Comprometidos com agenda ESG, nova geração de herdeiros revoluciona empresas familiares

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Não é mera coincidência a ascensão sincronizada dos millennials no comando de empresas familiares e da sigla em inglês ESG, ou ASG em português — Ambiental, Social e Governança. Forjados em uma educação globalizada já sob ansiedade climática, herdeiros têm sido a força motriz por trás da adoção de boas práticas socioambientais em empresas fundadas por antepassados com outros valores.

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As trajetórias são variadas e nem sempre lineares — afinal, cada família é ESG à sua maneira —, mas os que chegam se parecem e são cada vez mais verdes.

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Aos 35 anos, Alex Seibel é da terceira geração de uma família judaica polonesa que se estabeleceu no Brasil no entreguerras, fugindo do antissemitismo. Seu avô Bernard chegou a São Paulo adolescente, aos 14 anos, e acabou fazendo carreira no setor moveleiro. Em 1961, comprou a Leo Madeiras, loja de insumos para marcenaria que se tornaria pedra angular de um grupo de negócios familiares.

Em 2009, uma outra empresa dos Seibel, a Satipel, se fundiu com a Duratex, tornando-se uma das maiores fabricantes de painéis de madeira do mundo. A transação representou um salto de ordem de grandeza nos negócios da família. Hoje, os Seibel fazem parte do bloco de controle da Dexco (novo nome da Duratex) junto com a Itaúsa e têm 20% da companhia, fatia que vale R$ 3 bilhões na Bolsa.

Mas a trajetória de Alex, neto de Bernard, começou longe do core business familiar.

Em 2012, aos 26 anos, o jovem foi enviado a Porto Alegre para trabalhar na Empório Body Store, marca que vendia cosméticos artesanais. Em seguida, a Empório Body Store fez uma joint-venture com a The Body Shop, famosa empresa britânica. Em pouco tempo, a marca da L’Oréal — e que hoje pertence à Natura — compraria a Empório Body Store. Mas a passagem deixou impressões marcantes no herdeiro dos Seibel.

— Foi lá que conheci a trajetória da Anita Roddick, fundadora da The Body Shop e pioneira no uso de produtos de base vegetal e no comércio justo com comunidades locais.

O primeiro resultado dessa experiência foi a Positiv.a, uma consultoria de soluções ambientais inspirada em conceitos como permacultura e economia circular. Logo, Alex constatou que o modelo tinha pouco alcance e resolveu transformar a empresa em uma linha de produtos de limpeza e higiene pessoal ecológicos. Desde 2015, a Positiv.a já reciclou 50 toneladas de plástico. A marca está em 500 pontos de venda e é ativa no e-commerce.

Cadê o dinheiro?

A Positiv.a foi a primeira de uma série de empreendimentos centrados na sustentabilidade. Alex, mais tarde, voltou para o negócio familiar, criando um núcleo de impacto no family office do clã, o HS Investimentos. Recentemente, assumiu vaga no conselho de administração da Dexco.

— Escolhi atuar na esfera do capital — explicou Alex.

É justamente aí que o Brasil mais peca, observa Marina Cançado, responsável pela área de sustainable wealth (patrimônio sustentável) da XP. Diferentemente do que ocorre nos EUA e na Europa, o investimento institucional tem sido um dos pontos cegos do ESG no Brasil.

— Estou positivamente surpreendida na forma como a nova geração está mexendo nos negócios. Falta ainda mexer nos investimentos. Talvez os family offices locais ainda sejam tocados por pessoas de velha guarda… — especula Marina, ela própria herdeira da rede de farmácias Drogal, que tem 219 lojas no interior de São Paulo.

ESG se aprende fora de casa

Curiosamente, um dos pioneiros do tema no Brasil foi um banqueiro. Ex-presidente do Real e, posteriormente, do Santander, Fábio Barbosa lembra que era ridicularizado com apelidos como “banqueiro verde” e “abraçador de árvore” ao abordar a sustentabilidade duas décadas atrás.

— Se minha geração não deixou um Brasil melhor, pelo menos ela deixou filhos melhores. A cada dia sai do mercado um consumidor que achava isso uma bobagem e entra outro que acha isso importante. A cada dia sai do mercado um profissional que escolheu a carreira por salário e entra outro que escolheu por propósito. Isso é motivo de celebração — resume Barbosa, que é membro dos conselhos de administração do Itaú Unibanco e da Endeavor Brasil.

A mudança geracional é real e global. As estimativas variam, mas calcula-se que até US$ 68 trilhões que hoje pertencem a baby boomers serão herdados por millennials americanos ao longo desta década. Isso vai quintuplicar a riqueza dos jovens que estão ocupando cargos de poder nas empresas.

A sensação de deslocamento leva muitos herdeiros a experimentarem o ESG fora de casa.

— Entre 2005 e 2010 eu era universitário e fiz uma espécie de grande programa de trainee dentro da empresa. Chegou um momento que percebi que não era para eu estar ali — lembra Pedro Wickbold, de 34 anos, herdeiro de quarta geração da fabricante de pães que leva seu sobrenome.

O plano era sair para empreender. Wickbold trouxe para o Brasil a marca italiana WeWood, cujos relógios são feitos em madeira. A cada peça vendida, uma árvore é plantada. Três anos depois, em 2014, Wickbold vendeu o negócio.

— Casei e tirei 2015 para dar uma volta ao mundo com minha esposa. Estivemos em 120 cidades de 37 países. Conheci muita gente, vi muita riqueza e muita pobreza. E voltei encantado com o Brasil, que é um país fantástico, mas cuja desigualdade é abissal. Voltei determinado a retomar o legado da família e, por meio dele, contribuir para mudar isso — sustenta.

Sua chegada precipitou uma guinada sustentável. Já em 2016, a marca de pães fechou parceria com a rede de negócios sustentáveis Origens Brasil. Por meio dela, a Wickbold passou a comprar castanha-do-pará e farinha de babaçu diretamente de famílias extrativistas da Amazônia. Por meio da Amigos do Bem, a panificadora também está comprando castanha de caju de famílias no sertão nordestino. Essas matérias-primas se transformaram na Linha Raízes, de pães especiais.

— É mais caro, mas demonstra nosso engajamento socioambiental. Adotar essa política é um processo de convencimento desafiador, mas a família sempre foi aberta a isso. E o mais importante é que dá resultado — afirma o executivo, que assumiu a presidência da companhia no ano passado e criou uma área de sustentabilidade que está calculando a pegada de carbono para traçar um plano de mitigação.

Sucessão no luto

Para Manuella Curti, herdeira da marca de purificadores de água Europa, a chegada ao comando foi abrupta, trágica e envolta em luto. Em 2010, em um intervalo de apenas seis meses, ela perdeu o irmão e o pai. Aos 26 anos, coube à jovem advogada ocupar o vácuo.

Fonte: O Globo

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