Do total de 5,130 milhões doses de vacinas contra a Covid-19 que Minas Gerais recebeu do Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI), até o momento, 5.148 foram enviadas por municípios mineiros de volta para o governo federal e estão em análise por terem sofrido algum tipo de ameaça de inutilização em função de variações de temperatura no armazenamento. Deste total, 391 já foram analisadas e realmente não poderão mais ser utilizadas. As demais 4.757 aguardam a classificação.
De acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, do Ministério da Saúde, são estimadas perdas operacionais de doses em até 5%. Mas, diante do contexto em que menos de 5% da população brasileira foi imunizada com as duas doses e o País bate recordes diários de mortes pela doença, que já chega a 375 mil vítimas em todo o Brasil, qualquer gota perdida do imunizante pode resultar em mais vidas perdidas.
Os números da vacinação em Minas são da Secretaria de Estado de Saúde, que atribui a conferência sobre a validade das vacinas ao Ministério da Saúde e aguarda retorno do sobre as doses em análise.
Uma rápida busca pelos noticiários e é possível identificar números alarmantes: em Divinópolis, no Centro-Oeste mineiro, por exemplo, 1.600 doses foram perdidas; em Presidente Olegário, no Alto Paranaíba, os números chegam a mil; em Igarapé, na RMBH, foram mais de 200 doses perdidas e, em Betim, também na RMBH, 120.
E a solução para amenizar as perdas pode estar mais próxima do que se imagina, mais precisamente no Vale da Eletrônica, em Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas. É que a Fractum, empresa especializada em soluções de comunicações sem fio, desenvolveu uma rede de sensores que emite alerta quando ocorre alguma modificação nas câmaras frias ou na temperatura de resfriadores ou quaisquer equipamentos do tipo. Com isso, é possível ganhar tempo para fazer a correção do problema e evitar perdas de doses de vacinas ou medicamentos que necessitem de refrigeração.
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais explica que as vacinas autorizadas para uso emergencial no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e disponibilizadas para a Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19 devem ser acondicionadas na temperatura de +2ºC a +8ºC.
‘Para garantir a potência das vacinas Covid-19 é necessário mantê-las em condições adequadas de conservação, com temperatura controlada, e em conformidade com as orientações do fabricante e aprovação pela Anvisa. A exposição acumulada da vacina a temperaturas fora das preconizadas, ou diretamente à luz, em qualquer etapa da cadeia, gera uma perda de potência que não pode ser restaurada’, disse por nota.
Ainda conforme a Pasta, as vacinas devem ser acondicionadas em temperatura de +2ºC a +8ºC nas câmaras refrigeradas e em caso de caixa térmica, deve-se obedecer às recomendações já definidas no Manual de Normas e Procedimentos para vacinação. Especificamente a vacina Sinovac/Butantan contém adjuvante de alumínio e quando exposta à temperatura inferior à 0°C pode ter perda de potência em caráter permanente.
‘No Estado, as doses são armazenadas na Central Estadual da Rede de Frio, onde há o monitoramento contínuo da temperatura para a garantia da conservação e eficácia da vacina. Em seguida são separados os quantitativos para cada Unidade Regional de Saúde (URS), conforme a estimativa populacional dos municípios’.
Tecnologia para preservar vacinas
De acordo com o diretor da da Fractum, André Rasminio Vasconcelos Leite, a solução desenvolvida pela empresa muito antes da chegada da pandemia ao País, se trata de uma rede de sensores sem fio que permite monitorar a temperatura de medicamentos ou vacinas desde a saída do laboratório até o paciente.
Para isso é colocado um sensor dentro da caixa, freezer ou geladeira, que envia a temperatura para o servidor na nuvem e cria um relatório de acompanhamento, inclusive em casos de deslocamentos. ‘Caso no trajeto ou armazenamento a temperatura saia fora do que é especificado, o responsável recebe um alerta visual e sonoro sobre os riscos para qualidade e segurança para que tome alguma providência’, explicou.
A empresa comercializa os sensores desde 2015 e atende clientes públicos e privados para o acompanhamento de diversos medicamentos, vacinas e bancos de sangue. Leite ressalta que o equipamento pode ser muito útil para a rede pública que ainda é deficitária em equipamentos modernos e onde, normalmente, há o maior volume de perdas por variação de temperaturas.
Já no caso da vacina contra a Covid-19, segundo ele, já há parcerias com algumas empresas de logística que estão fazendo o transporte dos imunizantes.
Saindo dos grandes centros, há um relaxamento quanto ao controle de temperatura de medicamentos e vacinas | Crédito: Marcelo Camargo Agência Brasil
Transporte de medicamentos em xeque no País
Especialista em fiscalização e inspeção de medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Felipe Augusto Gomes Sales disse, ontem, que farmacêuticas e transportadoras precisam investir mais recursos em tecnologia para garantir que os remédios cheguem a todo o território brasileiro sem perder a eficácia.
‘Hoje, isto não ocorre em todas as partes do País’, afirmou Sales durante um webinário sobre boas práticas de distribuição e armazenamento de medicamentos. Realizado pela Anvisa, o evento foi aberto à participação de representantes dos órgãos de vigilância sanitária estaduais e municipais, bem como de funcionários de produtores de remédios.
Para o inspetor sanitário, a Resolução de Diretoria Colegiada nº 430 (RDC 430), em vigor desde o mês passado, veio ‘preencher um vazio no marco regulatório’ do setor, estabelecendo requisitos de boas práticas de transporte, distribuição e armazenagem de remédios, de maneira que estas etapas sejam tratadas com o mesmo rigor usado para fiscalizar a produção de medicamentos. O que, segundo Sales, não acontecia.
‘Trabalhei na área farmacêutica e inspecionei distribuidoras Brasil afora. A gente observa que, saindo dos grandes centros, há um relaxamento [quanto ao] controle de temperatura, das especificações de produtos’, acrescentou Sales ao garantir já ter se deparado com produtos prontos para o consumo armazenados de forma inadequada.
‘Já vi a armazenagem feita a 42°C, em condições inadequadas. Inclusive em grandes distribuidoras’, comentou o inspetor sanitário ao elencar três desafios para toda a cadeia logística.
‘É preciso qualificar o transporte de medicamentos. Mapear as rotas de transporte e controlar e monitorar a temperatura e a umidade durante todo o trajeto a fim de evitar que estes produtos sejam entregues ao consumidor fora de suas especificações’, disse Sales, destacando a questão do transporte aéreo.
‘Temos um problema sério com a questão do avião, que é muito usado, mas sobre o qual não há uma regulamentação específica. Há um altíssimo risco de perda da qualidade do produto quando ele é colocado em uma condição aberta, por muito tempo’, comentou Sales, admitindo a necessidade de uma regulamentação específica para o transporte de cargas de medicamentos.
‘Sabemos das dimensões do nosso País, da complexidade de se distribuir medicamentos ou qualquer produto, e cada elo [da cadeia logística] tem sua responsabilidade’, acrescentou o inspetor, assinalando que a observância das boas práticas é fundamental para a indústria farmacêutica.
‘Não adianta fabricar algo com alto padrão de qualidade, garantir que o insumo [matéria-prima] utilizado venha de fornecedores qualificados e, após esta etapa, perder o controle’, concluiu Sales.
A Agência Brasil tentou ouvir a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), entidade que representa o setor produtivo no Brasil, mas ainda não obteve resposta. Consultada sobre as declarações do inspetor sanitário, a Anvisa também ainda não se pronunciou. (ABr)
Fonte: Diário do Comércio MG