Você já ouviu falar em cigarros produzidos exclusivamente com flores ricas em canabidiol (CBD)? O nosso vizinho Paraguai acaba de lançar no mercado o produto que é completamente livre de nicotina, tabaco e substâncias psicoativas como o THC. É o que garante o dono da empresa Pegasus Hemp, Marcelo Demp, que também é presidente da Câmara de Cânhamo Industrial do Paraguai (CCIP).
De acordo com Demp, estes são os primeiros cigarros do mundo a serem cultivados por famílias vulneráveis. Entre elas, sete comunidades indígenas que fazem parte do projeto Hemp Guarani. ‘Estamos trabalhando com famílias de extrema pobreza e indígenas com a finalidade de criar um grande impacto social e econômico a pequeno, médio e longo prazo’. O Paraguai – com mais de 26% da população na linha da extrema pobreza – tem demonstrado ao mundo que é possível reverter essa estatística através do cultivo da Cannabis de forma regulamentada e legal.
Foto: Divulgação Pegasus Hemp
Atualmente, o Paraguai já é a terceira maior potência industrial do cânhamo no mundo, só fica atrás da China e do Canadá. Além do produto in natura, a indústria paraguaia lançou mais de 200 produtos terminados que o país já comercializa em farmácias, shoppings centers e supermercados de nações como Holanda, Reino Unido, Costa Rica, Caribe, México, Estados Unidos, Canadá, Austrália e boa parte do leste europeu. E agora chegou a vez dos cigarros de CBD – o Solito ou Pegasus Hemp. ‘O nosso objetivo é substituir o consumo do cigarro tradicional pelo cigarro de CBD que não tem nicotina e nem tabaco. É algo natural e tem indicação clínica para conter os sintomas de ansiedade e até reduzir o vício nas substâncias encontradas no cigarro comum. É algo inovador! Nossa perspectiva é de que a demanda vai crescer incrivelmente’, prospecta Marcelo Demp.
De acordo com o empresário, o próximo passo agora é conseguir o cadastro do produto na plataforma da Anvisa no Brasil para que o produto possa entrar legalmente no país com prescrição médica e autorização da Agência Reguladora. ‘O Paraguai é um país que tem 7 milhões de habitantes. São Paulo tem mais gente que o Paraguai, então, o mercado brasileiro é gigante. Só para se ter uma ideia: todo mês entra no Brasil ilegalmente de 300 a 400 caminhões de cigarros contrabandeados, sem qualquer qualidade ou segurança. Isso representa algo em torno de 8% de todo o consumo brasileiro’, analisa o presidente da CCIP.
Foto: Divulgação Pegasus Hemp
Enquanto no Brasil os cigarros de CBD ainda podem levar um tempo para ganhar espaço e o reconhecimento médico, em outros países da América Latina, onde o uso de canabinoides já está mais avançado, o Pegasus Hemp começa a penetrar com força total. ‘Já temos encomendas para o México e Costa Rica. A nossa intenção é exportar para toda a América do Sul e Central. Também queremos atrair turistas. Assim como os brasileiros cruzam a fronteira para comprar celular, também poderão ter acesso aos cigarros de canabidiol, não psicoativo. O produto já está disponível em todas as fronteiras com o Brasil. Já temos os cigarros em dispensários e tabacarias na Cidade do Leste e em Ponta Porã, por exemplo’, adianta Demp.
O que dizem os médicos?
Apesar de defender o uso da Cannabis para algumas patologias, o pneumologista Paulo Feitosa afirma que não prescreveria cigarros de CBD para reduzir os danos causados pela dependência do cigarro tradicional. ‘Os cigarros eletrônicos surgiram com essa intenção. Entretanto, tudo que tem combustão faz mal aos pulmões. Esses órgãos são extremamente sensíveis e a forma de reação à fumaça é a inflamação das glândulas. O catarro é uma forma de proteção à fumaça, por exemplo’. De acordo com o especialista, existem outras alternativas para tratar o vício na nicotina, como por exemplo o uso de adesivos e chicletes que contém a substância e ajudam a amenizar a abstinência. ‘Quando dizem que o cigarro de maconha é menos maléfico do que o cigarro tradicional falta embasamento científico. Hoje, há pouquíssimos estudos nesse sentido, até porque a droga é proibida no Brasil. Mas no cigarro tradicional há 4 mil e 700 substâncias tóxicas, sendo que mais de 2 mil são adicionadas pela indústria ao cigarro. Ou seja, é um produto altamente nocivo à saúde’, explica Feitosa. De acordo com o pneumologista, toda combustão gera monóxido de carbono e quando inalada essa substância impede que o oxigênio seja carreado pela hemoglobina. ‘O monóxido de carbono é o que mata num incêndio, por exemplo. Um simples papel queimado libera essa substância. Qualquer fumaça irrita o pulmão. Sou um defensor da Cannabis medicinal, mas na minha área de atuação ainda não há indicações clínicas’, conclui o médico.
Para o doutor Wellington Briques, especializado em Medicina Integrativa e desenvolvimento de novos medicamentos, nenhum médico sério vai prescrever cigarro de CBD para a ansiedade. ‘A temperatura de um cigarro, quando fumado, chega 800 graus Celsius. Hidrocarbonetos e metais entram nos pulmões e causam muitos danos. Os produtos para uso medicinal precisam de certificado de análise. Num cigarro como esse não dá para saber quantos miligramas de CDB têm em cada tragada. Não dá para considerar isso uso medicinal’. De acordo com o médico, hoje a legislação brasileira não permite o uso fumado ou vaporizado da planta. ‘No uso vaporizado a temperatura chega a 200 graus Celsius. Existem pacientes que fazem uso medicinal vaporizado com flores certificadas e óleos especialmente produzidos para vaporização. Essa forma de ministrar a Cannabis é indicada em casos agudos, como por exemplo, crises de fibromialgia. A farmacocinética do uso vaporizado é diferente. Apesar de a concentração da absorção dos canabinoides ser mais imediata, dura por um período curto de até duas horas, dependendo do metabolismo de cada um. A absorção oral, por meio do óleo, é mais lenta. Mas o efeito permanece no corpo de seis a oito horas’, explica o estudioso. O médico alerta ainda que muitos produtos que no rótulo estampam a palavra ‘hemp’, não possuem CBD ou THC e sim o óleo ou compostos da semente. ‘Nos Estados Unidos vemos muitos shampoos, cremes e cosméticos com hemp ou cânhamo, mas na verdade a semente não possui canabinoides, é rica em ômegas. Então, é importante saber o que vem dentro do produto’, afirma Briques.
Reparação e inclusão social
De acordo com a CCIP, 1.500 famílias que plantavam maconha no Paraguai ilegalmente, agora cultivam o cânhamo para fins industriais com o apoio e regulamentação do governo. ‘Quem tem licença vende a semente para o produtor e já assinada um contrato para a compra de toda a produção por um valor fechado’. O projeto ainda prevê escolas agrícolas com capacitação em ciências agrônomas. ‘Queremos formar engenheiros agrônomos para trabalhar com a Cannabis. A escola agrícola já atende a mais de mil alunos atualmente. O produtor que trabalhava na ilegalidade era explorado. O pai era obrigado a abandonar a família por seis meses para produzir a maconha na ilegalidade, e ainda assim continuava na extrema pobreza. Agora, a família pode cultivar no seu próprio terreno, na porta de casa, com a fiscalização e todos os protocolos. É o ingresso econômico do pequeno produtor, com ajuda do governo, no mercado legal da Cannabis’, explica o presidente da Câmara de Cânhamo Industrial do Paraguai.
Além da reparação social, o modelo do Paraguai também é inovador por conseguir aproveitar mercadologicamente 100% da cadeia produtiva da Cannabis. Das sementes, se produz novas plantas e clones, azeites, suplementos alimentares e cosméticos. Do caule e das folhas, se extrai a fibra usada na tecelagem, na produção de madeira, na indústria e na construção civil. Das flores, se retira os insumos para a produção de óleos, pomadas, jujubas, cápsulas e supositórios, por exemplo.
Fonte: Cannabis & Saúde