Nelson Mussolini comenta “demonização da indústria farmacêutica”
Relação entre o setor e o consumidor voltou a ser discutida após lançamento de livro sobre condutas anticompetitivas
por Gabriel Noronha em e atualizado em
Em entrevista concedida ao Painel S.A., da Folha de S. Paulo, o presidente do Sindusfarma, Nelson Mussolini, abordou a relação de alguns consumidores com a indústria farmacêutica, incluindo o que o mesmo classifica como uma “demonização” do segmento.
O executivo explica que esse sentimento é comum pela natureza do ramo, de fabricar produtos cujo consumo geralmente não é desejado, mas pode ser impulsionado quando informações incorretas chegam ao público.
A afirmação é uma crítica à entrevista de Luiz Hoffmann, ex-conselheiro do Cade e coautor do livro “Condutas Anticompetitivas no Setor Farmacêutico”, veiculada pela mesma coluna na semana passada.
Ao promover o lançamento de seu novo trabalho, Hoffmann afirmou ao Painel S.A. que há um padrão no “reiterado abuso” pelos grandes laboratórios globais de uma posição dominante de mercado.
Para exemplificar esse fenômeno, o livro apresenta ao leitor 129 casos julgados por tribunais de defesa da concorrência pelo mundo de condutas abusivas que geraram hiperaumento nos preços de fármacos.
“Temos que tomar muito cuidado, porque quando um expert dá alguma informação ao público que não é correta, isso gera um clima muito ruim. Ninguém gosta de remédio e ninguém entra na farmácia feliz da vida”, afirma Mussolini.
“Então, pela natureza do setor, já existe uma certa demonização da indústria farmacêutica. Falou-se em um padrão de práticas anticoncorrenciais, mas temos milhares de produtos lançados no mundo, e no livro são apresentados 130 problemas concorrenciais”, adiciona ao classificar esses episódios como exceções.
O executivo ainda reforça que certas práticas comuns há alguns anos, como o pagamento de comissões a médicos, ficaram no passado, ao mesmo tempo em que outras nunca nem chegaram ao Brasil.
“Generaliza-se uma coisa que acontece lá fora e quem não conhece acha que isso acontece aqui. O Brasil tem uma série de códigos de conduta para delimitar muitas dessas coisas que aconteceram no passado”, explica.
Sociedade e indústria farmacêutica se transformaram ao longo dos anos
Ao ser questionado se reconhecia os casos de abuso reportados pelo livro de Hoffmann, Nelson Mussolini afirmou que nunca viu algumas das situações mencionadas, mesmo com seus mais de 47 anos no setor.
“Já houve práticas erradas da indústria farmacêutica no passado. No caso dos opioides, virou até filme. Isso realmente aconteceu. Muito lá fora, pouco aqui no Brasil. Mas essas questões que o livro mostra, de pagar para o concorrente segurar o lançamento de um genérico no mercado… ninguém segura”, detalha.
O entrevistado ainda afirmou que, embora se fale muito sobre a força do lobby da indústria farmacêutica, o setor é um dos poucos na economia brasileira que opera com preços controlados.
Mussolini lembrou que o país conta com a CMED, que recentemente alterou as regras de precificação e ampliou o número de países usados como referência, passando de nove para 15. Na nova composição foram incluídos, por exemplo, México e Japão, que também adotam modelos de regulação de preços semelhantes ao do Brasil.
“Só podemos reajustar o preço uma vez por ano e, mesmo assim, de acordo com o índice que é fixado pela CMED. Muitas vezes, os produtos são caros porque o investimento que se coloca é extremamente alto. De cada 10 mil moléculas que começamos a estudar, só trazemos uma para o mercado. É muito dinheiro que se perde porque não consegue chegar ao objetivo final. Então, o risco do nosso negócio é muito grande.”
Ao abordar outra violação citada no livro, o pagamento de comissões à médicos mediante a prescrição de determinados medicamentos, afirmou que isso não acontece mais desde a década de 1980.
“Houve, sem dúvida, uma época em que a indústria farmacêutica fazia ações para colocar seus produtos no mercado, como pagar [comissão a] médico, levar o médico, a mulher e o filho para os congressos. Antigamente, isso era uma prática corriqueira, não era visto como um problema. A ética e a moral vão evoluindo com a sociedade. E a indústria farmacêutica também evoluiu nisso”, afirma. “Isso tudo acabou. Os códigos de conduta das indústrias e das entidades proíbem”, conclui.