Venda de medicamentos em supermercados volta à pauta

Deputados articulam votação sobre o assunto ainda neste ano e geram reações do varejo farmacêutico

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Foto: Canva

A venda de medicamentos em supermercados, atacarejos e estabelecimentos assemelhados ganhou um novo capítulo. Entidades do canal alimentar e representantes da Câmara dos Deputados articulam-se para criar um requerimento de urgência para o Projeto de Lei (PL) 1774/19, o que abriria caminho para a votação da proposta ainda neste ano.

De autoria do parlamentar Glaustin da Fokus (Podemos-GO), a redação do PL prevê a comercialização de MIPs até em quitandas, sem nenhuma previsão de uma farmácia dentro do estabelecimento ou da presença obrigatória de um farmacêutico para assistência ao consumidor. Sob intensa pressão do setor supermercadista, os defensores da proposta argumentam que é necessário ampliar o acesso a esses remédios e baratear os preços a partir do aumento da concorrência.

No fim de novembro, o presidente da ABRAS – Associação Brasileira de Supermercados, João Galassi, chegou a se reunir com os deputados federais Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Lindbergh Farias (PT-RJ) para discutir pautas de interesse do setor. No mesmo período, a entidade esteve reunida com representantes do governo em encontro na Esplanada dos Ministérios, ao lado da ABAD – Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados.

Coincidentemente, os médicos e deputados federais Vitor Lippi (PSDB-SP) e Zacharias Calil (União-GO) gravaram um vídeo pedindo celeridade para a discussão do projeto. Eles sugeriram apenas a adequação do texto original para incorporar a presença obrigatória de um farmacêutico.

Entidades e conselhos reagem contra medicamentos em supermercados

A tentativa de liberar a venda de medicamentos em supermercados despertou reações imediatas do setor farmacêutico. Entidades como Abrafarma, Sincofarma/SP, Fenafar, Conselho Federal de Farmácia e os CRFs já se posicionaram.

“Os argumentos em favor da proposta são rasos e injustificáveis. Os MIPs já estão disponíveis nas mais de 93 mil farmácias presentes em território nacional e, mesmo fora das gôndolas, envolvem o apoio de um profissional farmacêutico em 77% das ocasiões. A saúde dos brasileiros não pode ficar aos cuidados da vendinha da esquina”, critica Sergio Mena Barreto, CEO da Abrafarma.

O executivo atenta ainda para a segurança em torno do consumo desses medicamentos. “Remédios respondem, em média, por 40% dos casos de intoxicação por ano no Brasil, e as internações decorrentes geram para o SUS um custo superior a R$ 60 bilhões. Banalizar a exposição e comercialização desses produtos só agravaria o quadro atual. A pandemia nos ensinou que lugar de medicamento é na farmácia”, observa.

Atualmente, 54% das pessoas que necessitam usar medicamento de uso contínuo no Brasil já abandonam o tratamento depois de seis meses. E um dos fatores é econômico. “Liberar medicamento que trata sintomas em qualquer lugar equivale a dizer ao paciente que ele pode abandonar sua doença e cuidar somente da dor de cabeça. No médio e longo prazo teremos pessoas mais doentes e menos produtivas ou com menos expectativa de vida”, adverte.

Mena Barreto também rebate as alegações de redução drástica nos preços a partir da aprovação do projeto. “Dados da Nielsen apontam que supermercados vendem produtos comuns aos dois canais a valores 45% a 55% maiores. Qual seria a mágica desses estabelecimentos para vender mais barato um produto cuja carga tributária chega a 36%? Valorizamos a liberdade de mercado, mas jamais às custas da fragilização do sistema sanitário”, contesta.

Para o Sincofarma/SP, as farmácias desempenham papel fundamental para garantir o uso seguro e racional dos medicamentos. “Permitir a venda fora das farmácias é desvalorizar esse trabalho e colocar a saúde da população em segundo plano. Estamos mobilizados para informar a sociedade sobre os perigos dessa medida e para defender o papel das farmácias como centros de saúde e cuidado responsável”, diz o manifesto da entidade.

Em comunicações dirigidas aos 400 mil farmacêuticos credenciados, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) questiona de que lado ficarão os deputados federais e senadores. Do lado da saúde pública ou dos empresários?

Já a Fenafar postou nas suas redes sociais, no dia 10 de dezembro, que farmacêuticos estiveram em Brasília numa intensa movimentação para barrar o projeto de lei. “Medicamentos não são mercadorias comuns. Eles exigem controle, orientação e acompanhamento por profissionais farmacêuticos, para garantir o uso responsável”, comenta o presidente Fábio Basílio.

Uma novela sem fim

O debate sobre os MIPs em supermercados poderia ter acabado em 2004, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela proibição definitiva da venda de medicamentos em outros estabelecimentos. Mesmo assim, o Congresso Nacional vem mantendo viva a discussão sobre o assunto.

  • Em 2009, o deputado Sandro Mabel tentou autorizar novamente a liberação por meio da MP 549/11. Apesar de aprovada como “contrabando” na Câmara dos Deputados, foi vetada em 2012 por Dilma Rousseff
  • Em fevereiro de 2018, o projeto de lei de Ronaldo Martins (PRB-CE) foi encaminhado para a Comissão de Seguridade Social. No entanto, saiu da pauta pelo fato de o parlamentar não ter sido reeleito. O então presidente Michel Temer sinalizou apoio à iniciativa depois de analisar um pedido da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) para agilizar a votação
  • Em junho de 2019, foi a vez de o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) sugerir a alteração da lei, após encontro com executivos da entidade supermercadista
  • A Câmara Municipal de São Paulo ensaiou um movimento similar em 2020, mas no fim aprovou um projeto do vereador Gilberto Natalini (PV-SP) para vetar os remédios isentos de prescrição não apenas em supermercados, como também em bares, lanchonetes, hotéis e restaurantes
  • Em junho de 2021, foi a vez de o governo federal estudar a possibilidade de lançar uma MP. O ministro da Economia Paulo Guedes chegou a defender publicamente a venda nesses estabelecimentos justamente no maior fórum do setor supermercadista
  • Em agosto de 2022, a Câmara dos Deputados recolocou o tema na pauta, incluindo o pedido para votação em regime de urgência

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