Nota critica rapidez no registro de canetas emagrecedoras
Agência alerta que aprovação célere de rivais do Ozempic pode comprometer análise de medicamentos para doenças graves e raras
por Ana Claudia Nagao em
O plano para acelerar a análise do registro de canetas emagrecedoras contou com críticas da área técnica da Anvisa, segundo reportagem da Folha de S. Paulo. Profissionais manifestaram preocupação com a avaliação célere desses medicamentos, alegando que ela pode atrasar o lançamento de terapias consideradas mais importantes para a saúde pública.
Segundo as áreas técnicas da autarquia, a mudança na fila de análises pode afetar medicamentos destinados a doenças graves com alternativas terapêuticas limitadas ou inexistentes. A relação inclui enfermidades como câncer colorretal metastático, epilepsia refratária ou farmacorresistente, esclerose múltipla secundária progressiva, doença de Parkinson em estágio avançado, atrofia muscular espinhal, entre outras enfermidades.
O alerta consta em duas notas técnicas elaboradas no início de agosto, antes de a agência publicar um edital que permite a priorização de produtos à base de liraglutida ou semaglutida – princípios ativos de medicamentos como Saxenda e Ozempic – na fila de avaliação regulatória. A iniciativa abre caminho para que concorrentes desses emagrecedores tenham seus pedidos estudados com maior rapidez.
Em uma das notas, elaborada pelo setor responsável pela avaliação de segurança e eficácia dos medicamentos, os técnicos afirmam que a alteração da ordem de análise pode gerar questionamentos por parte da indústria e da sociedade. O documento aponta que outros pedidos seriam preteridos “mesmo diante de alta relevância clínica e de impacto na saúde pública esperados”.
O texto técnico também contesta o argumento de que a aceleração dos registros ajudaria a coibir falsificações e a manipulação indiscriminada desses medicamentos. Segundo a avaliação, a priorização não seria capaz de garantir nem mesmo a disponibilidade dos produtos no mercado, tampouco resolver problemas de desabastecimento.
A Anvisa, por sua vez, informou que as notas técnicas tiveram como objetivo avaliar “todos os aspectos de uma intervenção regulatória”. De acordo com a agência, os riscos levantados foram ponderados e foi definido um limite para o número de processos priorizados, justamente para evitar prejuízos a outras terapias.
A autarquia reconheceu também que a capacidade operacional tem sido um desafio da atual gestão e disse que vem adotando medidas como rearranjo de processos, investimentos em novas tecnologias e reestruturação do quadro técnico.Anvisa já priorizou análise de 20 canetas emagrecedoras
Até o momento, a agência priorizou 20 canetas emagrecedoras e irá se manifestar ainda em 2025 sobre os pedidos apresentados por EMS, Megalabs e Momenta. O risco de desabastecimento e os relatos de falsificação foram citados como argumentos centrais para a aceleração das análises, proposta inicialmente pela gerência de fiscalização da Anvisa.
Ao formalizar o edital, em agosto, a agência também mencionou que o Ministério da Saúde defendeu a priorização como forma de reduzir a dependência tecnológica e promover soberania e autonomia nacional.
O plano de acelerar o lançamento dessas drogas recebeu apoios e críticas de entidades do setor. O Sindusfarma aponta risco de insegurança jurídica e de atraso em outras avaliações.
“Entendemos que a priorização de registros deve ser feita sempre com regras transparentes, que garantam segurança jurídica e, principalmente, previsibilidade. Obviamente, exceções podem ocorrer, como no caso das vacinas para a Covid-19. De fato, a obesidade, apesar de ser um grave problema de saúde, não se resolve sem uma política de assistência integral”, afirma Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindusfarma.
A PróGenéricos afirmou em nota que acompanha com interesse e responsabilidade os avanços relacionados aos análogos de GLP-1. Para a entidade trata-se de uma classe terapêutica de impacto clínico e econômico crescente, com efeitos diretos sobre todo o sistema de saúde, do acesso ao tratamento à sustentabilidade orçamentária.
“Com a publicação do edital de priorização, ficou nítida e muito bem-vinda a diretriz voltada ao interesse público, liderada pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa, de reforçar abastecimento, ampliar acesso e favorecer a redução de preços a partir do aumento da oferta desses medicamentos”, afirma Tiago de Moraes Vicente, presidente-executivo da entidade.
Segunde ele, ao priorizar processos de uma mesma classe terapêutica, a agência racionaliza a análise e ganha eficiência administrativa, fundamental num cenário de fila prolongada.
“Quando a avaliação demora além do razoável, sobretudo no momento em que a exclusividade de mercado se encerra, cria-se uma barreira regulatória. A entrada do concorrente é postergada e a competição é adiada. Na prática, isso prolonga a condição de exclusividade, ruim para o acesso, para a concorrência e para a redução de preços”, acrescenta.
Vicente ressalta ainda que existe base legal (Lei 13.411/2015) e regulatória para priorização e previsibilidade de análise, especialmente para novas terapias (RDC n° 204/2017) e para condições específicas, como doenças raras (RDC n° 205/2017). “Existem mecanismos para acelerar o que é prioritário, com critérios e transparência, preservando a autonomia técnica e garantindo qualidade, segurança e eficácia onde a Anvisa é uma das principais referências no mundo”, finaliza Vicente.
Já o Grupo FarmaBrasil afirmou que a Anvisa vem realizando um trabalho aprofundado dentro das condições atualmente disponíveis, ao mesmo tempo em que acelera a ampliação de sua capacidade técnica, com a formação de novos profissionais e o aprimoramento de sistemas.
“No caso específico dos agonistas de GLP-1, o processo foi acompanhado de perto pelo setor. A decisão tomada pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde foi considerada coerente, resultado de uma análise extensa, transparente e objetiva, em consonância com os procedimentos recorrentes adotados pelas agências reguladoras”, afirma Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil.
De acordo com ele, as notas técnicas citadas fazem parte do fluxo normal de tomada de decisão no âmbito do governo, sendo elaboradas por áreas técnicas e utilizadas como subsídio para deliberação da diretoria colegiada da Anvisa, responsável por decisões sempre coletivas.
“Esse modelo é previsto em normas e regulamentos e se repete em diferentes órgãos da administração pública. Além disso, há regras claras de priorização para a análise de medicamentos destinados a doenças complexas sem alternativas terapêuticas disponíveis. Nesse contexto, o entendimento é de que a decisão foi equilibrada, adequada e plenamente alinhada às práticas regulatórias vigentes”, avalia Arcuri.