Rotatividade desafia o marketing na indústria farmacêutica


A alta rotatividade de profissionais de marketing vem se tornando um desafio recorrente para a indústria farmacêutica. Para entender os fatores que contribuem para esse cenário, o Panorama Farmacêutico ouviu especialistas e consultores que atuam diretamente na formação e no desenvolvimento desses profissionais.
Luís Chinatto, especialista com mais de 20 anos de experiência em planejamento estratégico e marketing farmacêutico, acompanha de perto a questão. Nos últimos dez anos ele vem treinando profissionais com diversas formações – inclusive farmacêuticos – para cargos de gerência de produto em indústrias do setor.
A partir de entrevistas e dinâmicas realizadas com 300 executivos participantes de cursos ministrados em empresas como LC Neo Academy, IQVIA Solutions e Instituto Racine de Educação Superior, Chinatto elaborou o estudo inédito Habilidades Sociocomportamentais – Profissionais de Marketing da Farma. Com a colaboração de pesquisadores, foram mapeadas as competências mais observadas em gestores bem-sucedidos da área.
Marketing na indústria farmacêutica tem influência indireta como atributo
Entre os atributos identificados nos profissionais de marketing na indústria farmacêutica, destaca-se a capacidade de influência indireta. “Essa característica consiste na habilidade de transitar entre diferentes departamentos da empresa, inclusive o comercial, para atender às necessidades da área de marketing, mesmo sem exercer autoridade direta sobre outras equipes”, explica Chinatto.
Outro aspecto valorizado é a curiosidade intelectual, que permite ao profissional captar padrões e tendências, transformando-os em insights estratégicos. “Com um radar apurado e sendo extremamente observador, o gerente de produto consegue definir premissas ou estabelecer projeções com base em dados. Ele olha pela janela e enxerga oportunidades”, acrescenta.
Chinatto cita o exemplo de um gerente que não se limita ao escritório e vai a campo, circulando por farmácias para observar o comportamento dos consumidores e dos stakeholders que interagem no ambiente. “Existe a falsa ideia de que o cliente necessariamente entra no PDV e se torna shopper. Mas ele pode sair da loja sem encontrar o que precisa. Entender essas variáveis pode fazer a diferença para esse profissional da indústria”, comenta.
Falta de entendimento sobre o papel do gerente de marketing
Segundo o especialista, esses profissionais precisam de tempo para desenvolver estratégias de médio e longo prazo, baseadas em investigação e aprendizado por tentativa e erro. Contudo, muitas empresas esperam resultados imediatos, o que gera conflitos com a alta gestão. “É comum que a diretoria não compreenda o perfil adequado ao seu modelo de negócio, o que resulta em demissões prematuras”, observa Chinatto.
Essa falta de alinhamento é um dos principais motivos para a alta rotatividade. “Muitas vezes, a indústria contrata um gerente de produto sem avaliar as competências comportamentais (soft skills) necessárias para o sucesso, como escuta ativa, visão analítica, proatividade e comunicação clara. Os recrutadores costumam focar apenas nas habilidades técnicas e na experiência prévia, sem entender, de fato, o papel estratégico desse profissional”, ressalta.
Profissionais altamente disputados
André Reis, consultor e CEO da Repfarma, empresa especializada em capacitação para a área comercial da indústria farmacêutica, reforça a preocupação com a rotatividade. Segundo ele, trata-se de um perfil altamente demandado no mercado.
Ao mesmo tempo, esses profissionais acabam responsabilizados quando uma campanha não alcança os resultados esperados. “Se a ação der certo, o mérito é da equipe de campo. Se fracassar, a culpa recai sobre o marketing. Ele carrega uma cruz pesada e está sempre sob julgamento”, comenta.
Reis também chama atenção para o comportamento desses executivos, geralmente marcados por forte autoconfiança. “São movidos a desafios, não se prendem a salários e valorizam a autonomia. Quando se sentem limitados, a frustração aparece rapidamente”, analisa.
Migração do varejo para a indústria
No varejo farmacêutico, observa-se uma migração crescente de farmacêuticos para a indústria, em busca de salários mais atrativos e melhores perspectivas de carreira.
Veronica Soares, doutora em Bioquímica e coordenadora do curso de farmácia da Unip, em Jundiaí, explica que os cargos na indústria oferecem maior potencial de ascensão, inclusive até posições gerenciais. “No entanto, ainda são poucos os farmacêuticos atuando no marketing, o que teoricamente poderia ajudar a suprir a escassez desses profissionais no setor”, conclui.