Patente do Vonau Flash expõe gargalo da inovação no Brasil
Demora do Inpi para analisar pedidos ameaça investimentos científicos e reacende debate sobre segurança jurídica no setor farmacêutico
por Ana Claudia Nagao em
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O antiemético Vonau Flash, desenvolvido em 2004 por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a farmacêutica Biolab, tornou-se rapidamente um sucesso de vendas. Sua fórmula de dissolução rápida para tratar náuseas e vômitos consolidou o medicamento no mercado. Mas fora dos laboratórios, a trajetória foi bem menos acelerada e escancara um gargalo na inovação. As informações são do Metrópoles e do artigo de Humberto Ferraz, publicado no JOTA.
Ferraz é professor associado da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, coordenador do Laboratório de Desenvolvimento e Inovação em Farmacotécnica e diretor-presidente da Fundação Instituto de Pesquisas Farmacêuticas. Segundo ele, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) levou 13 anos para analisar a patente do medicamento. Quando ela foi finalmente concedida, em 2018, mais da metade dos 20 anos de proteção previstos em lei já havia expirado.
Patente do Vonau Flash durou apenas sete anos
Na prática, o Vonau Flash teve apenas sete anos de exclusividade comercial antes de cair em domínio público, permitindo que outros laboratórios replicassem a fórmula. O impacto estendeu-se ao caixa da USP. O medicamento chegou a representar cerca de 90% dos royalties recebidos pela universidade, que arrecadava aproximadamente R$ 4 milhões anuais, valores usados no desenvolvimento de novos remédios. A perda antecipada da proteção reduziu a receita e minou a continuidade de pesquisas.
Para Ferraz, o episódio é um retrato preciso da crise de inovação no país. “A morosidade destrói o incentivo à pesquisa. É um desestímulo para quem quer inovar dentro de universidades e laboratórios brasileiros”, resume.
A lentidão na análise de patentes no setor farmacêutico, que em média ultrapassa dez anos, preocupa não apenas instituições nacionais. [grifarEmpresas estrangeiras também relutam em investir no Brasil diante da insegurança jurídica, levando em conta que o custo médio para desenvolver um medicamento gira em torno de US$ 2,6 bilhões (R$ 13,9 bi) e apenas uma em cada 5 mil moléculas chega ao mercado[/grifar].
Para Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindusfarma, a experiência do Vonau Flash evidencia dois aspectos fundamentais para o avanço da inovação no país, a começar pela urgência de maior agilidade no INPI. “O deferimento célere de pedidos de patente é o que garante segurança jurídica e previsibilidade para que as empresas possam seguir investindo em pesquisa e desenvolvimento, investimentos que, ao final, se traduzem em benefícios concretos para a população”, afirma.
Mussolini também ressalta que o caso rompeu um antigo preconceito ideológico ao mostrar que a indústria farmacêutica e a academia podem trabalhar de forma colaborativa, produzindo ciência de ponta e gerando receita direta para as universidades por meio de royalties. “Essa parceria prova que inovação conjunta não apenas acelera o desenvolvimento tecnológico, mas também fortalece financeiramente o sistema universitário, criando um ciclo virtuoso de pesquisa, formação e novos investimentos”, acrescenta.
Discussão avança lentamente no Congresso
O tema passou para a instância do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021. A Corte reafirmou o limite máximo de 20 anos de patente e manteve o entendimento de que o prazo começa a contar no momento do depósito, mesmo que o Inpi demore mais de uma década para analisar o pedido. No caso específico do Vonau Flash, a decisão alterou novamente o cenário. Uma patente que antes teria validade até 2028 foi substituída por outra que expirou em 2024, encerrando de vez os royalties da universidade.
No Congresso, a discussão avança lentamente. A Emenda 4 do Projeto de Lei 2.210/2022 propõe criar um mecanismo administrativo para ajustar prazos de patentes prejudicadas por atrasos não atribuídos às empresas, com extensão máxima de cinco anos. A proposta, vista por pesquisadores como uma tentativa de reequilibrar o sistema, segue em análise.
“Essa aprovação é fundamental para evitar litígios prolongados, garantir previsibilidade e impedir que esforços de cientistas brasileiros se percam em meio à burocracia”, entende Ferraz. Ele sustenta que a segurança jurídica é indispensável para manter investimentos, atrair tecnologias de ponta e assegurar que casos como o do Vonau Flash não se repitam.
O futuro da inovação nacional, aponta o pesquisador, dependerá da capacidade do país de criar regras claras e estáveis. “Sem isso, corremos o risco de ver nossos professores e alunos inovadores tomados pelo desânimo e nossos esforços se dissiparem em benefício de outros mercados e nações”, finaliza.