Farmacêuticas tentam impedir manipulação de GLP-1
Farmácias magistrais importam semaglutida e tirzepatida da Ásia
por César Ferro em
e atualizado em
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Nesta quinta-feira, dia 27, a Polícia Federal deflagrou uma operação para desarticular um esquema de manipulação de GLP-1. As farmacêuticas que detêm as patentes, Eli Lilly e Novo Nordisk, atuam para tentar impedir a comercialização ilegal. As informações são do Valor Econômico.
Segundo a reportagem, essas farmácias importam a semaglutida e tirzepatida de fabricantes asiáticos, provenientes de países como Bangladesh, China e Índia. A questão é que ambas as multinacionais negam comercializar os princípios ativos. De acordo com elas, não há comprovação de que essas formulações realmente contenham os insumos.
“Essa importação deveria ser considerada ilegal, mas, para isso, deveria haver uma ação conjunta da Anvisa e da Polícia Federal”, comenta a especialista em propriedade intelectual da Abifina, Ana Claudia Oliveira.
Para que a importação da tirzepatida (princípio ativo do Mounjaro) seja feita dentro da lei, a Anvisa estabeleceu, em agosto, algumas condições. Já no caso da semaglutida (presente no Ozempic e Wegovy), a prática não é permitida desde o início do segundo semestre, devido a sua suscetibilidade a variações que podem comprometer a qualidade do remédio.
Diante da escalada na venda desses produtos, a agência criou regras mais duras para a importação. Atualmente, é o regulador que faz a liberação dos laudos, e não mais as alfândegas. Apesar do maior rigor, não houve desabastecimento de insumos.
Manipulação de GLP-1 atingiu “escala industrial”
De acordo com a legislação atual, um medicamento só pode ser manipulado quando existe a necessidade de uma dosagem específica não ofertada pela indústria. Condições individuais do paciente, como o impedimento médico a algum dos componentes da formulação tradicional do remédio, também permitem a manipulação. Mas não é o que tem sido observado no caso dos análogos de GLP-1.
Segundo a Eli Lilly, há uma “manipulação em escala industrial” de medicamentos à base de tirzepatida no Brasil, inclusive com produtos de dosagens idênticas às do Mounjaro, mas comercializadas por preços mais baixos.
A diretora jurídica da Novo Nordisk, Ana Miriam Dias, também relata situação semelhante. “O objetivo da preparação magistral não é reproduzir um produto na mesma dosagem e estávamos vendo a mesma dosagem e em larga escala da semaglutida”, alerta.
A Associação Nacional Magistral de Estéreis (ANME), entidade que representa as farmácias de manipulação que produzem esses medicamentos, argumenta que essas versões vêm em ampolas e dosagens distintas. Além disso, a associação defende que a aplicação é feita por meio de seringas, com dose estabelecida pelo médico, e não necessariamente igual à das canetas.
Escassez de doses mais altas motiva manipulação
Segundo Manuela Coutinho, presidente da ANME, a demanda pelos medicamentos manipulados ocorre porque são escassas no Brasil as opções com dosagens mais altas. “O paciente precisa continuar o tratamento, ir aumentando a dosagem. Por isso, muitos médicos recomendam o manipulado”, explica.
Somente farmácias de manipulação estéreis podem produzir medicamentos análogos de GLP-1. No país, são apenas 35 unidades, que precisam ter um sistema de esterilização mais robusto.
Apesar de Manuela apontar a demanda por dosagens personalizadas, Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindusfarma, alerta para os riscos da prática. “Não há estudos clínicos mostrando que essas dosagens específicas são seguras e eficazes”, afirma.
Por meio de uma nota conjunta divulgada em fevereiro e reiterada neste segundo semestre, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) apontaram que a manipulação é uma prática “crescente, preocupante e perigosa”. Países como a Austrália e a África do Sul já proibiram a manipulação de análogos de GLP-1.