Receitas digitais de cannabis estão no alvo da Justiça
Parecer abre caminho para responsabilização
criminal de farmacêuticos na Europa
por Ana Claudia Nagao em


O retrocesso pode rondar a emissão de receitas digitais em um dos mercados mais evoluídos no acesso à cannabis medicinal. Mesmo com a popularização dos atendimentos em canais online e a crescente busca por tratamentos do gênero na Alemanha, um parecer jurídico encomendado pela Associação de Farmácias Fornecedoras de Cannabis (VCA) alimenta discussões no país. As informações são do portal Sechat.
Segundo a entidade, farmácias que aceitarem receitas de cannabis emitidas por plataformas com base apenas em questionários virtuais, sem qualquer contato real entre prescritor e paciente, estarão sujeitas a sanções criminais. E os farmacêuticos poderão ser responsabilizados por essas práticas.
Para a ministra federal da Saúde da Alemanha, Nina Warken, o atual cenário é preocupante. Em entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, em maio deste ano, ela ressaltou as atuais facilidades para se obter uma prescrição online. “Basta marcar os sintomas em um check-list e a receita chega em minutos”, acrescenta.
Receitas digitais de cannabis via formulário automatizado
O uso da telemedicina, por si só, não é ilegal, desde que respeite os padrões médicos reconhecidos. O problema, segundo o parecer da VCA, é quando plataformas eliminam o fator humano e reduzem a prescrição a um formulário automatizado. Nesses casos, o médico não realiza um diagnóstico real e o farmacêutico acaba, sem saber ou por conveniência, assumindo riscos legais graves.
Um dos pontos mais críticos apontados no parecer está no recente posicionamento do Tribunal Regional de Munique I. O órgão avalia que a prescrição de cannabis via telemedicina, da forma como vem sendo praticada em algumas plataformas, viola os padrões profissionais reconhecidos na área da saúde.
Acesso e responsabilidade
Embora a cannabis medicinal tenha deixado de ser classificada como substância entorpecente em muitos países, seu uso ainda exige rigor. O Tribunal Regional de Hamburgo já havia alertado, em março de 2025, que é necessário contato pessoal para prescrição.
Para o advogado criminalista Matthias Brockhaus,que assina o parecer, as receitas baseadas apenas em dados autodeclarados não se sustentam legalmente nem eticamente. “Isso compromete tanto o médico como o farmacêutico, que passa a entregar um medicamento de uso controlado sem prescrição válida”, alerta.
O cenário piora quando a farmácia está diretamente associada à plataforma que emite a receita. Isso pode ser interpretado como conivência ou até cumplicidade, o que o especialista chama de “tráfico ilícito encoberto por tecnologia”.
Farmacêutico tem obrigações claras de diligência
O parecer também lembra que o farmacêutico tem obrigações claras de diligência, especialmente quando se trata de substâncias com potencial de abuso. Se uma plataforma já é conhecida por emitir receitas com base em questionários automatizados, cabe à farmácia desconfiar da origem daquela prescrição e agir com responsabilidade.
Além disso, a Lei de Farmácias da Alemanha proíbe que plataformas encaminhem pacientes diretamente para estabelecimentos parceiros, o que comprometeria a livre escolha do paciente e reforçaria a suspeita de práticas comerciais abusivas.