Biossimilares e IA aquecem farmácias especializadas

As farmácias especializadas vivem um momento de expansão acelerada e ao mesmo tempo complexa, impulsionadas por inovações científicas e mudanças no perfil dos pacientes. Estudo da Definitive Healthcare elencou as tendências que moldam esse setor em nível global, movimentando cifras bilionárias e impondo desafios sem precedentes a gestores e provedores.
Embora apenas uma pequena parcela da população dos Estados Unidos precise de medicamentos especializados, voltados para doenças raras, crônicas ou complexas, esses fármacos dominam os gastos com saúde no país. O mercado saltou de US$ 92 bilhões (R$ 475 bilhões) em 2023 para US$ 129 bilhões (R$ 666 bilhões) em 2024. A projeção é que esse número se aproxime de US$ 1 trilhão (R$ 5,16 trilhões) até 2030, com crescimento anual de quase 40%.
Boa parte dessa evolução é puxada por terapias de altíssimo custo, a exemplo do Casgevy, baseado em CRISPR, aprovado para tratar casos de anemia falciforme e beta-talassemia dependente de transfusão. O valor por paciente gira em torno de US$ 2,2 milhões (R$ 11,35 milhões). Apesar do potencial curativo, o custo inicial desafia orçamentos de empregadores e operadoras de saúde.
Outro fator relevante é a expansão das indicações terapêuticas de medicamentos existentes. É o caso dos agonistas do GLP-1, como Ozempic e Mounjaro, usados inicialmente para diabetes tipo 2 e agora também para controle de peso. Com valor superior a US$ 1 mil mensais (cerca de R$ 5.160), esses medicamentos vêm causando um aumento explosivo na demanda e nos gastos.
Terapias celulares e genéticas exigem nova logística para as farmácias especializadas
As terapias celulares e genéticas estão deixando o status de experimentais para se tornarem parte do cuidado clínico real. No entanto, trazem desafios logísticos severos uma vez que precisam ser armazenados a temperaturas inferiores a -120 °C, transportadas rapidamente e exigem extrema coordenação entre clínicas, farmácias, fabricantes e pacientes.
O papel das farmácias especializadas, portanto, vai além da simples dispensação. Elas precisam gerenciar fluxos clínicos complexos, oferecer suporte contínuo e garantir que o paciente conclua todas as etapas do tratamento com segurança.
Inteligência artificial se torna essencial
A inteligência artificial (IA) também ganha evidência nesse contexto, sendo utilizada para prever casos de não adesão ao tratamento e abandono terapêutico. Também ajuda os profissionais de saúde com base em dados socioeconômicos e clínicos.
Com isso, as farmácias especializadas conseguem antecipar problemas, oferecer suporte personalizado e, principalmente, aumentar a eficiência operacional, impactando positivamente a sustentabilidade do setor.
Biossimilares ganham força e mudam o mercado
A entrada de biossimilares, medicamentos semelhantes aos biológicos originais, com eficácia e segurança equivalentes, está transformando o setor. Com a perda de patentes de produtos como adalimumabe e, mais recentemente, ustequinumabe, abre-se espaço para concorrência e redução de custos em áreas terapêuticas de alto custo.
Dados deixam de ser operacionais e viram estratégia
Com tantas mudanças e pressões, a capacidade de analisar dados em tempo real virou uma vantagem competitiva. Não basta mais olhar para o passado. As farmácias precisam identificar padrões, prever falhas na adesão e melhorar cada etapa da jornada do paciente.
A coleta e análise de dados permitem, por exemplo, reduzir o tempo de dispensação e melhorar taxas de reabastecimento de medicamentos. Com isso, as farmácias mais preparadas conseguem garantir contratos com pagadores, conquistar parcerias estratégicas e oferecer valor clínico e econômico real.
A realidade do mercado brasileiro
A evolução do mercado de especialidades no Brasil vive um momento de convergência sem precedentes entre indústria farmacêutica, operadoras de saúde e varejo. “As fronteiras que antes delimitavam claramente o papel de cada ator estão se dissolvendo. E isso exige uma colaboração imediata, pautada principalmente por uma governança de dados robusta”, avalia Cesar Bentim, consultor especializado no mercado de specialty care.
Segundo ele, somente com uma arquitetura inteligente, baseada em inteligência artificial, será possível escalar soluções com precisão e manter a humanização no cuidado. “A velocidade da inovação tecnológica na indústria é tamanha que, em muitos casos, ultrapassa até mesmo as exigências regulatórias. Isso requer a necessidade de constante atualização e uma integração cada vez mais profunda entre os elos da cadeia, da produção à entrega ao paciente”, acrescenta.
O executivo participou ativamente da construção do relatório da ABRADIMEX, que trouxe à tona a complexidade desse setor em um país continental, com diversidade climática e gargalos de infraestrutura. Medicamentos termolábeis, especialmente os voltados à oncologia e terapias biológicas, exigem transporte qualificado e controle rigoroso. Qualquer falha pode significar perdas milionárias.
Além disso, a segurança logística tornou-se um dos maiores custos operacionais do setor. O alto valor agregado dos medicamentos e a dificuldade de rastreamento tornam essas cargas alvos frequentes de roubo, o que obriga as distribuidoras a investirem pesadamente em escolta armada, blindagem e tecnologia de rastreamento.
Exemplo de sucesso
No varejo brasileiro de especialidades, a 4Bio vem se destacando por um modelo de negócio que alia inovação, logística de precisão e atendimento humanizado. Fundada em 2005 com foco inicial em fertilização, a empresa amadureceu ao longo dos anos e hoje atua com medicamentos de alta complexidade, com destaque para áreas como oncologia e reumatologia. Desde 2015 faz parte do ecossistema da RD Saúde.
Durante o Workshop da Retail Farma Brasil realizado em setembro, o diretor de Negócios, Luiz Ratto, compartilhou como a companhia tem conseguido integrar indústria, saúde e varejo para ampliar o acesso a terapias de alto custo, algumas chegando até R$ 100 mil por dose, sem abrir mão da qualidade e da proximidade com o paciente.
“Nosso trabalho vai além da entrega do medicamento. Com mais de 500 colaboradores, a 4BIO opera com um modelo híbrido B2B, B2C e B2B2C, atendendo desde hospitais e clínicas até consumidores finais, muitas vezes viabilizando o tratamento por meio dos próprios planos de saúde”, afirma o executivo.
Logística de precisão e atendimento ágil
Um dos grandes diferenciais da empresa está na logística e na capacidade de distribuição nacional. A empresa consegue entregar medicamentos termolábeis, que exigem temperaturas entre 2ºC e 8ºC, em locais remotos, como o interior do Tocantins, dentro do prazo e com segurança. Centros de distribuição contam com estoques de gelo e infraestrutura para garantir que fármacos de altíssimo valor não percam a eficácia durante o transporte.
Essa preocupação com a entrega reflete também no tempo de resposta. “Se chega um protocolo na farmácia com um medicamento nosso, temos 30 minutos para entrar em contato com o cliente”, explica Rato, destacando a urgência envolvida no cuidado com doenças como câncer e outras condições graves.
Para Ratto, o coração da estratégia de humanização está no programa de acompanhamento focado na jornada do paciente. Nele, equipes especializadas de farmacêuticos mantêm contato próximo com pacientes e familiares para garantir a correta adesão ao tratamento e o uso adequado dos medicamentos.
“Tem paciente que liga perguntando se pode colocar o remédio no freezer, se 10 minutos fora da geladeira afeta a eficácia… E tudo isso é super sensível”, relata. O programa prevê pelo menos quatro contatos por mês, podendo aumentar conforme a necessidade. Além disso, os dados coletados retroalimentam o sistema de saúde, ajudando planos de saúde a evitar desperdícios e a ajustar estratégias de custo.
Casos em que o paciente falece e o plano continua fornecendo o medicamento foram citados como exemplos do tipo de prejuízo evitado com esse acompanhamento próximo. “Estamos falando de medicamentos que podem custar R$ 50 mil, R$ 100 mil. Imagina o impacto disso multiplicado por dezenas de casos”, ressalta Ratto.
Integração com o varejo farmacêutico
Mesmo sem vender diretamente nas farmácias, a 4BIO beneficia-se da capilaridade do varejo farmacêutico. Muitos pacientes compram os medicamentos especializados e se deslocam até as farmácias apenas para aplicação, como no caso de hormônios. Em outras situações a farmácia faz a triagem e encaminha os casos para a 4BIO. “É uma via de mão dupla. Às vezes o paciente chega à farmácia com uma receita, parte é atendida ali e o restante vem para nós. Isso garante mais agilidade e uma experiência integrada para o paciente”, finaliza o diretor.