Intubada em uma UTI para pacientes graves de Covid-19 no Hospital Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, a aposentada Sonia Bias da Silva, de 64 anos, corre risco de morrer e luta contra a doença sem sedativos. Sem os medicamentos adequados à manobra, ela está sob efeito de diazepan e morfina. Um improviso, segundo o filho dela, o estudante de enfermagem Carlos Eduardo da Silva, de 34 anos, que, do lado de fora da unidade, conta as horas para a chegada dos remédios e tenta, desesperadamente, conseguir ele próprio bloqueadores musculares para sedação.
– Liguei para outros hospitais e tenho dinheiro para comprar, mas não consigo. Quando imaginaríamos que um parente de paciente estaria negociando remédio? Já não sei mais o que fazer – disse o rapaz a repórteres do EXTRA.
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Enquanto hospitais já enfrentam desabastecimento em outros estados, no Rio, a situação dramática começa a despontar com mais força no maior hospital da América Latina, o Souza Aguiar. O sufoco de profissionais e pacientes é tema de conversas em grupo de mensagens de celular de funcionários da unidade desde anteontem, quando alguns medicamentos do ‘kit intubação’, como midazolam, atracúrio, fentanil e brometo de rocurônio, começaram a faltar na farmácia. No Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, referência para Covid-19, a escassez de midazolam afetou a rotina do UTI para pessoas com coronavírus, revela um médico intensivista.
– O rocurônio já chegou a ficar zerado. Na falta dele, a alternativa é fazer o procedimento por contenção mecânica (em que o paciente é amarrado à maca). Isso é praticamente uma tortura – conta uma enfermeira da linha de frente do Souza Aguiar.
Uma médica que atua em diversas unidades do Rio, entre elas, a CER-Leblon, diz que a escassez de sedativos é generalizada:
– Os estoques estão acabando, e, por isso, já adotamos medicamentos em desuso para manter a sedação dos pacientes.
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Ao RJ1 da TV Globo, uma enfermeira do Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, contou como é sofrido assistir ao desespero das pessoas na unidade:
– Na sala vermelha, os pacientes estão intubados e amarrados, estão vivenciando tudo acordado, sem sedativo – diz. – (Medicamentos) Só para o CTI e, mesmo assim, estão sendo rediluídos e não dão para todos .
Em nota, a Secretaria municipal de Saúde nega a falta desses itens, mas admite que já trabalha no limite.
A via-crúcis de Sonia começou na rede estadual, no dia 25 de março, quando tropeçou num buraco e machucou o ombro. Ela foi atendida em Belford Roxo, mas acabou transferida para o hospital de Caxias porque precisava de cirurgia ortopédica. Em casa, após ter alta, ela começou a balbuciar palavras desconexas, não andava e ficava desacordada a maior parte do tempo. Era Covid-19, provavelmente contraída no hospital. De volta à unidade, no dia 5, os médicos constataram que seu estado era grave, com o sangue ‘muito ácido e diabetes descompensada’. Uma tomografia mostrou que 25% dos pulmões estavam tomados. O resultado do teste RT-PCR só saiu no dia 11, com Sonia já intubada.
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Desde o primeiro dia de intubação, segundo Carlos soube pelos médicos, Sonia está à base de forte calmante e morfina, que pode agravar o seu quadro já que provoca depressão respiratória. Ele já percorreu farmácias e distribuidoras à procura de midazolam, fentanil e bloqueadores neuromusculares, como atracúrio e rocurônio. Ontem, ele pediu ajuda à Defensoria Pública do estado. Procurada, a Secretaria estadual de Saúde não respondeu sobre o caso de Sonia. Mas, sobre a falta do ‘kit intugação’, a pasta alegou que, embora a aquisição dos medicamentos seja de responsabilidade do Ministério da Saúde, aderiu a uma ata de preços para a compra desses itens. A secretaria disse que o repasse dos medicamentos enviados pelo governo federal ‘é realizado de forma equânime’ para as unidades.
Sem estoque
O risco de desabastecimento também ameaça a rede privada. De acordo com o diretor da Associação de Hospitais do Estado (Aherj), Graccho Alvim, unidades de pequeno e médio portes já não conseguem abrir novos leitos e tentam transferir pacientes:
– Os governos estadual e federal precisam se envolver no problema. Esta crise é tão grave quanto a de oxigênio em Manaus.
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A sanitarista e pesquisadora da UFRJ Ligia Bahia observa que os medicamentos do ‘kit intubação’ não são insumos caros, o que mostra que houve falta de planejamento.
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– Há mercado nacional e internacional. Fica uma ideia de medicina de guerra, mas não estamos em guerra. O sistema de saúde pública existe justamente para aliviar dor, sofrimento. O que estamos vivendo é quase uma antítese disso – critica.
O Ministério da Saúde informou que aguarda para hoje a chegada de 2,3 milhões de medicamentos para intubação, doados por um grupo de empresas. Os remédios saíram da China ontem e serão distribuídos imediatamente assim que forem desembarcados no Brasil.
Fonte: Extra online