Pesquisa Clínica é protagonista em evento de inovação
Mesa-redonda debateu gargalos e avanços regulatórios na IV Cúpula Brasileira de Inovação em Saúde
por Ana Claudia Nagao em


Com uma análise franca e profunda sobre os desafios e avanços da pesquisa clínica no Brasil, uma mesa-redonda dedicada ao tema foi um dos destaques do primeiro dia da IV Cúpula Brasileira de Inovação em Saúde. O evento, promovido pelo Sindusfarma, pela Rede Brasileira de Inovação Farmacêutica (RBIF) e pela Biominas Brasil, foi realizado na capital paulista nos dias 23 e 24 de setembro.
Com cobertura do Panorama Farmacêutico, participaram especialistas, representantes da indústria farmacêutica e autoridades regulatórias. Mediado por Rosana Mastellaro, diretora Técnico-Regulatória e de Inovação do Sindusfarma, o debate girou em torno de uma convicção comum: a pesquisa clínica é essencial para impulsionar a inovação no país, especialmente quando aliada ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Adriane Alves,assistente e coordenadora substituta da Coordenação de Pesquisa Clínica em Medicamentos e Produtos Biológicos (COPEC), destacou os principais avanços promovidos pela RDC 945/2024, fruto de três anos de trabalho e discussões técnicas.
Segundo ela, a nova resolução estabelece prazos definidos para todas as etapas de análise, permite a antecipação na importação de insumos e introduz a submissão contínua de documentos. “Não fazia sentido termos prazos apenas para as petições iniciais. Agora, todas as etapas contam com prazos estabelecidos, o que aumenta a agilidade sem comprometer a segurança dos pacientes”, explica Adriana.
Ainda assim, dados apontam que mais de 54% dos estudos clínicos no Brasil demoram até 180 dias para serem iniciados após aprovação da Anvisa, um intervalo considerado elevado. A agência busca formas de reduzir esse tempo e aumentar a competitividade do país no cenário internacional.
Pesquisa clínica como política de Estado
Além do aspecto regulatório, os participantes ressaltaram a urgência de uma política industrial sólida para fomentar a inovação nacional. Thiago Mares Guia, vice-presidente executivo da Bionovis, destacou o papel estratégico da biotecnologia e defendeu maior investimento em centros de pesquisa próprios, reduzindo a dependência de estudos clínicos conduzidos por multinacionais. “Desenvolver um biossimilar pode custar mais de US$ 130 milhões. Isso exige uma política industrial com ‘P’ maiúsculo”, pontua o executivo.
Ele também citou acordos de transferência de tecnologia com farmacêuticas como Moderna e Sinovac, que preveem a instalação de centros de pesquisa no Brasil. Há ainda a expectativa de que estudos clínicos com biossimilares passem a dispensar a fase 3, em linha com diretrizes já adotadas pela FDA (EUA) e pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
Interiorização e qualificação de centros de pesquisa
Um dos grandes desafios apontados no evento é a concentração dos centros de pesquisa nas regiões Sudeste e Sul. A proposta do governo é mapear e qualificar centros em todas as regiões do país, com base em critérios de Boas Práticas Clínicas (BPC) e inspeções conduzidas pela Anvisa.
“De nada adianta termos uma legislação moderna se os centros de pesquisa estão despreparados. Precisamos construir uma rede qualificada, descentralizada e bem estruturada”, defende Meiruze Freitas, diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (DECIT/SECTICS/MS).
Ela anunciou que está previsto para o próximo ano um workshop nacional, reunindo patrocinadores, centros e entidades representativas, com o objetivo de discutir falhas identificadas em inspeções e propor melhorias estruturais.
Caminho promissor, mas com desafios
Apesar do ambiente favorável e do potencial brasileiro, os participantes foram unânimes ao afirmar que o progresso da pesquisa clínica nacional depende de investimentos contínuos, formação técnica especializada e de uma aliança entre os setores público e privado. “Temos muito a construir, desde o fortalecimento dos centros até o recrutamento de participantes. O cenário é promissor, mas exige esforço contínuo”, finaliza Meiruze.