Falta de farmacêuticos desafia varejistas do setor
Migração de profissionais para a indústria penaliza donos de farmácias e afeta atendimento à população
por Márcia Queirós em


De um lado, colaboradores desinteressados em trabalhar em drogarias. Do outro, empresários penalizados com alto índice de turnover. A falta de farmacêuticos no varejo é reflexo de um comportamento de migração para a indústria, na qual os profissionais são atraídos por melhores salários e condições de trabalho.
“Esse cenário desafiador pode abrir brechas para que a permanência dos farmacêuticos em tempo integral deixe de ser obrigatória, como acontecia no passado. Perdem os profissionais, com a desvalorização, assim como a população, que tem o atendimento prejudicado nas lojas”, alerta Veronica Soares, empresária do segmento e coordenadora do curso de Farmácia da UNIP.
A educadora relata que, para driblar a carência de farmacêuticos, empresários do varejo independente vêm reduzindo o horário de funcionamento das lojas e deixando de abri-las aos domingos, o que faz a lucratividade despencar. “Faço parte de um grupo de WhatsApp com mais de 250 empresários do varejo farma de Jundiaí, onde por dia é postada a oferta de três a quatro vagas para farmacêuticos. No estabelecimento onde trabalho, comumente os estagiários não se interessam em permanecer por muito tempo”, relata.
Segundo Veronica, as farmácias funcionam como porta de entrada dos recém-formados no mercado, que, diante das condições pouco atrativas, migram para as indústrias e o setor de cosméticos. “Em torno de 15% a 20% dos nossos alunos vêm do varejo e buscam qualificação para atuar no setor propagandista”, assegura André Reis, CEO da Repfarma, empresa especializada em capacitação para a área comercial da indústria farmacêutica.
Falta de farmacêuticos passa por remuneração
Para atenuar a falta de farmacêuticos, Veronica alerta para a necessidade de políticas voltadas à atração de profissionais para o varejo, além de investimento em qualificação como forma de reconhecimento. “Sem isso, a Lei nº 13.021/2014, que obriga a presença de um farmacêutico durante todo o horário de funcionamento das farmácias e drogarias, corre o risco de cair por terra, diante da carência de mão de obra”, acrescenta.
O presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), Marcelo Polacow, elenca os baixos salários pagos no varejo, que giram em torno de R$ 4.500 a R$ 5.500, como um dos principais motivos para fuga dos farmacêuticos para outros setores. “É muito pouco em face dos cinco anos que dura, em média, um curso de farmácia”, avalia. Outra razão são as condições de trabalho, que chegam a ter escala 6×1, além dos plantões noturnos.
A população, segundo ele, fica prejudicada, uma vez que a falta de profissionais no varejo prejudica o atendimento. Entre as principais funções desenvolvidas pelos farmacêuticos estão o atendimento clínico dos pacientes, a aplicação de injetáveis, mensuração de pressão arterial, análises de exames laboratoriais, aplicação de vacinas, orientação de maneira geral, controle de medicamento psicotrópicos e a supervisão geral da loja.
“Em alguns casos, quando o farmacêutico é gerente, ele assume ainda a responsabilidade administrativa; a definição das escalas de trabalho; o planejamento e gerenciamento financeiro da unidade; e parte de reposição e organização dos medicamentos”, enumera.
Busca por qualidade de vida
Sócio-fundador da AboutMe Farma & Saúde, plataforma especializada em recrutamento e seleção focada nos mercados farmacêutico, de saúde e cosméticos, Newton Velloso diz que é crescente o número de profissionais oriundos do varejo farmacêutico buscando transição para a indústria, especialmente nas áreas de assuntos regulatórios, garantia da qualidade e propaganda médica.
Segundo ele, as remunerações assumidas pelas indústrias farmacêuticas variam significativamente de acordo com a área de atuação, o porte da empresa e a senioridade do cargo. No setor de assuntos regulatórios, a faixa salarial estende-se de R$ 5 mil (nível Júnior) a R$ 8 mil (nível pleno). Já um Medical Science Liaison, que atua como elo entre a empresa e a comunidade científica, chega a ganhar entre R$ 12 mil e R$ 20 mil mensais.
Outro diferencial, segundo Velloso, é a perspectiva de carreira, com maior possibilidade de crescimento técnico, vertical e até internacional, especialmente em multinacionais. Na indústria, a jornada costuma seguir o modelo de trabalho de segunda a sexta-feira, em horário comercial e com carga de 40 ou 44 horas semanais, impactando positivamente na qualidade de vida e no equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
“Contudo, é importante ressaltar que o ingresso na indústria pode exigir competências adicionais, como inglês avançado, conhecimento em boas práticas (BPF/BPL), domínio regulatório, e perfil comportamental mais voltado à inovação, comunicação e gestão de projetos”, pondera Velloso.
Ações do conselho de classe
De acordo com o presidente do CRF-SP, para melhorar as condições dos farmacêuticos no varejo, a entidade vem investindo em cursos de capacitação gratuitos. “Além disso, estamos em conversações com associações como Abrafarma e Febrafar na busca de soluções. O setor é um ecossistema e um elo depende do outro para funcionar em harmonia”, finaliza Polacow.