Governo de SP anuncia produção de cannabis medicinal
Projeto marca uma tentativa inédita de
industrialização estatal desse tratamento no país
por Ana Claudia Nagao em
por Ana Claudia Nagao em
O Governo do Estado de São Paulo iniciará a produção pública de medicamentos à base de cannabis para uso medicinal. A declaração foi feita no dia 30 de outubro pelo governador Tarcísio de Freitas, durante encontro no Palácio dos Bandeirantes com prefeitos, secretários municipais de saúde e deputados estaduais. As informações são do Portal Sechat e do Smokebuddies.
No mesmo evento, o governo confirmou um repasse extra de R$ 379,2 milhões aos 645 municípios paulistas para custeio e investimentos em saúde. A fabricação será realizada nas plantas industriais da Fundação para o Remédio Popular (Furp), em Guarulhos e Américo Brasiliense, que devem operar em plena capacidade.
A meta é aproveitar a estrutura existente para produzir medicamentos de alto custo, entre eles os derivados de cannabis. A iniciativa marca a primeira vez que o governo paulista assume oficialmente a intenção de fabricar derivados de cannabis em escala pública. Caso o projeto avance, São Paulo será o primeiro estado brasileiro a produzir esses medicamentos dentro de uma estrutura estatal.
O anúncio representa também uma mudança de posição do Executivo paulista. Há dez meses, o governo havia vetado o Projeto de Lei 954/2023, que previa a criação de um programa de produção e distribuição de medicamentos à base de cannabis conduzido pela própria Furp.
À época, o veto foi assinado pelo vice-governador em exercício, Felício Ramuth (PSD). Agora, o autor do projeto, deputado Caio França (PSB), celebrou a reversão. “Estarei atento para que essa produção atenda as patologias que ainda não estão contempladas no SUS paulista”, afirma.
Acesso e regulamentação da cannabis medicinal
São Paulo já possui uma política estadual de fornecimento de cannabis medicinal, instituída pela Lei 17.618/2023, que garante acesso gratuito a medicamentos à base de canabidiol pelo SUS. O benefício, porém, é restrito a três síndromes raras, Dravet, Lennox-Gastaut e Complexo da Esclerose Tuberosa, e atende atualmente pouco mais de 450 pacientes.
Uma nota técnica da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), publicada em agosto, autorizou a prescrição de produtos à base de cannabis para mais de 30 patologias, incluindo autismo, fibromialgia, epilepsia refratária, ansiedade e esclerose múltipla.
Municípios do interior também avançam. Ribeirão Pires, por exemplo, inaugurou neste ano a primeira clínica pública de cannabis medicinal do país, com 499 atendimentos e 368 frascos distribuídos gratuitamente em seis meses.
Custos e impacto econômico
O anúncio estadual ocorre em meio a críticas sobre os altos preços pagos pela Prefeitura de São Paulo em uma licitação de R$ 521 milhões anuais para aquisição de canabidiol. Segundo levantamento da Agência Pública, um dos produtos contratados chegou a custar oito vezes mais que o valor oferecido por concorrentes. O caso está sob análise do Tribunal de Contas do Município (TCM).
Com a produção local, o governo espera diminuir custos ao Sistema Único de Saúde e aumentar a autonomia farmacêutica do estado. A modernização das plantas da Furp pode elevar a capacidade produtiva de 400 mil para até 3 bilhões de medicamentos por ano, com economia estimada em R$ 270 milhões.
Apesar do entusiasmo, o governo ainda não detalhou o modelo de obtenção da matéria-prima – se haverá cultivo próprio, importação ou parcerias com instituições de pesquisa –, sequer divulgou um cronograma para o início da fabricação.