Uma lei aprovada pelo Congresso Nacional – que ainda depende de sanção do presidente Jair Bolsonaro – abre espaço para a incorporação de 23 novos medicamentos orais para clientes de planos de saúde diagnosticados com câncer. Defendida por entidades médicas, a proposta enfrenta resistência de operadoras de saúde, que falam em risco de aumento de custos para empresas e clientes.
A proposta foi aprovada pelo Legislativo no início deste mês. Além dos tratamentos orais domiciliares, a lei prevê que os planos entreguem as medicações em até 48 horas após a receita médica, de maneira fracionada ou conforme o ciclo de evolução e tratamento da doença.
Neste novo modelo, pacientes passariam a ter acesso a remédios que não têm cobertura das operadoras – seria exigido apenas que o medicamento já fosse aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de prescrição médica. A etapa de análise para inclusão no rol dos convênios médicos, realizada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), não seria mais necessária para a quimioterapia oral. Atualmente, há 59 tratamentos cobertos pela ANS e outros 23, que já tem aval da Anvisa, mas não têm oferta garantida pelos convênios.
A Secretaria-Geral da Presidência da República informou que ainda aguarda manifestação de ministérios consultados sobre o projeto. O prazo se encerra no próximo dia 26. A presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) Clarissa Mathias, diz que a questão vai resolver um antigo problema de diferentes vias para incorporação entre o tratamento pela veia e o oral.
“Se for endovenoso, ao ser aprovado pela Anvisa, é incorporado pela ANS. Se for oral, precisa esperar abrir o rol (de produtos a serem incorporados). É uma particularidade do Brasil ter duas vias, mas são medicamentos importantes, que podem ser tomados em casa e ficam nesse limbo”, afirma. Segundo Clarissa, essas medicações são caras e a questão de equalizar custos é parte de um debate constante. No entanto, a oferta de tratamento com agilidade para os pacientes deve fazer parte dessa conta.
O oncologista Fernando Maluf, fundador do Instituto Vencer o Câncer e membro do comitê gestor do centro de oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein, diz que o nova lei traria benefícios para ao menos 50 mil pacientes. Segundo ele, a cada dez medicamentos para câncer, sete são orais e não têm versão endovenosa.
“Esse impasse tem relação muito grande com a parte do equilíbrio financeiro, porque as fontes pagadoras teriam um gasto a mais. O equilíbrio do sistema é fundamental, mas ele se faz criando guidelines (orientações), evitando desperdício, mas não cortando o uso de medicações”, afirma Maluf. Para entidades ligadas aos planos de saúde, a lei nova abre precedentes para que tratamentos sejam adotados sem análise de custo-efetividade, algo que afetaria a incorporação de medicamentos para outras doenças e aumentaria as mensalidades de todos os beneficiários. O Brasil tem cerca de 48,2 milhões de clientes de planos.
Renato Casarotti, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), diz que o problema tem origem no prazo de revisão do rol da ANS. Antes, eram dois anos, e, em 2021, esse período foi reduzido. Passa a vigorar uma análise contínua revisada a cada seis meses – a medida entrará em vigor em outubro.
“Nosso principal ponto é que concordamos com o prazo de análise que era longo, mas somos contra a incorporação automática. Incorporar medicamentos que não são custo-efetivos interfere na incorporação de outros medicamentos”, diz ele.
Diretora executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Vera Valente diz que, na última revisão, 12 medicamentos foram rejeitados pela ANS. Com a lei, seriam automaticamente incorporados. “Essa avaliação é feita no mundo inteiro e nenhum país do mundo passa a vender de forma automática após ser aprovado. O recurso privado é limitado e vem do pagamento das mensalidades pelos beneficiários. Se começa a aumentar muito, vai ser rateado”, afirma.
A ANS informou que não comenta projetos de lei em tramitação. Disse ainda que, na última atualização, 19 antineoplásicos orais foram incluídos.
Nos Estados Unidos, a quimioterapia oral já é uma realidade para pacientes oncológicos. Segundo estudo publicado pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica, o tratamento ganhou popularidade por apresentar vantagens de conveniência e toxicidade quando comparados ao tratamento quimioterápico convencional.
Pacientes vão à Justiça por tratamento
A rapidez da cobertura de medicamentos pelo plano de saúde fez diferença na vida da contadora Carla Berenguel, de 44 anos. Diagnosticada com câncer de rim em 2014, ela realizou uma nefrectomia (remoção do órgão). A partir de então, passou a acompanhar seu estado de saúde por meio de exames de rotina.
No ano passado, no entanto, Carla sentiu-se mal e descobriu uma metástase na pleura (membrana que envolve o pulmão). “Meu Deus, como vai ser agora? Minha vida vai ser em hospitais”, pensou ela de Campinas, no interior de São Paulo.
A contadora conseguiu manter a rotina, apesar dos efeitos colaterais do tratamento. Entretanto, em abril, Carla começou a se sentir cansada, teve a visão de um olho comprometida e precisou mudar a terapia.
Ela necessitava do medicamento oral, que poderia custar até R$ 30 mil reais por mês. Como o quimioterápico oral não estava no rol de produtos aprovados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para convênios médicos, seu plano de saúde negou a cobertura.
Ao acionar a Justiça contra a decisão da operadora, Carla relata que conseguiu a liberação do medicamento em menos de uma semana. “Mas a gente sabe que nem sempre as pessoas conseguem isso. Tem gente que tem muita dificuldade para conseguir, para entrar com a ação”, afirma a contadora. “Quem tem câncer não tem tempo de esperar. A gente tem muita pressa”, acrescenta.
Terapia alternativa
“Isso é um caso excepcional diante das situações que a gente vive”, concorda Inês Lima, gerente administrativa aposentada por invalidez de Ananindeua, na região metropolitana de Belém. Aos 54 anos, ela trata uma metástase – no fígado, de um câncer de mama descoberto em 2013 – com um quimioterápico oral. Ela chegou a fazer uma quimioterapia venosa que a debilitava com os efeitos colaterais.
Quando não podia mais alterar a fórmula da medicação, o oncologista de Inês sugeriu mudar a terapia. “A gente só vai conseguir fazer quatro sessões, porque senão você pode não aguentar”, disse o médico à paciente.
Inês conseguiu que o plano cobrisse o medicamento em 2019, quando ele custava R$ 19 mil reais por ciclo. Na época, a operadora havia negado a cobertura do remédio por não constar na relação de medicamentos liberados. O processo judicial se resolveu em uma semana e, na seguinte, a ex-gerente iniciou o tratamento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Tribuna do Norte