Apuração vê possível crime em compra da Covaxin

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O Ministério Público Federal desmembrou e transferiu a uma divisão específica a investigação sobre a compra da vacina indiana Covaxin ao identificar indícios de crime no contrato entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos. O preço acima de qualquer outro imunizante adquirido pelo governo é um dos pontos que levaram a Procuradoria à apuração criminal.

brasília O MPF (Ministério Público Federal) desmembrou e transferiu a investigação sobre a compra da vacina indiana Covaxin ao identificar indícios de crime no contrato entre o Ministério da Saúde do governo Jair Bolsonaro e a Precisa Medicamentos.

Antes, a apuração ocorria no curso de um inquérito civil público aberto pela Procuradoria da República no Distrito Federal. O inquérito se destina a averiguar a prática de improbidade administrativa.

Com o surgimento de indícios de crime, a parte relacionada ao contrato para a compra da Covaxin foi para o 11º Ofício de Combate ao Crime e à Improbidade Administrativa.

O envio dos documentos para a condução de uma investigação na esfera de combate à corrupção foi feito no último dia 16, em despacho assinado pela procuradora Luciana Loureiro, que conduz o inquérito civil público.

Na esfera cível, o principal foco da investigação é a distribuição de cloroquina —medicamento sem eficácia para Covid-19— pelo governo Bolsonaro na pandemia.

Após o avanço das investigações sobre o contrato com a Precisa, a Procuradoria elencou indícios de crime que precisam ser investigados.

Um dos elementos usados no inquérito foi o depoimento revelado pela Folha de um servidor do Ministério da Saúde que apontou pressão atípica da cúpula da pasta para liberar a importação da Covaxin.

Um dos responsáveis pela pressão, segundo o depoimento, foi o tenente-coronel Alex Lial Marinho, que integrava o principal grupo auxiliar do general Eduardo Pazuello em sua gestão na Saúde.

Ele foi coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde e acabou demitido do cargo pelo atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, no último dia 8.

Segundo o despacho do MPF, não há justificativa, a princípio, para a “temeridade do risco” assumido pelo Ministério da Saúde com a contratação relacionada à Covaxin, “a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”.

“A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto, cível e criminal”, afirmou a procuradora Loureiro no despacho.

A Covaxin é fabricada pela indiana Bharat Biotech e representada no Brasil pela Precisa Medicamentos. É a Precisa que assina o contrato com o Ministério da Saúde para o fornecimento de 20 milhões de doses, a um preço individual de US$ 15. Nenhuma outra vacina comprada pela pasta tem custo tão elevado.

O preço elevado é uma das razões para a necessidade de investigação criminal, segundo o MPF. O valor é superior aos da negociação de outras vacinas no mercado internacional, como a Pfizer, conforme o despacho da Procuradoria. No Brasil, a dose da Pfizer saiu por US$ 10.

O MPF aponta ainda uma quebra de cláusulas contratuais. O contrato entre Saúde e Precisa prevê que os 20 milhões de doses deveriam ser entregues em até 70 dias após a assinatura do documento, que ocorreu em 25 de fevereiro. Nenhuma dose chegou ao Brasil até agora.

“Expirados os 70 dias de prazo para a execução escalonada do contrato, nenhum dos lotes de 4 milhões de doses fora entregue pela contratada Precisa”, cita o despacho do MPF.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) concedeu autorização para importação da vacina somente no último dia 4, e com restrições.

A agência, em 31 de março, havia negado pedido de importação formulado pelo Ministério da Saúde, diante da falta de documentos básicos por parte da empresa.

“Embora se trate a situação de nítida hipótese de descumprimento da avença, o Ministério da Saúde vem concedendo oportunidades à empresa de sanar as irregularidades perante a Anvisa, elastecendo os prazos de entrega da vacina, mesmo sabendo que é incerta a entrega das doses contratadas e, por enquanto, não autorizada sua distribuição em larga escala”, afirmou a Procuradoria no DF.

A finalidade prevista em contrato —distribuir doses contratadas em ampla escala, dentro do PNI (Programa Nacional de Imunizações)— não tem previsão para ser alcançada, conforme o MPF, “o que deveria reclamar do gestor público imediata ação corretiva”.

Outro ponto que justifica o aprofundamento das investigações na esfera criminal, segundo o Ministério Público Federal, é o histórico de atuação da Global Gestão em Saúde. A empresa tem como sócio o mesmo dono da Precisa Medicamentos, Francisco Emerson Maximiano.

Em dezembro de 2018, o MPF moveu uma ação de improbidade administrativa contra o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, e contra a Global por ter havido pagamentos antecipados de R$ 20 milhões à empresa por medicamentos não entregues.

“Houve prejuízos a centenas de pacientes dependentes de medicamentos de alto custo, e prejuízo de mais de R$ 20 milhões ao erário, ao que consta ainda não ressarcidos”, afirmou Loureiro no despacho. “O fato desencadeou uma ação de improbidade administrativa em face do então ministro da Saúde e vários outros servidores, estando em curso inquérito policial sobre os mesmos fatos.”

A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto, cível e criminal Luciana Loureiro procuradora, em despacho que enviou investigação para área criminal

A Precisa diz que “jamais promoveu qualquer tipo de pressão e não contou com vantagens durante esse processo”. Disse ainda que o contato com o servidor foi “de ordem técnica, para a confirmação de recebimento de documentação, seguindo o protocolo do ministério”.

O Ministério da Saúde afirmou, em nota, que respeita a autonomia da Anvisa e que não faz pressão para aprovação de vacinas.

O deputado e ex-ministro Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara, disse em nota que houve “inexecução contratual” em relação à Global. ”Foram adotadas todas as providências pelo Ministério da Saúde para penalização da empresa e para o ressarcimento ao erário. Não houve favorecimento ou qualquer ato de improbidade”, afirmou.

Na noite de sexta-feira (18), a Folha questionou o centro de comunicação social do Exército sobre a citação ao tenente-coronel Marinho, mas não houve resposta. de receita médica desde março/2020”, disse a Apsen.

Além de estimular o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, o governo Bolsonaro abriu uma corrida para produção, compra e doação dos fármacos ao SUS. Sem demanda, milhões de comprimidos estão encalhados.

Em documento enviado à CPI, o CFF (Conselho Federal de Farmácia) disse que a Covid-19 “deflagrou uma epidemia de uso irracional de medicamentos”.

“As vendas de alguns fármacos vinculados à prevenção ou cura da doença, mesmo sem a comprovação de que sejam eficazes para esse fim, chegaram a aumentar 857%”, disse o órgão, citando dados do primeiro ano da crise compilados pela consultoria IQVIA.

A Apsen disse que não captou recursos do BNDES para produção da hidroxicloroquina e que não recomenda a droga contra a Covid-19. A farmacêutica recebeu R$ 20 milhões do banco em 2020.

Segundo a empresa, a comercialização do medicamento representou 10,1% do seu faturamento líquido. No total, a receita da empresa subiu 18,1% em 2020, após alta de 20,7% em 2019.

“As vendas do medicamento Reuquinol (nome comercial do fármaco) apresentaram crescimento nos últimos cinco anos, de forma orgânica, devido ao maior acesso de pacientes crônicos ao produto com o diagnóstico das doenças previstas em bula”, disse a Apsen, em nota enviada à Folha.

A CPI pediu dados de produção e receita de empresas que têm aval no Brasil para venda de medicamentos do chamado “kit Covid”, como hidroxicloroquina e ivermectina, além da quebra de sigilo de alguns dirigentes.

Senadores querem entender a razão de o Itamaraty e o próprio Bolsonaro terem se empenhado para garantir o fornecimento das drogas.

As farmacêuticas Cristália, Prati Donzaduzzi, Super Farma, Aché, Sandoz e Farmoquímica enviaram os dados sob sigilo à CPI. Algumas empresas pediram mais prazo para a resposta.

“Com o aumento da demanda, a produção foi ajustada para organizar o abastecimento do mercado e prover o medicamento aos pacientes crônicos que fazem uso contínuo do medicamento”, disse a Aspen, em nota.

A farmacêutica EMS informou aos senadores, na última semana, que faturou R$ 142 milhões com estes medicamentos em 2020, valor oito vezes superior ao registrado em 2019. Apenas a soma com a venda de ivermectina saltou de R$ 2,2 milhões para R$ 71,1 milhões.

Com uma fatia menor do mercado, a Sanofi disse à comissão que vendeu cerca de 150 mil caixas do mesmo medicamento, alta de 351,3%.

Apsen e Sanofi dizem que não venderam ao SUS o fármaco ineficaz contra Covid.

A Vitamedic disse à CPI que a venda de Ivermectina pela empresa aumentou 1.230% em 2020, chegando a 75,8 milhões de caixas.

Bolsonaro estimula reiteradamente o uso desses medicamento contra a Covid.

Após participar de uma manifestação de motos com apoiadores no último dia 12, em São Paulo, o presidente voltou a citar o medicamento e disse que “não faz mal nenhum” usá-lo.

A hidroxicloroquina foi a droga mais estudada para tratamento de Covid-19 desde o início da pandemia, com 268 pesquisas científicas registradas em 55 países, mas sua eficácia não foi comprovada nem para tratamento de pacientes internados nem como medida profilática, de acordo com as pesquisas científicas que utilizam o chamado padrão-ouro do método científico.

Fonte: Correio do Povo

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