliza.

Na obra, ela conclui que medicamentos não são apenas vilões, visto que salvam e prolongam vidas:

“Mas existem verdades inconvenientes que muitos médicos não conhecem ou preferem manter sigilo, governos fingem não ver e laboratórios não querem que você saiba (…). Quem decide o final da história é você”.

Para ler: três livros sobre medicalização

  • Tarja Preta de Márcia Kedouk, aborda as armadilhas da indústria farmacêutica e explica por que consumimos tanto remédio;
  • Medicalização da Educação e da Sociedade. Ciência ou Mito? aprofunda o debate em torno da educação medicalizada

Novas Capturas, Antigos Diagnósticos na Era dos Transtornos Discute como as diferenças são transformadas em doenças

Medicalização será discutida em evento na Ufba

A Universidade Federal da Bahia (Ufba) vai sediar, entre quarta e sábado, um dos mais importantes eventos sobre medicalização. Gratuito, o V Seminário Internacional A Educação Medicalizada trará para Salvador palestrantes nacionais e internacionais de renome e discutirá como as diferenças que caracterizam e enriquecem os seres humanos são tornadas transtornos.

“A gente medicaliza quando olha para situações complexas, com diversos fatores envolvidos, como se fossem somente problemas individuais de saúde”, explica a psicóloga, pesquisadora da Faculdade de Educação da Ufba Lygia Viégas, membro do Fórum Nacional sobre Medicalização da Educação e da Sociedade.

Uma vez classificadas como doentes, as pessoas tornam-se pacientes e, consequentemente, consumidoras de tratamentos, terapias e medicamentos. “Estamos todos susceptíveis a naturalizar questões complexas. Por exemplo, ao supor que uma criança que não aprende na escola tem um transtorno; ou que uma pessoa que chora o fim de um relacionamento está deprimida em vez de triste;  ou que um negro pobre que anda na rua tem uma tendência ao crime. O Fórum provoca para que caminhemos na direção contrária: é possível desmedicalizar a vida”, completa.

Serão três mesas. A primeira, às 14h de quarta,  discutirá questões relacionadas a negritude. Andreia Beatriz  Santos, da Organização Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta; Célia Tupinambá, da Associação dos Índios Tupinambá da Serra do Padeiro; Débora Maria da Silva, do Movimento Independente Mães de Maio; e Fran Demétrio, do Coletivo De Transs pra Frente, participam da mesa  Existências Impedidas: Extermínio de Vidas e Subjetividades e Formas de Resistência, na Reitoria  da Ufba (Canela).

A segunda mesa redonda, às 17h30 do mesmo dia, terá como tema Medicalização, a Quem Será que Se Destina: Desqualificação do Sujeito em Tempos de Neoliberalismo. O terceiro debate será quinta, às 17h30, com tema (Re)existências nas Encruzilhadas: Só a Luta Coletiva mudará Nossas Vidas, com o pesquisador colombiano José Julian Gutierrez.

Fonte: Correio 24h

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/04/01/anvisa-altera-normas-de-distribuicao-e-transporte-de-medicamentos/

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