Os MIPs em supermercados ganham uma nova ofensiva no Congresso Nacional, agora com dois projetos de lei. A tentativa de transformar remédios em mercadoria continua firme.
O PL 1774/19, de autoria do parlamentar Glaustin da Fokus (PSC-GO), aguarda designação de relator na Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados. A proposta permite a comercialização dessa classe de medicamentos não apenas em supermercados, como também em estabelecimentos similares.
Até quitandas estariam habilitadas para a venda, sem nenhuma previsão de uma farmácia dentro do estabelecimento ou da presença obrigatória de um farmacêutico para assistência ao consumidor. Em duas ocasiões no ano passado, a Câmara analisou o regime de urgência para avaliar o projeto ainda em 2022. Mas mesmo sob intensa pressão do setor supermercadista, a tentativa fracassou e o pedido não recebeu o apoio necessário.
E o movimento pelos MIPs em supermercados estendeu-se agora para o Senado Federal. Efraim Filho (União Brasil-PB) apresentou o PL 2158/2023 para autorizar a dispensação dos MIPs nesses estabelecimentos, com a prerrogativa da presença de um farmacêutico. A matéria está em tramitação na Comissão de Assuntos Sociais, cujo presidente, o senador Humberto Costa (PT-PE) avocou a relatoria da proposta.
MIPs em supermercados geram nova reação do canal farma
A tentativa de emplacar MIPs em supermercados ligou novamente o sinal de alerta no varejo farmacêutico. A Abrafarma, inclusive, manifestará sua posição contrária em evento a ser promovido em Brasília (DF) na próxima terça-feira, dia 30. A entidade divulgará na oportunidade uma agenda de propostas para o setor em 2023, com a meta de fortalecer o papel das farmácias como polos de saúde e atenção primária.
“A possibilidade desses estabelecimentos venderem medicamentos sem a devida assistência farmacêutica e com regras distintas das exigidas em farmácias impacta diretamente nas relações de consumo e na defesa da segurança sanitária. Será um incentivo ao aumento da automedicação. MIPs não são isentos de risco e devem ser dispensados apenas no ambiente farmacêutico”, aponta Sergio Mena Barreto, CEO da associação, que representa as 30 principais redes de farmácias do país.
Para o dirigente, a presença de MIPs em mais de 90 mil farmácias de todo o território nacional esvazia o argumento relacionado à ampliação do acesso. “E mesmo fora das gôndolas, a venda desses medicamentos conta com o apoio de um profissional farmacêutico em 77% das ocasiões. A saúde dos brasileiros não pode ser cuidada pela vendinha da esquina”, acrescenta.
No início do ano, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) também iniciou articulações para endossar posição contra os MIPs em supermercados e também viabilizar uma nova lei para preservar o conceito de farmácia como estabelecimento de saúde. Seria um adendo à Lei 13.021/2014.
Esforço dos supermercados não vinga desde 2009
O debate sobre os MIPs em supermercados poderia ter acabado em 2004, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela proibição definitiva da venda de medicamentos em outros estabelecimentos. Mesmo assim, o Congresso Nacional vem mantendo viva a discussão sobre o assunto ao longo desses anos, atendendo a interesses particulares de um único setor em detrimento do compromisso com a saúde. O lobby econômico não parou desde então, mas sem obter sucesso até hoje.
- Em 2009, o deputado Sandro Mabel tentou autorizar novamente a liberação por meio da MP 549/11. Apesar de aprovada como “contrabando” na Câmara dos Deputados, foi vetada em 2012 por Dilma Rousseff
- Em fevereiro de 2018, o projeto de lei de Ronaldo Martins (PRB-CE) foi encaminhado para a Comissão de Seguridade Social. No entanto, saiu da pauta pelo fato de o parlamentar não ter sido reeleito. O então presidente Michel Temer sinalizou apoio à iniciativa depois de analisar um pedido da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) para agilizar a votação
- Em junho de 2019, foi a vez de o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) sugerir a alteração da lei, após encontro com executivos da entidade supermercadista
- A Câmara Municipal de São Paulo ensaiou um movimento similar em 2020, mas no fim aprovou um projeto do vereador Gilberto Natalini (PV-SP) para vetar os remédios isentos de prescrição não apenas em supermercados, como também em bares, lanchonetes, hotéis e restaurantes
- Em junho de 2021, foi a vez de o governo federal estudar a possibilidade de lançar uma MP. O ministro da Economia Paulo Guedes chegou a defender publicamente a venda nesses estabelecimentos justamente no maior fórum do setor supermercadista