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Lei permite que empresas comprem vacinas, mas clínicas privadas contestam obrigação de doar ao SUS

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O presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei que autoriza o setor privado, Estados e municípios a comprarem vacinas contra a covid-19. O texto, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), é fruto de reivindicação de uma parcela dos empresários e expõe um dilema ético sobre os limites da atuação privada na pandemia. A lei determina, inclusive, que os compradores assumam a responsabilidade civil pela imunização, ou seja, devem indenizar os cidadãos por eventuais efeitos colaterais das vacinas, uma exigência de fabricantes como Pfizer e Janssen, para compartilhar o risco.

‘Não é assim que se resolve a inação do Estado, isso vai transformar uma sociedade desigual em ainda mais desigual’, afirma o sanitarista Gonzalo Vecina, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). ‘Essa proposta dos empresários é inacreditável porque não temos vacina para vender.’ O sanitarista afirma que as multinacionais não abrirão, pelo menos neste momento crítico da pandemia, espaço para negociar com o setor privado. ‘Mas empresas menores, de locais sem maior controle, como a Índia, fazem qualquer negócio’, afirma.

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Segundo Marcio Sommer Bittencourt, médico e pesquisador da Universidade de São Paulo, liberar a compra de vacinas para o setor privado é buscar uma solução para um problema que não é real. ‘Laboratórios que disseram que iriam vender não estão vendendo porque não tem o que entregar. Não se trata de falta de dinheiro. E se o problema não é dinheiro, por que achar que o privado vai resolver?’, questiona. ‘Do ponto de vista ético não é adequado que as empresas comprem para privilegiar um grupo de indivíduos porque estamos em escassez de recursos. O objetivo da política pública é proteger a comunidade. Se a empresa quiser comprar e doar para o Governo, ótimo’, afirma Bittencourt.

Para construir o projeto de lei, Rodrigo Pacheco se reuniu com os laboratórios Pfizer e Janssen e consultou o Ministério da Saúde, que não viu conflito com as ações que estão sendo desenvolvidas pela União. O texto determina que, enquanto estiver sendo realizada a vacinação dos grupos prioritários, as empresas deverão doar para o Sistema Único de Saúde (SUS) todas as doses adquiridas. Passada essa etapa, poderão ficar com metade das vacinas compradas e terão de doar o restante para o sistema público. Procurada, a Pfizer afirmou que por contrato de confidencialidade com o Governo, não pode dar informações. A Janssen não atendeu a solicitação da reportagem.

A nova medida, no entanto, não agradou a todas as empresas privadas. A Associação Brasileira de Clínicas de Vacina (ABCVAC) divulgou uma nota informando que a obrigatoriedade de doar parte das compras inviabiliza que as clínicas particulares atendam a população em geral, e transferem ‘para o setor privado a obrigação do Governo de suprir as necessidades de vacinação dos grupos prioritários’.

‘Ao invés de somar, a medida só vai atrasar a entrada de mais um instrumento na luta contra o vírus’, afirmou no comunicado Geraldo Barbosa, presidente da ABCVAC. Seu argumento é que a lei tira a liberdade da população de garantir a sua proteção, e também o direito fundamental de acesso à saúde suplementar. A entidade estima que o setor poderia ajudar a imunizar cerca de 10% da população até o final do ano. ‘Isso equivale a 40 milhões de doses de economia para o Governo’, diz. Ao menos 600 clínicas particulares negociaram para receber 5 milhões de doses da vacina Covaxin, da indiana Bharat Biotech no próximo mês. A associação diz que vai entrar na Justiça para conseguir driblar a doação de vacinas para o SUS.

O apoio da iniciativa privada

Luciano Hang, dono da Havan, e Carlos Wizard, fundador da rede de escolas de inglês que leva seu sobrenome, se organizaram para pressionar o Governo pela flexibilização da compra das vacinas. Os empresários, conhecidos apoioares do presidente Bolsonaro, representam um grupo de dirigentes empresariais e tem como proposta vacinar os trabalhadores paralelamente à imunização do grupo prioritário. ‘Esta é uma causa humanitária, sabemos que o Brasil está parado. Nós, como empresários, não temos nenhum interesse comercial ou financeiro em cima deste projeto. Nosso único desejo é auxiliar para que um número maior de pessoas tenha acesso à vacina, para que possamos voltar à nossa vida normal e com segurança’, disse Wizard em comunicado.

Mas a estratégia de apoio empresarial para a vacinação varia conforme os diversos grupos. ‘A gestão pública federal está aquém do atendimento de soluções para a pandemia, isso gerou uma mobilização do setor privado para que a gente possa entrar em campo’, afirma Basílio Jafet, presidente do Sindicato da Habitação (Secovi-SP). Segundo ele, a situação brasileira não é a mesma de outros países, onde essa medida não é necessária. ‘O Governo federal já mostrou que não vai conseguir implementar a vacinação no ritmo desejado. Por isso, as empresas vão arregaçar as mangas e contribuir para o bem comum, para que possamos recuperar o ritmo de desenvolvimento e a economia’, diz.

O Secovi-SP faz parte de uma iniciativa de empresas e entidades que desde o final do ano passado se mobilizaram para pressionar o Governo a autorizar de vacinas pelo setor privado. Inicialmente, a meta era conseguir a aquisição de 33 milhões de doses de imunizantes. Jafet rebate as críticas de que a entrada da iniciativa privada na disputa aumentaria a desigualdade: ‘Não quero me vacinar, quero vacinar minha mãe. Por isso precisamos somar com o Governo. E a lei é clara, enquanto os proprietários não forem vacinados, temos que doar 100% do que for comprado’.

O Instituto do Aço Brasil (IAB) também participa dessa iniciativa. ‘A indústria brasileira do aço vem, desde o início da pandemia, comprometida com o combate ao coronavírus, tendo investido nesse sentido mais de 70 milhões de reais em ações’, informa em nota. No final de janeiro, Marco Polo Lopes, presidente do instituto, afirmou ao jornal Estado de S. Paulo, que o grupo teria como meta investir cerca de 4,4 bilhões de reais na aquisição do lote de 33 milhões de doses, sem esclarecer quem seria o vendedor. A divulgação recebeu duras críticas até mesmo do setor privado. Agora, o IAB informa apenas que, ‘neste momento, não está envolvido em nenhum movimento de compra de vacinas pela iniciativa privada’.

O setor bancário, por outro lado, tem seguido sua própria agenda de apoio à crise sanitária. De acordo com a Federação Brasileira dos Bancos (Febraran), as empresas do setor doaram 380,5 milhões à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ao Instituto Butantan para a construção de novas unidades de produção de vacinas. ‘Esse montante se soma aos 1,7 bilhão de reais já doados pelas instituições financeiras para o enfrentamento da pandemia desde seu início, em março de 2020’, informou a entidade.

Unidos pela Vacina

Outro movimento de empresários, esse liderado por Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, visa organizar a sociedade civil para conseguir viabilizar vacinas para todos os brasileiros. O Unidos pela Vacina nasceu no Grupo Mulheres do Brasil, uma organização apartidária que conta com mais de 80.000 participantes e busca engajar a sociedade para conseguir melhorias no país. Atualmente, mais de 400 pessoas, entre empresários, entidades e comunidade participam da iniciativa. O objetivo da ação é fornecer apoio comercial e logístico aos Governos locais para que as vacinas cheguem mais rápido em todos os cantos do país. A compra de vacinas não está na ordem do dia da organização, ao menos, ‘neste momento’, informam.

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2021/03/11/ipo-das-farmacias-sao-joao-a-vista/

O Unidos pela Vacina está realizando um levantamento colossal sobre as demandas dos 5.568 municípios do país para viabilizar a vacinação local, sejam elas ‘transporte, wifi, insumos, armazenamento, geladeiras ou outros materiais e equipamentos’. Em entrevista ao Blog da Conjuntura Econômica, da FGV/IBRE, Trajano deu exemplos de demandas que já foram encontradas. ‘Em Serrana (SP) [cidade de 48.000 habitantes escolhida pelo Instituto Butantan para um estudo de avaliação do impacto da vacinação com a Coronavac, onde se espera imunizar toda a população maior de 18 anos em dois meses], eles indicaram a necessidade de 12 aparelhos de ar condicionado para instalar em escolas que são ponto de vacinação. Se abrirem concorrência para comprá-los, levará três meses’, afirmou a empresária ao blog. Ela disse ainda que João Carlos Brega, presidente da Whirlpool Latin America, coordena a conexão entre pedidos e empresas. A meta é levantar o maior número de informações para que, tendo vacinas disponíveis, a campanha avance rapidamente.

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Fonte: El País

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