Exclusivo: farmacêuticas brasileiras esperam crescer 11,5%
Sindusfarma defende inovação científica e regulação
equilibrada para sustentabilidade do setor
por Márcia Arbache em
Otimista, o presidente executivo do Sindusfarma, Nelson Mussolini, projeta alta de até 11,5% no faturamento das farmacêuticas brasileiras em 2025, com elevação do volume de vendas na casa de 4% a 5%. Em entrevista exclusiva ao Panorama Farmacêutico, o dirigente atribui o bom desempenho ao envelhecimento da população, que também ganhou em longevidade. ‘’Vivendo mais, as pessoas precisam de medicamentos para manter a qualidade de vida’’, pontua.
Mussolini avalia que a expansão demográfica brasileira é outro motor de avanço do setor. Cita ainda programas públicos como o Farmácia Popular (FP) e a popularização dos genéricos. “Quando o Estado investe em prevenção e tratamento, reduz internações e complicações de doenças crônicas. Nos últimos 25 anos, o brasileiro se trata muito melhor’’, acredita.
Vendas das farmacêuticas brasileiras ao varejo têm crescimento estável
Apesar dos relatos de fechamento de lojas e ajustes de redes do varejo farma, Mussolini nega uma desaceleração significativa no segmento. ‘’Os números não mostram retração. Nos últimos 12 meses tivemos crescimento de 11% nas vendas do varejo. Eu ando pelas cidades e não vejo farmácias fechando nem em São Paulo, nem em Brasília”, diz o dirigente.
Ele reconhece, no entanto, que o episódio de fraudes no programa Farmácia Popular, que acarretou a suspensão do benefício em algumas unidades, pode ter gerado uma percepção de redução das vendas em determinadas regiões.
Dispensação exige regulamentação com forte base científica
Mussolini lamenta a falta de respeito às normas de dispensação para medicamentos de prescrição no varejo. Ele argumenta que a indústria produz fármacos de altíssima qualidade, obedecendo a uma regulação rígida até o registro do produto. ‘’Um medicamento tarja vermelha só pode ser dispensado mediante receita de um profissional de saúde, mas não há rigor na fiscalização por parte de autoridades responsáveis’’, lamenta.
Convivência entre lojas físicas e vendas virtuais
A digitalização do setor e a venda de medicamentos online são temas que o Sindusfarma avalia com cautela. A entidade defende a manutenção do papel do farmacêutico, principalmente em estabelecimentos de menor porte ou independentes, em que o atendimento é mais personalizado ‘’O brasileiro prefere ir à farmácia. Quando estamos doentes, queremos o remédio imediatamente. A venda online pode crescer, mas não vai acabar com as lojas físicas’’, prega.
Por outro lado, Mussolini condena a nova onda de venda de medicamentos por canais digitais alternativos aos das farmácias. ‘’Quando tenho um problema de saúde, saio do médico com a prescrição e entro na primeira farmácia que encontro pelo caminho. Não faltam opções e elas próprias têm seus aplicativos. Não vou esperar o produto chegar em minha casa’’, diz, referindo-se ao anúncio de um marketplace que pretende começar a oferecer remédios.
Espaço segregado em mercados para venda de medicamentos
Já para a venda de medicamentos em supermercados, contra a qual a entidade frontalmente se posicionou, Mussollini concorda com algumas regras definidas no projeto recentemente aprovado pelo Senado. “Será preciso ter um espaço segregado dentro do PDV com um farmacêutico responsável. Não é produto que se coloca na gôndola ao lado de bebidas. É questão de segurança e saúde pública’’, frisa.
Da mesma forma, o projeto determina um depósito exclusivo para o armazenamento dos produtos, com climatização adequada, providências fundamentais para evitar uma contaminação cruzada e perda de eficácia do medicamento. ‘’Sabemos que agora a discussão será levada à Câmara dos Deputados, onde haverá muito debate, mas acredito que há espaço para todos’’, salienta.
Ritmo gradual de mudanças
Há mais de 40 anos na indústria farmacêutica, Mussolini acredita, porém, que ‘’as coisas não mudarão da noite para o dia’’. Segundo ele, haverá progresso para uma relação um pouco mais virtual, por meio de inovações como a teleconsulta nas farmácias, que ‘’funciona muito bem’’. Mas faz restrições ao fato do médico, do outro lado da tela, prescrever receita dentro do próprio PDV. ‘’O atendimento deveria ser totalmente desvinculado da farmácia para evitar conflito entre o médico e o paciente’’, adverte.
Para o dirigente, há o risco de o médico passar a ter interesse na venda de determinado medicamento, o que configuraria transgressão ao código de conduta da categoria. Ele aponta a regulamentação do serviço com forma de evitar problemas dessa natureza. ‘’O setor de saúde é o que mais pede regulamentação dura porque estamos tratando de vidas humanas e é preciso entregar ao consumidor a melhor proposta de saúde’’, complementa.
Reforma tributária muito aquém do ideal
A indústria também faz restrições à reforma tributária. Mussolini diz que houve redução de 60% da base de cálculo e a alíquota modal ficará em torno de 28%. ‘’Isso significa que ainda vai se pagar muito imposto sobre medicamentos no Brasil, entre 11% e 12%, uma das maiores cargas do mundo. O Estado deveria garantir acesso e não tributar o que não entrega’’, provoca.
Em contrapartida, determinadas linhas de cuidado como medicamentos para doenças cardíacas, diabetes, AIDS, doenças raras e os da Farmácia Popular, terão isenção tributária de 100%. O projeto foi aprovado no Senado e seguirá para a Câmara. ‘’Já é um avanço’’, reconhece o dirigente.
Modernização e maior flexibilidade da CMED
A política de preços da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) é outro alvo de questionamentos do Sindusfarma. Para a entidade, os medicamentos tarjados e os de pouca concorrência não deveriam continuar sob controle de preço. ‘’Os genéricos têm uma concorrência natural e, quando os MIPs deixaram de ser tabelados, não houve elevação absurda de preços. Muito pelo contrário, em algumas categorias o preço se manteve ou até foi reduzido’’, informa.
Mussolini argumenta que há muitos fornecedores no mercado, citando os remédios para controle de pressão arterial. Segundo ele, são cerca de 50 cópias disponíveis e alguns deixam de ser oferecidos porque não têm mais margem de comercialização. ‘’E, invariavelmente, são substituídos por produtos mais caros. Não seria melhor deixar esses produtos mais antigos e de menor potência livres de controle como forma de equilibrar o mercado com produtos mais novos e ainda sob patente?’’, sugere
Inovação incremental incentiva desenvolvimento tecnológico
Mussolini aborda outra discussão em curso entre a indústria e governo, envolvendo os medicamentos de inovação incremental, e faz uma recomendação. ‘’Se existe a losartana de 100, eu desenvolvo a de 50 porque introduzo na fórmula um ingrediente que se dissolve mais lentamente no organismo e melhora a potência do produto. Investi em um estudo clínico diferente. A CMED, então, estipula um preço proporcional à fórmula originadora’’, explica.
Para Mussolini, a adoção desse critério seria uma maneira de incentivar o desenvolvimento tecnológico do país e fortalecer o ambiente concorrencial. “Entendemos que, nesse aspecto, a legislação em vigor deveria ser modernizada. Não estamos falando em acabar com o controle de preços, mas de uma concepção diferente na hora de fixar preços e um método de monitoramento de alguns produtos para os quais ainda não existam genéricos’’, opina.
Pesquisa clínica exige rápida implementação
A recente aprovação da nova lei de pesquisa clínica é considerada um marco para o desenvolvimento científico no país. Mussolini defende sua rápida implementação e critica resistências ideológicas. “Foi uma lei discutida por quase dez anos. Agora precisamos aplicá-la para que o Brasil saia da 22ª posição mundial em pesquisa clínica e suba para a 4ª ou 5ª posição, ao nível das principais economias”, diz.
Mussolini rebate o argumento do Comitê de Bioética que, recentemente, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), alegando que a lei fere o indivíduo que se prontifica a ser voluntário. ‘’As pessoas para as quais as terapias convencionais não funcionam querem fazer parte dos estudos. Se não para elas, para as gerações futuras. Esperamos que essa discussão no Judiciário seja rapidamente resolvida para que as empresas, inclusive estrangeiras, tenham segurança jurídica e previsibilidade para investir no país”, alerta.
Ele destaca que o país tem excelentes centros de pesquisa, muito bem aparelhados, não só no eixo Rio-São Paulo, mas também nas regiões Norte, Nordeste e Sul. ‘’Estamos preparadíssimos para absorver terapias avançadas e trocar conhecimentos científicos com outros países. Recentemente participei de uma discussão com um professor da Universidade da Bahia, que faz testes clínicos com terapia CART-T’, tipo de imunoterapia em que utiliza células do paciente para combater o câncer”, revela.
Sustentabilidade e descarte correto de medicamentos
O setor também busca avançar na agenda socioambiental, com programas estruturados para o descarte responsável de medicamentos. O Sindusfarma coordena a LogMed, entidade que organiza a logística reversa em todo o país. “O consumidor devolve o medicamento vencido na farmácia, a distribuidora recolhe e a indústria faz o descarte correto, por incineração ou aterros industriais de classe 1”, explica Mussolini.
Ele reforça que é um sistema integrado que envolve todos os elos da cadeia, sem custo adicional para o consumidor. O programa, inclusive, será um dos papers a ser apresentado na COP 30, que acontecerá a partir do dia 10 de novembro, em Belém (PA). Além disso, foi tema de um fórum sobre descarte correto, patrocinado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).