Não foi somente agora, com a retirada das fábricas da Ford do Brasil, que a sirene da desindustrialização foi acionada no país. Desde 2014, no auge da indústria da transformação, com 384,7 mil unidades, o mercado brasileiro tem sofrido baixas anuais expressivas, e a previsão da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) é que 2020 fique mesmo nas 348,1 mil operações no setor. “O processo de desindustrialização no Brasil é um fenômeno que já existe há bastante tempo e se acentuou depois da recessão de 2015/2016. A pandemia só escancarou alguns problemas que o país enfrenta”, avalia Fabio Bentes, economista da CNC responsável pelo estudo.
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Para Bentes, o pior problema de um processo de desindustrialização é a perda de competitividade no Brasil de forma acelerada. “É a falta de um plano econômico para preservar o setor industrial, e isso passa por governos de esquerda, de centro e de direita e já dura três décadas. Em meados da década de 80, a indústria de transformação representava 35% do PIB. Hoje, representa 11% do PIB. Caiu um terço, e é uma falha do capitalismo no Brasil”, critica.
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Bentes alerta ainda para problemas que se arrastam sem solução, tais como o alto custo de produção no Brasil e carga tributária elevada, além do peso da folha de pagamento, que é alta, embora os salários sejam baixos. “O Estado é um sócio que tem um terço de toda a riqueza produzida pelo setor primário no Brasil porque se paga uma carga tributária de 33%”, compara. “O Brasil está virando um ambiente hostil às empresas inovadoras por conta da complexidade, e o sistema tributário é um exemplo, pois as empresas médias gastam 1.500 horas por ano para cumprir as obrigações tributárias”, acrescenta o economista.
Minas Gerais
No levantamento da CNC, Minas ficou em 16º lugar no ranking dos Estados que mais perderam unidades produtoras na indústria da transformação entre 2014 e 2019. A liderança foi para o Rio de Janeiro, que tinha 19.956 operações em 2014, caindo para 16.730 em 2019 (-16,2%). Em Minas Gerais, eram 47.391 unidades em 2014, enquanto em 2019 o número baixou para 44.214 (-6,7%).
Bentes diz que todos os Estados registraram queda, mas Minas, ao longo das últimas duas décadas, passou por um processo de atração de indústrias desde o setor automotivo até a agroindústria e a indústria extrativa mineral. “A presença da agroindústria em Minas ajudou a amortecer a queda da indústria no Estado, e teve a balança comercial brasileira, que gerou riqueza na indústria extrativa mineral; Minas tem isso forte e se saiu melhor desse processo”, conclui.
Faltam diversificação do setor e inovação, diz especialista
O sistema tributário atual prejudica a rentabilidade das empresas, a competitividade do produto nacional e a inserção do país no mercado internacional, na opinião de Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). No caso de um projeto de longo prazo para a indústria, o economista também não vê inovação no Brasil. “Produtividade é um resultado que é alavancado pela inovação. Precisa ter investimento. A palavra ‘inovação’ não está presente no léxico do governo”, critica o economista.
Outra urgência é a diversificação do setor. “Precisamos de maior agregação de valor no produto, que vai gerar mais emprego e renda. Isso é sinônimo de industrialização. A gente precisaria agregar valor às exportações agropecuárias. Após se fazer isso, as cadeias produtivas vão ficando mais longas, gerando mais emprego e maior renda”, explica.
Para Cagnin, a saída da Ford é sintomática. “Nosso ambiente e nossa competição não são dos melhores, e aí acrescenta-se a escala automobilística global”, analisa. Além disso, a indústria automobilística vive sob o avanço da robotização, e a digitalização tem vivido sob uma agenda de transformação verde com os novos carros. “A pandemia ponderou os custos nas cadeias globais de valor. Tem os países com melhores condições de competitividade e mercados mais dinâmicos. Os países com problemas de competitividade e crises industriais recorrentes na última década ficam para trás, como é o Brasil”, compara.
Cagnin lembra que países como Estados Unidos e Reino Unido, que passaram pela desindustrialização, desenvolveram-se em ramos de microeletrônica, farmacêutica, TI, e produtos de valor agregado ganharam presença. “Não conseguimos desenvolver competências nessas áreas com tanta musculatura como em outros países”, diz.
Fonte: O Tempo Contagem