Pressionado pela escassez de doses de vacina da covid-19, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, repetiu ontem que toda a população será imunizada em 2021. Mas apresentou aos governadores cronograma que prevê a entrega até de vacinas que ainda não foram contratadas ou aprovadas para uso no Brasil, como Sputnik e Covaxin. O calendário federal também ignora atrasos, como a demora na chegada dos insumos para a produzir a Coronavac.
“Temos uma previsão fantástica de recebimento de vacinas”, afirmou Pazuello aos governadores, segundo uma autoridade que acompanhou a reunião. A cobrança sobre o ministro tem aumentado, ao mesmo tempo em que cidades como o Rio começam a interromper suas campanhas de vacinação diante do fim dos estoques. “Não basta calendário. É preciso, urgente, ampliar a quantidade de doses de vacina”, disse a governadora do RN, Fátima Bezerra (PT).
O cronograma de Pazuello apontava que o Brasil receberia cerca de 454,9 milhões de doses de vacinas em 2021 e traz detalhamento mês a mês. Para março, o governo federal prevê 400 mil doses da russa Sputnik. O pedido de aplicação emergencial ainda está sob análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que já facilitou as regras para liberar esse tipo de uso no Brasil. A pressão para descomplicar o caminho da Sputnik vem de parlamentares, que tentam mudar regras por meio de medida provisória. No plano de Pazuello, a ideia é usar 10 milhões de doses do imunizante, importadas da Rússia. A Covaxin já teve a aprovação para uso emergencial na Índia, mas os dados da fase 3 dos ensaios clínicos do imunizante, que mostram a taxa de eficácia, ainda não foram divulgados. A apresentação desses resultados é essencial para a aprovação do produto pela Anvisa.
No caso da Coronavac, a programação federal desconsidera problemas na entrega de insumos e doses do imunizante, que prejudicaram a fabricação local da Coronavac. Em janeiro, a China atrasou a liberação da matéria-prima da Coronavac no Brasil, o que fez autoridades paulistas reivindicarem ação diplomática federal para destravar a remessa e falarem em interrupção da produção. Os insumos só chegaram no Brasil no dia 3. Segundo já previa a direção do Instituto Butantan na época, as doses prontas só poderiam ser distribuídas para o SUS 20 dias depois.
Pelo contrato original, era prevista a entrega de 9,3 milhões de doses até 28 de fevereiro. Neste mês, porém, o Butantan entregou 1,1 milhão no dia 5 e, a partir do dia 23, prevê a entrega de mais 3,4 milhões de doses, durante oito dias. O ministério, porém, ainda contabiliza as 9,3 milhões de doses em fevereiro. Em nota, o Butantan culpou o governo federal pelo atraso.
De julho a dezembro, a previsão é de que a Fiocruz fabrique de ponta a ponta 110 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca, mas não há quantidade exata para cada mês. A Saúde prevê também ter 30 milhões de doses da vacina da Moderna em outubro.
Relator defende compra de vacinas pelo setor privado
Relator na Câmara da medida provisória (MP) 1026/2021, que facilita compras pelo governo de vacinas para covid-19, o deputado Pedro Westphalen (PP-RS) propôs que o setor privado também possa adquirir estes imunizantes. Como contrapartida, ele sugere que metade das doses sejam doadas ao SUS.
O texto original trata da permissão ao governo para comprar imunizantes mesmo antes do registro do produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Westphalen propõe que o setor privado deve cumprir as diretrizes estabelecidas pelo plano nacional de imunização, como a ordem de grupos prioritários, além de informar ao governo sobre as doses administradas. A exigência de doar metade da compra ao SUS é dispensada, caso os grupos prioritários já tenham sido vacinados pela rede pública, recomenda o deputado.
Um grupo de empresários iniciou negociação, em janeiro, da compra de 33 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca. A farmacêutica negou que tivesse as doses disponíveis, mas o Ministério da Saúde chegou a dar aval à compra. Uma condição era justamente que metade das doses fossem entregues ao SUS.
O presidente Jair Bolsonaro já disse ser favorável à compra de doses pela iniciativa privada, desde uma que parte seja repassada ao SUS. O Ministério da Saúde afirma que mesmo no setor privado é preciso seguir orientações do plano nacional de imunizações. De forma geral, as grandes farmacêuticas têm priorizado as negociações com os governos dos países, e não compras por grupos específicos.
O parecer de Westphalen pode ser votado hoje, 18, pela Câmara dos Deputados. Se aprovado, passa ainda pelo Senado. Por último, é sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro.
O relator ainda propõe ampliar a regra que determina a análise sobre importação e uso emergencial de vacinas ou medicamentos já autorizados por outras autoridades sanitárias. Trata-se de tema sensível para a Anvisa. Em outra MP (a 1003/2020), que aguarda sanção presidencial, o Congresso aprovou mudança similar, mas que força a aprovação automática em 5 dias, na leitura da Anvisa, sem margem para análise adequada dos pedidos. Durante a discussão sobre o texto, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse que iria “enquadrar” a agência.
O deputado Westphalen diz que a ideia de seu parecer é facilitar a entrada de novas vacinas no País, sem dispensar a análise técnica sobre os produtos. Ele afirma que não foi procurado por empresas para tratar sobre o texto. Declara ainda que não deseja “enquadrar” a Anvisa com a mudança nas regras, como já sugeriu o líder do governo na Câmara. “Temos pressa, mas temos de ter segurança”, disse ele.
Segundo o Portal do Estadão, o governo avalia vetar trecho da MP 1003 que a Anvisa considera um “atropelo” em suas regras, pois o relatório de Westphalen daria uma solução mais ponderada a este tema.
O parecer de Westphalen permite que a Anvisa estabeleça regulamentos próprios para essa análise. Diz ainda que a agência pode realizar diligências para “complementação e esclarecimentos” sobre os dados. O prazo de resposta da agência também é ampliado para 7 dias. Segundo apurou o Estadão, diretores fizeram recomendações ao relatório. Procurada, a Anvisa não quis se manifestar. A MP afirmava que a Anvisa poderia conceder autorização excepcional para importação e distribuição de vacinas já autorizadas nas agências dos EUA, União Europeia, Japão, China e Reino Unido para acelerar a análise da Anvisa.
Cronograma apresentado pelo ministro da Saúde até julho
Janeiro: 10.700.00 doses
– 2 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca fabricada na Índia
– 8,7 milhões da Coronavac
Fevereiro: 11.305.000 doses
– 2 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca fabricada na Índia
– 9,305 milhões da Sinovac
Março: 46.033.200 doses
– 4 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca fabricada na Índia
– 12,9 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca envasada na Fiocruz
– 2,66 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca comprada via Covax Facility
– 18,06 milhões da Sinovac
– 400 mil doses da Sputnik V
– 8 milhões de doses da Covaxin
Abril: 57.262.258
– 4 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca fabricada na Índia
– 27,3 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca envasada na Fiocruz
– 15,96 milhões da Sinovac
– 2 milhões da Sputnik V
– 8 milhões da Covaxin
Maio: 46.232.258
– 28,6 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca envasada na Fiocruz
– 6,03 milhões da Sinovac
– 7,6 milhões da Sputnik V
– 4 milhões da Covaxin
Junho: 42.636.858
– 28,6 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca envasada na Fiocruz
– 8,04 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca comprada via Covax Facility
– 6,03 milhões da Sinovac
Julho: 16.548.387
– 3 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca envasada na Fiocruz
– 13,54 milhões da Sinovac
Mais acordos
1.O Brasil possui neste momento vacina para aplicar em toda a população?
Não, A previsão do ministério é de que a metade da população seja vacinada até junho e a totalidade da população seja imunizada até o fim do ano, o que implicaria em novos acordos para aquisição de mais vacinas.
2.A vacinação está lenta?
Especialistas têm apontado que o ritmo atual não supre a necessidade de imunização para deter a pandemia, já que com uma média de 200 mil doses aplicadas por dia (dado do início de fevereiro) seriam necessários quatro anos para vacinar toda a população. Campanhas anteriores, como a da gripe, já mostraram que a capacidade de vacinação simultânea do País é maior que a atual. Um fator a ser levado em consideração é a escassez no fornecimento das vacinas, o que pode obrigar cidades a interromper a aplicação das doses.
3.Com a chegada de mais vacinas, uma pessoa poderá receber doses de fabricantes diferentes?
Não. O recomendado é que as duas doses sejam do mesmo tipo de vacina, o que garante segurança e eficácia da imunização.
4. Quando o cronograma será ampliado?
Ainda é incerto. Em São Paulo, o cronograma atual prevê início da aplicação para idosos acima de 80 anos, o que ocorrerá em 1.º de março. A data pode variar conforme o planejamento de cada Estado e cidade.
Fonte: Tribuna do Norte