Vereadores protocolam denúncia contra prefeitura após divulgação de ‘estudo’ que apontou ‘99% de eficácia’ do kit Covid

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Um grupo de vereadores de Sorocaba (SP) protocolou uma representação no Ministério Público (MP) nesta quarta-feira (14) após a prefeitura ter divulgado um “estudo preliminar” que teria apontado eficácia no tratamento precoce contra a Covid-19 no município.

No documento, os parlamentares denunciam a prefeitura por divulgação de notícias falsas, fazendo referência ao “estudo” que aponta 99% de eficácia do tratamento precoce contra a Covid-19 – que não tem comprovação científica e que a Associação Médica Brasileira disse que deve ser banido.

Após uma enxurrada de críticas, no entanto, a prefeitura apagou a postagem nas redes sociais e alterou o texto.

A representação também aciona a prefeitura com base no artigo nº 132 do Código Penal, que determina detenção de três meses a um ano por “expor a vida ou a saúde das pessoas a perigo direto e eminente”.

Segundo os vereadores, o texto publicado pelo poder público não trouxe informações sobre o modo como o estudo foi realizado e, por isso, “induz a população a acreditar que os medicamentos do tratamento precoce são responsáveis por impedir a morte de pessoas por Covid-19″.

Entenda

De acordo com o texto original publicado pela prefeitura, o “estudo” foi feito pela Secretaria de Saúde do município e monitorou 123 pacientes com sintomas da doença após 10 dias do início do tratamento com os medicamentos azitromicina e/ou ivermectina.

O órgão afirmou que, desse total, 122 pessoas foram curadas em casa e uma morreu porque procurou a unidade de saúde quando “já estava com um quadro de saúde moderado”.

A informação foi divulgada em nota à imprensa e também publicada no site oficial da prefeitura. A postagem com o mesmo texto foi feita no Instagram, mas recebeu dezenas de críticas. A publicação viralizou e foi um dos assuntos mais comentados no Twitter, saindo do ar horas depois.

No site da prefeitura, o texto original, com o título “Estudo preliminar aponta 99% de eficácia do tratamento precoce”, publicado às 9h04, foi modificado. Em seu lugar entrou um outro, no qual os termos “estudo” e “eficácia” foram substituídos por “levantamento” e “excelentes resultados”.

Depois de alterado, o texto foi postado novamente nas redes sociais da prefeitura.

Repercussão

Em entrevista ao G1, o diretor da Fiocruz de São Paulo, Rodrigo Stabeli, afirmou que não há qualquer comprovação científica da eficácia do tratamento em 193 países que estão vacinando contra a doença.

“Quando a prefeitura adota as medidas restritivas, vem imediatamente a queda da doença. Muitas vezes, eles acabam confundindo com o tratamento precoce. Anunciaram tratamento precoce sem ter sido avaliado através de um trabalho com método científico. E, pelo jeito, é um trabalho observacional, não é um trabalho que foi publicado, que passou por análise dos pares”, afirma o diretor.

A Prefeitura de Sorocaba adotou oficialmente o tratamento precoce em 19 de março deste ano. Foram gastos quase R$ 60 mil na compra dos medicamentos ivermectina e azitromicina.

Após a divulgação da compra dos remédios, o secretário de Saúde, Vinícius Rodrigues, chegou a afirmar, em entrevista à TV TEM, que não havia certeza sobre a eficácia do kit Covid.

De acordo com o diretor da Fiocruz, não há tratamento contra a doença, e apenas a vacina e as medidas restritivas têm apresentado eficácia.

“O que mais me parece é um efeito importante das medidas restritivas que foram decretadas pelo prefeito e, não, o tratamento precoce. Não existe bala mágica para a Covid-19. O que precisa ser feito é, justamente, essas ações preventivas da saúde, como medidas restritivas, medidas severas e restritivas por mais tempo, combinadas com um plano de recuperação econômica”, explica.

O Sindicato dos Médicos de Sorocaba também se manifestou, em nota, sobre o “estudo” divulgado pela prefeitura.

“O Sindicato dos Médicos questiona a eficácia do tratamento precoce e considera que não se pode basear em um estudo, que é preliminar e com uma amostragem tão baixa. Estudos com maior evidência, principalmente os ensaios randomizados, têm evidenciado o contrário, que não são eficazes para a Covid-19. Tanto isso é verdade que as sociedades médicas de infectologia e terapia intensiva não preconizam esse tipo de tratamento”, informou o sindicato.

‘Enganoso’

A infectologista Naihma Salum Fontana também criticou o “estudo”, que ela classificou como “enganoso”, e disse que é necessário um “grupo controle” durante a análise de dados como estes para comprovar a eficácia do tratamento.

“Como são esses pacientes? São pacientes leves? São moderados? Graves? Precisaram de oxigênio ou de internação? Isso é um estudo observacional. Ele observou 123 pacientes. Na verdade, isso nem é observacional, é um relato de caso. Então, agora, tem que fazer um estudo duplo cego randomizado, prospectivo, ou seja, daqui para a frente para poder provar”, afirma a infectologista.

Sem comprovação científica

A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou um informativo em 19 de janeiro deste ano detalhando que nenhuma medicação tem eficácia na prevenção da doença até o momento.

“As principais sociedades médicas e organismos internacionais de saúde pública não recomendam o tratamento preventivo ou precoce com medicamentos, incluindo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entidade reguladora vinculada ao Ministério da Saúde do Brasil”, informou a SBI.

A farmacêutica Merck, responsável pela fabricação da ivermectina, esclareceu, em fevereiro deste ano, que não há dados disponíveis que sustentem a eficácia do medicamento contra a Covid-19. A ivermectina é um vermífugo usado para promover a eliminação de vários parasitas do corpo.

O medicamento faz parte do chamado “Kit Covid”, voltado ao suposto “tratamento precoce” da doença. O presidente Jair Bolsonaro costuma defender o uso desses remédios, mesmo sem comprovação de eficácia por estudos científicos.

Em setembro de 2020, um estudo de pesquisadores brasileiros publicado na Lancet, a segunda revista médica mais influente do mundo, afirmou que a azitromicina não leva a melhoras em pacientes hospitalizados e, portanto, não tem indicação de uso para casos graves.

Fonte: G1

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2021/04/15/metade-dos-farmaceuticos-do-parana-aguarda-vacina-contra-covid-19/

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