Brasil abre campo promissor para a indústria farmacêutica
por César Ferro em
O mercado farmacêutico brasileiro ganhou evidência como um campo fértil tanto para empresas nacionais como internacionais. Segundo análise do portal britânico Pharma Boardroom, as farmacêuticas nativas vêm se consolidando por meio do conhecimento acumulado e enriquecendo o portfólio com os acordos de transferência de tecnologia. Já as estrangeiras encontram na nova lei de ensaios clínicos e nos acordos de compartilhamento de riscos oportunidades de registrar bons resultados.
Mesmo com um cenário macroeconômico mais desafiador – como as taxas de juros na casa dos 15% – o país continua crescendo, ainda que em ritmo mais lento. Em 2024, o PIB subiu 3,4% e deve continuar em alta para 2025, mesmo que desacelerando para 2,2%. Apesar das dificuldades, apenas 6% dos brasileiros em idade ativa estão desempregados e o superávit comercial tem reservas internacionais de US$ 380 bilhões (cerca de R$ 2,1 trilhões).
SUS é diferencial
Na América Latina, o Brasil é o único país que conta com um sistema de saúde constitucionalmente garantido, gratuito e universal. Embora imperfeito, o Sistema Único de Saúde (SUS) atende mais de 200 milhões de pessoas. Mesmo que os pacientes com mais recursos financeiros prefiram o uso de planos de saúde privados, procedimentos mais complexos – como transplantes de coração – costumam ser realizados em hospitais públicos.
Indústria farmacêutica brasileira cresce e aparece
O Brasil é considerado estratégico globalmente para o setor farmacêutico há muito tempo. Sendo o maior mercado na América Latina, o país ainda tem espaço para crescer e deve avançar acima dos dígitos até o fim da década.
Apesar da massiva presença das multinacionais, são as farmacêuticas brasileiras que têm dado as cartas. As quatro empresas com maior market share são todas nacionais: NC Farma, Eurofarma, Hypera e Aché.
“O Brasil é um campo de provas incomparável para que as empresas avaliem sua capacidade de operar em ambientes complexos e exigentes, um teste decisivo para a competitividade global”, observa Haig Yeghaian, gerente-geral da LEO Pharma.
“A combinação da complexidade tributária, da intensidade da concorrência e da escala geográfica torna as operações aqui muito desafiadoras… A logística operacional também é dispendiosa; toda a extensão territorial da Europa caberia dentro do Brasil, fazendo com que administrar o país seja semelhante a coordenar múltiplos mercados distintos com funções e requisitos diferentes”, completa.
Diversidade geográfica é trunfo local
Usar a diversidade geográfica – desafio tão complexo para as multinacionais – é um dos grandes trunfos da indústria farmacêutica brasileira. Um case de sucesso é a Cimed.
De origem familiar, o laboratório alcança 98% de todas as mais de 100 mil farmácias espalhadas pelo país, feito que só é possível, em grande parte, por sua rede própria de distribuição, que conta com CDs em seis estados. “Entendemos profundamente o Brasil. As multinacionais costumam adotar uma abordagem padronizada, enquanto a Cimed adapta seu portfólio às necessidades de cada região”, argumenta o CEO João Adibe Marques.
Dermatologia é mercado estratégico (H3)
Outra particularidade do mercado brasileiro é o clima. Com predominância do sol em basicamente dez meses do ano e uma cultura de saúde e beleza profundamente enraizada, o Brasil já é o terceiro maior mercado de beleza do mundo.
Mas o comportamento dos consumidores, principalmente quando o assunto são os dermocosméticos, está em transformação.“Historicamente, a categoria de dermocosméticos se comportava de maneira muito semelhante à indústria farmacêutica. Esse paradigma mudou significativamente nos últimos anos. A influência do investimento em mídia, dos influenciadores digitais e do e-commerce como canal cresceu exponencialmente”, comenta Danielle Ribas, CEO da Pierre Fabre Brasil. Atualmente, o país já é um dos cinco principais mercados para a companhia globalmente e mais de 30% dos negócios gerados por aqui vêm de canais digitais.
Novas multinacionais brasileiras
Com o sucesso conquistado localmente, as farmacêuticas brasileiras têm alçado voos mais altos. Por meio da chegada a novos mercados e aquisições, esses laboratórios têm se tornado verdadeiras multinacionais.
O Pharma Boardroom cita três exemplos desse movimento:
- Eurofarma: mantém sete fábricas na América Latina
- EMS: comprou o laboratório estatal sérvio Galenika e uma empresa de biotecnologia norte-americana
- Biolab: estabeleceu um centro de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Canadá
Com a internacionalização, veio também um foco maior em medicamentos inovadores. “Em 2010, o Brasil praticamente não tinha presença no setor de biotecnologia. Hoje, duas empresas produzem sete ou oito anticorpos monoclonais”, afirma Reginaldo Arcuri, presidente executivo do Grupo FarmaBrasil.
PDPs impulsionaram mercado de biossimilares
Em paralelo, diversas empresas nacionais apostaram nas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) como porta de entrada para o mercado de biossimilares. Nesse modelo, o Ministério da Saúde identifica uma terapia de alto custo que já é adquirida pelo SUS e, em seguida, estabelece uma parceria entre uma indústria local e a farmacêutica fabricante para possibilitar a produção do medicamento por aqui. “Este quadro já permitiu o desenvolvimento local de biossimilares e agora estamos iniciando um esforço a longo prazo para desenvolver Novas Entidades Moleculares (NMEs)”, completa o especialista.
Regulamentação dos ensaios clínicos e diversidade são chamariz para estrangeiras
Em 2024, o Brasil aprovou a primeira lei abrangente para regulamentar a pesquisa clínica no país, substituindo o sistema fragmentado que vigorava no passado. Aliada à grande diversidade vista no povo brasileiro, a nação se torna atrativa para o desenvolvimento de ensaios clínicos.
“O Brasil está entre as nações mais diversas do mundo em termos étnicos e genéticos, um recurso extraordinário para nossos programas de desenvolvimento clínico”, afirma Sylvester Feddes, presidente da Novartis para o Brasil.
Além disso, os dados gerados no país podem ser usados para dar suporte a solicitações regulatórias em toda a região. “Os países da América Latina geralmente não impõem restrições à utilização de dados clínicos gerados no Brasil, Argentina, México, Colômbia ou outros mercados regionais, nem a dados originários de fora da região”, explica Alexandre Gibim, da AstraZeneca.
Atração para os estudos ainda é desafio
Mas atrair interessados em participar dessas pesquisas ainda é um desafio a ser superado. Segundo um estudo da Interfarma, o Brasil perdeu cerca de 694 mil participantes em ensaios clínicos nos últimos quatro anos em estudos abertos que não atraíram pacientes suficientes.
Com a nova lei, esse cenário tende a mudar. “Temos agora um ambiente muito mais atrativo, capaz de gerar investimentos significativos e acelerar o acesso simultaneamente. A nova Lei da Investigação Clínica representou um ponto de virada importante. Trouxe prazos claros, requisitos harmonizados e maior previsibilidade à forma como os estudos são conduzidos no país”, afirma Renato Porto, presidente da entidade.
Atrair estudos é atrair inovação
Para Rogerio Frabetti, da Biogen, ter sucesso na atração de estudos para o país é um passo necessário na trilha da inovação. “Quando os estudos chegam ao Brasil, importamos capital, conhecimento e inovação simultaneamente. Isso é inovação genuína – engajar empresas com produtos inovadores e atraentes para estabelecer parcerias de investimento, em vez de investir na transferência de tecnologia de moléculas obsoletas com tecnologia globalmente comoditizada”, analisa.
Acesso ainda é pedra no caminho
As empresas inovadoras no Brasil ainda precisam lidar com um entrave significativo: o acesso. Segundo dados citados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), quase metade dos remédios aprovados pela Anvisa nunca chega ao mercado.
“O tempo para que um medicamento chegue à população é de quase cinco anos. Também observamos um aumento de 18% nos prazos de acesso de um ano para o outro; o verdadeiro gargalo hoje não é o desempenho regulatório, mas os processos de incorporação e as etapas que se seguem à autorização de comercialização”, analisa Porto.
“Muitos medicamentos inovadores ainda chegam apenas ao setor privado, que abrange aproximadamente um quarto da população, enquanto a maioria dos pacientes do sistema público permanece excluída”, acrescenta Matthieu Mendil, diretor-geral da Servier.
Contratos com compartilhamento de risco são alternativa
Uma estratégia que vem sendo adotada para dinamizar o acesso são os contratos com compartilhamento de risco. Um exemplo é o Zolgensma, da Novartis, usado no tratamento da atrofia muscular espinhal (AME) em crianças.
“Para chegarmos a este acordo, foram necessários três anos de colaboração governamental para estabelecer um modelo que proporcionasse previsibilidade de pagamento e compartilhamento de riscos. Se o tratamento se mostrar ineficaz, o governo não arca com custos contínuos; somente o tratamento bem-sucedido gera pagamento, o que significa que compartilhamos o risco terapêutico diretamente”, afirma Feddes.