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Evidências e controvérsias sobre o aborto

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O vice-presidente Hamilton Mourão recentemente levantou a necessidade de o aborto ser discutido no Brasil e argumentou em favor da ampliação das possibilidades das mulheres interromperem a gestação no país. Mourão foi contrário à visão da maioria dos políticos brasileiros, que publicamente se declaram contra o aborto.

Minha filha de 17 anos, alguns meses atrás, me perguntou se eu era contrário ao aborto. Respondi que do ponto de vista da saúde pública, minha opinião pessoal é irrelevante. Ou seja, nesta questão, tenho visão parecida com a posição de Mourão sobre o tema e com o princípio geral de um Estado laico. Vejamos a evidência.

Segundo artigo* publicado em um dos principais periódicos científicos, Nature, aproximadamente 40% das gestações nos países em desenvolvimento não são planejadas e cerca de metade delas acabam em aborto.

Não é claro que a legalização do aborto seja acompanhada de maior incidência de interrupções da gestação

No Brasil, apesar de o aborto ser em geral, de acordo com nosso Código Penal, considerado um crime contra a vida (o aborto é legal no país apenas no caso de risco de vida da mãe, quando a gravidez é resultado de um estupro ou em caso de encefalia), a Pesquisa Nacional do Aborto de 2016, realizada por pesquisadores da Universidade de Brasília, mostra que 1 em cada 5 mulheres quando chegam aos 40 anos já fez pelo menos um aborto.

De acordo com esta pesquisa, 500 mil mulheres fizeram abortos em 2015. A pesquisa ainda mostra que o aborto é comum para todos os níveis educacionais e também frequente entre católicos e evangélicos.

Além disso, mais da metade das mulheres que interrompem a gravidez no Brasil são internadas com complicações relacionadas ao aborto. Na maioria das vezes, os abortos no país são feitos em clínicas clandestinas ou com métodos que colocam em risco a saúde e mesmo a própria vida da mulher.

Ou seja, o diagnóstico de Mourão é, na minha visão, correto e a questão precisa ser discutida de forma objetiva pois claramente é um problema de saúde pública. Que os valores pessoais e religiosos possam ser passados dentro das famílias de uma geração para a outra, porém criminalizar o aborto parece não ser, racionalmente, a solução para o problema.

A principal justificativa para a manutenção da nossa lei atual é o argumento de que uma lei mais leniente em relação ao aborto elevaria o número de gravidez interrompidas e assim, de acordo com essa visão, mais crimes contra a vida seriam praticados. Tal hipótese pode ter lógica. Se o custo de interromper uma gravidez diminuir, então é possível que a incidência do aborto se eleve. É provável também que com a legalização do aborto as mulheres relaxem na prevenção de gravidez indesejadas, aumentando assim a necessidade do aborto.

No entanto, a evidência empírica quanto se a legalização do aborto aumenta ou não sua incidência é inconclusiva. Comparações entre países onde o aborto é legal com outros onde o aborto é crime são contaminadas por diferenças em vários outros fatores (ex., nível de desenvolvimento e políticas públicas de distribuição de métodos contraceptivos) que podem explicar diferenças no número do abortos. Tais comparações são, portanto, inúteis para a discussão. Mas é possível, pelo menos, verificar o que aconteceu nos países onde o aborto deixou de se crime e passou a ser oferecido pelo sistema público de saúde.

Recentemente, três países com tradição católica como o Brasil (Espanha, Portugal e Uruguai) legalizaram o aborto nas semanas inicias da gestação. O Uruguai legalizou o aborto em 2012 nas 12 primeiras semanas da gestação. Segundo dados do Ministério da Saúde Pública do Uruguai, houve um aumento acentuado no número de abortos no país, que hoje é cerca de 37% superior ao período antes da mudança da lei.

Na Espanha, a legalização do aborto em 2010 foi inicialmente acompanhada de um aumento do mesmo, mas depois de dois anos houve uma redução brusca no número de abortos em todas as faixas etárias e em particular entre adolescentes de até 19 anos. Hoje a incidência de abortos na Espanha é 20% menor do que no início da introdução da lei.

Em 2007 o aborto se tornou legal em Portugal dentro das 10 primeiras semanas de gestação. Como na Espanha, o número de abortos cresceu ligeiramente nos primeiros anos da legalização, mas desde 2012 está em queda contínua e hoje é 15% menor do que em 2008, primeiro ano após a legalização do aborto naquele país.

Portanto, em relação ao argumento de defesa da vida, não é claro que a legalização do aborto seja acompanhada de uma maior incidência de interrupções de gestações. Em um primeiro momento após a legalização parece sim existir um aumento na incidência de abortos, mas depois há uma queda. No caso de Portugal, a experiência mostra que cerca de 97% das mulheres que interromperam a gravidez no sistema de saúde público escolheram, após acompanhamento médico, um método anticoncepcional após o procedimento e hoje Portugal é o país europeu com o menor número de abortos para cada mil nascidos vivos.

Quem é a favor do aborto também tem outros argumentos que podem ser levados em consideração. Por exemplo, há a premissa de que o feto é parte do organismo materno e a mulher tem livre escolha sobre seu corpo e seu futuro. Há também o argumento que no início da gestação a vida humana não está bem definida. Se a morte é definida a partir da morte cerebral, então a vida poderia também ser definida a partir do início da consciência. Além de outros argumentos.

Quando se fala em legalizar o aborto não se está celebrando esta ação ou desprezando o valor da vida. Em uma política abrangente de planejamento familiar, o aborto deve ser a última opção. O que não se pode fazer é negligenciar o fato que 500 mil mulheres todo ano no Brasil, de forma clandestina e com risco de morrerem, serem presas ou estigmatizadas, recorrem ao aborto para interromper uma gravidez indesejada.

Fonte: Valor Online

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