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As armadilhas dos testes

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Testar, testar, testar. O mantra, propagado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), fez dos testes uma espécie de fetiche no combate à Covid-19. Mas há uma confusão disseminada sobre os diferentes tipos de teste e seus objetivos. Não há nem mesmo conhecimento preciso a respeito do que significa um resultado positivo ou negativo. Sem entender tais detalhes, o mantra da OMS não passa de um bordão inócuo.

É verdade que os países onde houve testagem em massa e rastreamento de contatos, como Alemanha ou Coreia do Sul, obtiveram mais sucesso ao deter a disseminação do novo coronavírus Sars-CoV2. Também é verdade que o Brasil está muito aquém da capacidade de testes necessária para enfrentar a pandemia (leia mais aqui).

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Pelos últimos dados do site Our World in Data, somos o país do mundo com maior proporção de testes positivos no planeta, dois em cada três. É uma prova da enorme deficiência de diaagnósticos no Brasil – já que testes em massa detectam bem mais gente saudável que doente.

Mas que isso tem a dizer para quem tem sintomas de Covid-19 e quer apenas saber se está com a doença? Ou para quem precisa saber se já teve e pode estar imune? Muito pouco. Em dois posts, hoje e amanhã, procuro analisar as principais dificuldades na interpretação dos resultados de exames.

Uma primeira é entender os tipos distintos de testes. Detectamos a presença do vírus basicamente de duas formas. A primeira é extrair amostras do nariz ou da garganta por esfregaço. Multiplicando o material genético dessas amostras por intermédio de um método chamado “reação em cadeia pelas enzimas polimerase e transcriptase reversa” (ou RT-PCR), é possível verificar se contêm o DNA do Sars-CoV2. A segunda forma é verificar se há no sangue do paciente proteínas que identificam a passagem do vírus, conhecidas como “anticorpos”.

Testes de PCR procuram detectar a presença do próprio vírus. São, portanto, recomendados para diagnosticar a doença quando ainda ativa. Mas nem sempre o resultado é confiável. Um primeiro senão aos testes de PCR é que não costumam dar muito certo quando o paciente ainda não apresenta sintomas. De acordo com um estudo publicado na Annals of Internal Medicine, até o quarto dia depois da infecção, quase no auge da fase contagiosa, a probabilidade de um diagnóstico errado quando o paciente tem o vírus ainda é próxima de 70%. O segundo senão é que o teste de PCR não permite saber se alguém já teve a doença, pois quem está curado deixa de produzir o vírus.

Para identificar tais casos, é preciso lançar mão do segundo tipo de teste, os de anticorpos. Eles impõem, contudo, desafios de outra ordem. Primeiro, jamais podem ser usados para diagnóstico, pois ter anticorpos para um vírus não significa ter o vírus. Em geral, significa o contrário: ter tido o vírus e sarado. Os dois tipos de anticorpo detectados – chamados “imunoglobulina G” (IgG) e “imunoglobulina M” (IgM) – começam a ser produzidos mais de uma semana depois dos sintomas e são detectados com probabilidade maior depois de duas, como mostra o quadro da revista da Associação Médica Americana (Jama) resumido abaixo:

Anticorpos marcam o sucesso na luta do organismo contra o vírus. Mas são uma marca provisória, pois com o tempo também diminuem (a IgM mais rápido que a IgG). Embora a presença da IgG sugira aquisição de imunidade mais duradoura, essa ainda é uma questão em aberto para o novo coronavírus. Há relatos de pacientes que voltam a ser infectados e de outros que levam meses para se livrar da infecção.

A presença de anticorpos não é, portanto, prova de imunidade (embora aumente a probabilidade dela). Assim como a ausência de anticorpos não é prova de falta de imunidade, já que o organismo dispõe de outras linhas de defesa contra invasores (em especial, células conhecidas como “linfócitos T”, cuja ação é importante no combate ao Sars-CoV2). A imunidade é um tema cuja complexidade ainda desafia os cientistas.

Um dos maiores problemas dos testes de anticorpos é a variedade de tipos, fabricantes e, naturalmente, qualidade. Em geral, testes rápidos usados nas pesquisas populacionais que testam a presença do vírus são pouco sensíveis. Tecnicamente, isso quer dizer que eles erram muito na hora de diagnosticar os casos positivos.

Considere o teste rápido de anticorpos usado nos inquéritos do Ministério da Saúde e da prefeitura paulistana, produzido pela chinesa Wondfo. De acordo com a medição do próprio fabricante, ele só acerta 86% dos diagnósticos positivos (em termos técnicos, diz-se que tem “sensibilidade” de 86%). Numa outra avaliação, de pesquisadores americanos, a sensibilidade ficou pouco acima de 80%. Numa terceira, de pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP, foi de apenas 55% para amostras de sangue da ponta dos dedos.

Uma extensa revisão de 40 estudos publicada pelo BMJ estimou, na média, em 66% a sensibilidade desses testes rápidos. Em pesquisas sorológicas na população, é até possível usar métodos estatísticos para corrigir os resultados. Para diagnósticos individuais, contudo, esses testes são simplesmente imprestáveis.

Mesmo quando os testes usados para diagnóstico têm qualidade melhor, a interpretação correta dos resultados exige conceitos sutis de estatística, tema do post de amanhã.

Fonte: G1

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