Você é o dono do próximo passo e não a sua depressão
“Foi a minha borderline” ou “foi a minha depressão” ou, ainda, “foi a minha ansiedade” –com frequência, ouço essas e outras justificativas semelhantes para alguma atitude que são exemplos de uma lógica que coloca a “culpa” de um comportamento qualquer em um diagnóstico. Uma ideia baseada excessivamente em um modelo médico do transtorno mental. Uma concepção em que esse transtorno mental é uma doença como outra qualquer, agindo nas sombras para controlar o nosso comportamento.
Assim como o espirrar pode ser provocado pelo vírus da gripe, de acordo com esse jeito de pensar qualquer comportamento poderia ser controlado por esses “problemas mentais”. Mas, no caso, nunca encontramos o equivalente ao vírus para apontar o causador.
A maior evidência que temos para esses transtornos são os próprios comportamentos aos quais se associam. Ou seja, o maior indicativo de que uma pessoa está deprimida é, justamente, o seu comportamento deprimido. Estudos já mostraram que certos padrões neurológicos às vezes caracterizam, com rigor discutível, alguns desses transtornos. Mesmo assim, é difícil saber em que medida não estamos, simplesmente, buscando enxergar no cérebro as marcas da vida dessa pessoa. Afinal, um dos traços marcantes de nosso sistema nervoso é a sua plasticidade – isto é, a sua capacidade de mudar com as experiências da nossa vida.
O fato é que não existe, na prática, diferença clara entre sintomas e doença mental. Mesmo assim, enquanto seres humanos afligidos por esse sofrimento, tentamos nos amparar nessa ideia. Porque ela permite um modelo lógico com o qual podemos nos identificar. Ele ajuda a tirar a nossa responsabilidade pela melhora –que tantas vezes parece tão distante e impossível. Esse modelo coloca a causa dentro de nós e deixa que possamos apenas esperar que algum remédio (ou mágica) a expurgue.
A realidade, entretanto, é mais complexa do que isso. Não existe nada para a gente se livrar. Claro, algumas medicações podem ajudar no processo. Mas, em alguma medida, a mudança está em nossas mãos. A melhora, no final das contas, depende de termos as ferramentas para atuarmos de um modo diferente.
Para isso é preciso abandonar algumas muletas importantes. É necessário deixar de lado a ideia de que a nossa depressão (ou a nossa ansiedade ou o que for) é que está controlando as nossas ações.
Temos a liberdade para escolher, a cada instante, o que nossos braços, pernas e bocas fazem. Podemos resolver dar um abraço em um amigo, por mais que isso pareça uma possibilidade distante. Podemos aprender a voltar a correr, por mais que seja difícil sentir prazer nas primeiras passadas. Podemos discursar em público, mesmo quando o nosso peito exige que nos escondamos.
Há uma versão de nós mesmos, um “eu” dentro da nossa cabeça, que pode se responsabilizar por esses atos. Porque, no final, não é a depressão que mantém alguém na cama, mas seus próprios pés.
É preciso aprender como fazer para se levantar quando o peso do mundo parece estar nas nossas costas. Para isso, alguns remédios psiquiátricos podem ser até muito úteis – os famosos receptores seletivos de serotonina, ou antidepressivos, por exemplo. Terapia também é uma ferramenta importante para isso. Mas, seja como for, mesmo que exista uma responsabilidade gigante nisso, também há uma magnífica liberdade: eu posso escolher como viver o dia de amanhã.
Basta –e acho que esse frequentemente é o papel (gigante) do bom terapeuta — aprender como.
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Fonte: UOL