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A distopia do ‘me fala o CPF’ nas farmácias do Brasil

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Na hora de comprar remédio, você já deve ter ouvido o simpático pedido do outro lado do balcão: “Me fala o CPF para ver se você têm desconto”. Existe boa chance de você ser seduzido pela palavra mágica: desconto. Mas, se você é dessas pessoas que não se sente confortável em passar dados a qualquer um, pode ter sido surpreendido com a expressão incrédula dos farmacêuticos. “Como assim você não quer desconto?”, indagam, em tom de condenação.

De fato, recusar pechincha não parece ser algo que a maioria de nós faria. Mas por que, em toda compra nas grandes drogarias, querem tanto assim o número dos nossos CPFs? O que está por trás dessa insistência para que forneçamos nossos cadastros de pessoa física?

Uma primeira resposta para essa pergunta é a cota de registros que os atendentes devem adicionar ao sistema. Em breve conversa que tive com atendente da Droga Raia na Vila Madalena, em São Paulo, fui informado de que cada funcionário precisa atingir uma meta de 100 novos cadastros no sistema por mês.

A pergunta que não é respondida de barriga no balcão é qual é este sistema que está sendo alimentado com nossos dados e para o que estão sendo usados. A dúvida permanece em quem estuda os direitos do consumidor. Para os especialistas que consultei, trata-se de algo obscuro, perigoso e abusivo.

“Chamou nossa atenção a postura muito agressiva da RaiaDrogasil no ano passado, de firmar convênios com as operadoras de plano de saúde e a disseminação de formas de coletas de dados pessoais”, comentou Rafael Zanatta, advogado especialista em direitos digitais do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), por telefone.

“A interpretação que faço é que realmente existe um processo de captura, que é uma prática abusiva, ao exigir o CPF para verificar se há desconto”, comentou o advogado. Ele explica que, segundo o Código de Defesa do Consumidor, os descontos devem ser vinculados a um determinado produto, e não à entrega do CPF .

Zannata também aponta que, como o número do documento do consumidor é pedido mais de uma vez nesses estabelecimentos, isso indica que, além dos programas governamentais como o Nota Fiscal Paulista ou o Nota Paraná, também é alimentado o banco de dados da própria farmácia. E isso pode ser mais problemático.

“O grande problema é que todo mundo têm os seus dados, menos você. E quem têm que ter os seus dados é você”

O valor que dados pessoais têm para formulação de campanhas publicitárias é conhecido há bastante tempo; nos últimos anos, a captação dessas informações foi usada tanto para obter mais lucro quanto para influenciar o debate público e a política. O problema mais grave da prática é a falta de conhecimento sobre como são tratados e armazenados e, acima disso, por onde circulam.

Na ausência de legislação específica para dados pessoais, as informações coletadas nas farmácias são regulamentadas por dois textos. O primeiro é a lei 13021/2014 que descreve como uma das atividades do farmacêutico a de “estabelecer o perfil farmacoterapêutico no acompanhamento sistemático do paciente, mediante elaboração, preenchimento e interpretação de fichas farmacoterapêuticas“.

O segundo é uma normativa da Anvisa publicada em 2009 que trata da responsabilidade do farmacêutico em assegurar a privacidade do usuário e o proíbe de fazer outro uso dos dados que não seja para a melhor prestação do serviço. O texto ainda destaca “os dados dos usuários não podem ser utilizados para qualquer forma de promoção, publicidade, propaganda”. Apesar da existência dessas poucas regras, Zanatta destaca que elas são insuficientes pois, “além de não existir uma fiscalização efetiva, não se trata de uma pauta nacional”.

Fonte: Vice

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