Ministério da Saúde já recebeu 45 pedidos para prioridade, de produtores rurais a aeronautas

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O que diabéticos, personal trainers, trabalhadores dos Correios, fonoaudiólogos, produtores rurais, aeronautas, profissionais de limpeza, guardas municipais, burocratas das agências de regulação, seguranças privados, trabalhadores de telecomunicações e dentistas têm em comum? Todos fazem parte de grupos que pediram ao Ministério da Saúde para serem prioridades na vacinação contra a Covid-19. A pasta já recebeu 45 requerimentos para mudar a ordem da fila determinada pelo Plano Nacional de Imunização (PNI).

No levantamento, obtido com exclusividade pelo GLOBO, há entidades setoriais, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), grupos de vítimas de problemas médicos, como a Associação dos Diabéticos e Amigos do Médio Paraíba, e órgãos públicos, como o Ministério da Economia.

Uma das categorias que tentam uma antecipação é a dos professores. De acordo com o plano do governo, eles estão na terceira etapa de vacinação. Diante da demora da resposta do governo federal sobre o pedido de mudança, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), decidiu intensificar o lobby estadual e municipal.

— Definimos que vamos fazer um grande esforço de conscientização até o dia 12 em estados e municípios. Enquanto isso, nosso departamento jurídico está analisando as opções e, na semana que vem, vamos ver quais caminhos podem ser tomados — diz Heleno Araújo, presidente da CNTE, lembrando que os estados da Bahia e Rio Grande do Norte estavam sinalizando que poderiam atender à reivindicação.

A Federação Nacional das Apaes (Fenapaes) é outra que aposta na regionalização. Ainda sem resposta do Ministério da Saúde, a Fenapes defende que seus associados “façam diligências” em seus estados, com prefeitos e nas Câmaras Municipais, solicitando a priorização.

— Até o momento, o estado do Piauí e Alagoas aprovaram leis que inserem o grupo como prioritário — afirma José Turozi, presidente da Fenapaes.

Judicialização da vacina

Especialistas afirmam que, em breve, é possível que demandas individuais para antecipar a vacinação comecem a chegar em grande número na Justiça. Caso a previsão se confirme, será uma repetição das ações judiciais por leitos quando sistemas de saúde entraram em colapso em algumas capitais, como o Rio.

As primeiras manifestações do Judiciário, porém, indicam que o caminho não será fácil. Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), negou a liminar do Podemos para incluir pessoas com deficiência entre os mais prioritários. O partido se mobilizou a partir de uma iniciativa do senador Romário (Podemos-RJ), que alega que o objetivo não é a busca de um privilégio, mas de proteger pessoas mais vulneráveis.

Silvio Guidi, advogado sanitarista do escritório Vernalha Pereira, afirma que a decisão do STF indica uma tendência do Judiciário de respeitar o “poder discricionário” do governo ao elaborar o PNI.

— Toda a categoria ou grupo de pessoas pode conseguir argumentos para defender a necessidade de ser prioridade — afirma o advogado, que prevê um grande número de pedidos individuais de vacinas, com base em atestados médicos ou condições específicas.

Quanto menor, melhor?

Categorias que empregam uma quantidade menor de pessoas acreditam que terão mais chances de sensibilização. Este é o caso, por exemplo, da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT). Marcos Alexandre Vieira, presidente da entidade, afirma que, devido ao risco de maior complicações da Covid-19 em pacientes renais, as 140 mil pessoas que fazem o procedimento e os 25 mil trabalhadores das clínicas deveriam entrar nas primeiras posições da fila pela vacina.

— No momento, estamos trabalhando com o convencimento. Enviamos pedido ao Ministério da Saúde, mas vamos ver como isso evolui — diz Vieira.

Os sepultadores tiveram, até agora, sucesso parcial. Segundo João Gomes, diretor do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São Paulo (Sindsep), a última atualização do PNI, de 25 de janeiro, inseriu os trabalhadores do serviço funerário que tenham contato com cadáveres potencialmente contaminados nas prioridades. No entanto, São Paulo ainda não fez o chamamento ao grupo.

Atualmente, a capital paulista tem 470 sepultadores em cemitérios municipais, sendo 250 servidores e 220 terceirizados. Os funcionários são responsável por enterrar de 250 a 350 corpos por dia. Só no Cemitério da Vila Formosa, o maior da América Latina, 30% dos corpos são de vítimas do coronavírus.

— O problema é que não tem vacina para todo mundo. Então, quem gritar mais alto “meu braço primeiro” vai levar — diz Gomes, do Sindsep.

Na lista dos que querem ser prioridade também estão os jornalistas. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) orientou seus sindicatos filiados a pedirem aos governos estaduais e municipais a inclusão entre as prioridades, lembrando, em nota, que o mesmo ocorreu na campanha da vacinação contra o H1N1.

Até agora, poucos conseguiram convencer o governo federal. O presidente Jair Bolsonaro colocou, na MP do tema em janeiro, caminhoneiros e trabalhadores da construção civil e da indústria como prioritários.

Antes prioritárias, grávidas ficam de fora

Usualmente inseridas como grupo prioritário na imunização brasileira, as grávidas estão, até o momento, fora dos primeiros vacinados contra o coronavírus, segundo as diretrizes do Ministério da Saúde. A decisão é apoiada por parte da comunidade médica.

Cecília Rotelo Martins, presidente da Comissão Nacional Especializada em Vacinas da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), diz que a gravidez não é motivo para receber a imunização primeiro.

— Se a grávida tiver comorbidades, aí precisa ser avaliado o uso da vacina — esclarece Martins.

Segundo a especialista, na falta de estudos específicos de vacinação com grávidas, o ideal é que o caso de cada mulher seja analisado individualmente com o ginecologista quando começar a imunização deste público.

— Quando a vacina da Influenza surgiu, as gestantes também não eram prioridade nas primeiras fases. Geralmente, seja em qualquer vacina ou remédio, as primeiras, segundas e terceiras fases não incluem as gestantes — afirma a dirigente da Febrasgo.

Maurício Abrão, professor de Ginecologia da Universidade de São Paulo (USP) e chefe do setor no hospital Beneficência Portuguesa na capital paulista, acredita que a diretriz de se analisar caso a caso é, na prática, algo difícil.

— Nas periferias, por exemplo, muitas pacientes não estão vendo seus médicos — diz Abrão.

Mesmo a vacinação de grávidas não está imune a polêmicas. Alguns países, como Israel, que já vacinou mais de 60% da sua população, incluíram as grávidas nos grupos prioritários.

Por outro lado, no Reino Unido, outro campeão de vacinação, com quase 20% dos britânicos imunizados, o aconselhamento estatal é que as grávidas não tomem a vacina contra a Covid-19, devido a falta de estudos. “As vacinas ainda não foram testadas na gravidez, portanto, até que mais informações estejam disponíveis, aquelas que estão grávidas não devem receber esta vacina rotineiramente”, afirma a página do governo britânico.

Fonte: Yahoo Finanças

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Orpha Labs AG inicia programa de uso compassivo do medicamento ORL-101

A Orpha Labs AG anunciou hoje seu programa de uso compassivo para disponibilizar o ORL-101 para médicos que oferecem tratamento a pacientes com deficiência da adesão leucocitária tipo II (LAD-II). O ORL-101 é uma nova formulação de uma L-fucose ultrapura atualmente em desenvolvimento para o tratamento de pacientes com LAD II.

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O Ministério da Saúde (MOH) de Israel aprovou o uso de ORL-101 em pacientes com LAD-II sob o programa de uso compassivo da Orpha Labs. A Orpha Labs espera inscrever pacientes de LAD-II em um estudo de Fase III em breve. O fundador e CEO da Orpha Labs, Alp Bugra Basat, MD, declarou: “Temos orgulho de anunciar este desenvolvimento. O ORL-101 é o primeiro produto autorizado para uso compassivo em um programa para pacientes portadores de LAD-II, um passo significativo em nosso trabalho de desenvolver produtos clínicos visando ajudar pacientes com doenças ultra-raras.” A FDA concedeu uma designação de doença pediátrica rara ao ORL-101 para uso no tratamento de pacientes com LAD II. Em caso de aprovação do registro de novo medicamento (new drug application, “NDA”) para o ORL-101 para uso em pacientes com LAD II, a empresa poderá ter direito a obter um voucher para revisão de prioridade (Priority Review Voucher, “PRV”) do FDA, que pode ser resgatado para obter revisão de prioridade para qualquer pedido de comercialização posterior. Sobre a Deficiência da adesão leucocitária tipo II (LAD-II) A LAD-II (OMIM # 266265) é uma imunodeficiência primária autossômica recessiva caracterizada por motilidade leucocitária reduzida e retardo do desenvolvimento neurológico moderado a grave. Verificou-se que o defeito genético em pacientes com LAD-II consiste em várias mutações no gene SLC35C1 que codifica o transportador de Fucose GDP 1. Este transportador mede a absorção da GDP-Fucose nas vesículas do Golgi, e sua disfunção resulta na ausência de glicanos fucosilados nas membranas das células, levando à perda de ligantes da E-selectina e da P-selectina nos leucócitos, resultando assim na incapacidade de os leucócitos circulantes migrarem eficientemente para os locais de infecção, o que, por sua vez, causa leucocitose persistente e episódios recorrentes de infecções com risco de vida. Sobre a Orpha Labs AG A Orpha Labs AG é uma empresa de pesquisa e desenvolvimento voltada para as carências dos pacientes, empenhada em descobrir, desenvolver e produzir medicamentos eficazes para doenças ultra-raras negligenciadas. Nossa missão é oferecer produtos inovadores que melhorem não apenas as taxas de sobrevivência, mas também a qualidade de vida para essas comunidades de pacientes. Orpha Labs AG Haldenstrasse 5 CH-6340 Baar Switzerland UID: CHE-209.103.038 Alp Bugra Basat, MD CEO info@orpha-labs.com +41 75 418 88 29 Logotipo – https://mma.prnewswire.com/media/1434052/ORL_LOGO_Logo.jpg FONTE Orpha Labs AG

Fonte: Tribuna do Sertão

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Centrão X Anvisa: novo front de guerra da vacina se forma no país

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A polêmica entre o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), e o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, é a primeira queda de braços entre os políticos do Centrão e os militares do governo Bolsonaro após a eleição do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Colega de bancada de Lira, Barros foi um dos protagonistas da campanha que conquistou 302 votos na Casa. Engenheiro e ex-prefeito de Maringá (PR), o líder do governo é um dos nomes cotados para substituir o general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, do qual foi titular no governo Michel Temer. Quer liberar vacinas importadas em cinco dias, sem testagem no Brasil.

Médico e contra-almirante, Barra Torres comanda a Anvisa como se estivesse num navio. Responde por tudo a bordo e tem prestigiado o corpo técnico da autarquia, cujo padrão de excelência é reconhecido internacionalmente. A pressão de Barros sobre a Anvisa, segundo o próprio, é uma questão do Congresso e não do governo. Os deputados e senadores voltaram do recesso pressionados pelos eleitores a resolverem logo o problema da vacina. “A Anvisa tem seu ritmo e sua visão de velocidade e, o Congresso tem a velocidade do povo. Fomos para a base e vimos o retorno: o maior receio é da falta de vacina”, justificou. O parlamentar tem sido duro com os técnicos da Anvisa, defendendo a mudança de legislação, se for o caso, para liberação dos medicamentos.

Barra Torres, que vem atuando sob fortes pressões do próprio presidente Jair Bolsonaro, dos governadores e do corpo científico, é diplomático, mas politizou a crise. “A quem interessa o enfraquecimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária?”, pergunta. Em entrevista, na semana passada, disse que sempre teve uma boa relação com Barros e defendeu a agência: “É a mais rápida do mundo em análise de protocolos vacinais”, disse. Barra Torres nega que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ou qualquer ministro da Saúde em sua gestão tenha feito qualquer tipo de pressão à Anvisa, antes ou durante a pandemia de covid-19: “O presidente da República, Jair Bolsonaro, nunca, em momento algum, exerceu qualquer tipo de pressão sobre a agência. Nunca fez um pedido, nunca disse ‘gostaria que aprovasse isso ou aquilo’. E ele é o chefe do Executivo. Nunca fez”, afirmou Torres.

Briga de laboratórios

O que esticou a corda entre o líder do governo na Câmara e o presidente da Anvisa foram as dificuldades para liberação das vacinas já aprovadas no exterior para uso imediato no Brasil, entre as quais a vacina russa Sputnik V. Das 11 vacinas já em uso no mundo, todas aprovadas por agências reguladoras reconhecidas internacionalmente, somente duas, até agora, estão sendo usadas no Brasil, o que aumentou o estresse entre os políticos e a agência. Segundo Ricardo Barros, a exigência de 10 dias para a liberação do uso emergencial, como queria a Anvisa, é ilegal. “O presidente deve sancionar a medida aprovada pelo Congresso que estabelece 5 dias; a própria Anvisa havia estabelecido um prazo de 72 horas”, esclarece.

Segundo Ricardo Barros, a exigência de testagem em território nacional para vacinas já aprovadas por agências reguladoras no exterior custa US$ 80 milhões, o que dificulta a compra de vacinas. “Sem essa exigência, não faltará vacinas; todos os governos e planos de saúde poderão comprar. Cerca de 50 milhões de brasileiros têm plano de saúde, haverá vacina pra todos”, argumenta o líder do governo.

No caso da Sputnik V, há um ingrediente a mais: a disputa entre a Fiocruz e o Butantan e a União Química, fabricante da Sputnik V no Brasil. O presidente da empresa, Fernando Marques, acusou os laboratórios públicos de dificultarem a chegada de vacinas produzidas por laboratórios privados. A Sputnik V é produzida pela farmacêutica, que tem um acordo com o Fundo Soberano da Rússia e o Instituto Gamaleya para receber tecnologia e trazer doses prontas do imunizante para o Brasil.

Até o momento, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autorizou duas vacinas, produzidas por laboratórios públicos brasileiros: a Coronavac, do Butantan, e a AstraZeneca, da Fiocruz. A Sputnik é a primeira fabricante privada a firmar contrato de venda de vacinas com o governo brasileiro. Seriam 10 milhões de doses, inicialmente. Mas, antes da nova vacina ser utilizada, a União Química precisa obter a autorização de uso emergencial da vacina no Brasil.

Fonte: Correio Braziliense Online 

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Para difundir cloroquina, Bolsonaro mobilizou cinco ministérios, estatal, conselhos, Exército e Aeronáutica

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Carro-chefe do presidente Jair Bolsonaro no combate à pandemia, mesmo sem eficácia comprovada pela ciência, a distribuição de cloroquina aos quatro cantos do país mobilizou pelo menos cinco ministérios, uma estatal, dois conselhos da área econômica, Exército e Aeronáutica.

A reportagem identificou dezenas de atos oficiais, todos eles públicos, adotados nas mais diferentes esferas de governo para garantir a circulação de cloroquina e hidroxicloroquina.

Distribuir o medicamento virou uma política de governo, com atos dos Ministérios da Saúde, Defesa, Economia, Relações Exteriores e Ciência e Tecnologia. Envolve desde a orientação técnica para o uso até o fornecimento final da substância, passando por isenções de impostos e facilitações na circulação do produto.

Uma ferramenta alimentada pelo Ministério da Saúde, com registros das ações da pasta na pandemia, aponta uma distribuição de 5.416.510 comprimidos de cloroquina e 481.500 comprimidos de hidroxicloroquina. Os medicamentos, sem eficácia comprovada para Covid-19 conforme experimentos feitos até agora, foram enviados principalmente a Norte e Nordeste.

Depois de quase 11 meses de adoção dessa estratégia para enfrentar o novo coronavírus, as investigações sobre crimes e ilegalidades começam a deslanchar.

O ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, é investigado em inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por omissão na crise de escassez de oxigênio no Amazonas. Quando faltava oxigênio, o ministério irrigou Manaus com 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina.

Um segundo procedimento, ainda preliminar, foi instaurado pela PGR para apurar a distribuição do medicamento no país. Já a Procuradoria da República no DF abriu um processo, na esfera cível, para investigar improbidade na distribuição de cloroquina. Para preservar provas, os procuradores fizeram download de vídeos em que Pazuello e Bolsonaro defendem o “tratamento precoce”.

No TCU (Tribunal de Contas da União), uma auditoria apontou ilegalidade em uso de dinheiro do SUS para custear a distribuição da cloroquina. O entendimento dos auditores foi de que não existe um aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para o fornecimento pelo SUS.

Como a cloroquina acaba sendo usada numa finalidade fora da descrita na bula, haveria necessidade de uma autorização do órgão regulador, segundo a auditoria do TCU.

A Anvisa afirmou à reportagem que o registro da cloroquina no órgão se destina a tratamento de artrite, lúpus eritematoso, doenças fotossensíveis e malária. “Apesar de promissores, não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento da Covid-19”, disse, em nota.

“Não há recomendação da Anvisa, no momento, para a sua utilização em pacientes infectados ou mesmo como forma de prevenção à contaminação pelo novo coronavírus”, finalizou.

O Localiza SUS, ferramenta usada para atualizar os dados sobre ações na pandemia, informa que os comprimidos de cloroquina custaram R$ 238,3 mil. O valor, porém, está subestimado.

O Exército, que produziu 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina a partir de solicitações dos Ministérios da Defesa e da Saúde, informou à reportagem que o gasto com a produção foi de R$ 1,16 milhão. O Laboratório Químico Farmacêutico do Exército fez pelo menos nove dispensas de licitação para adquirir insumos e o princípio ativo da droga.

Em outubro do ano passado, uma auditoria do TCU constatou que a produção do laboratório do Exército não levava em conta demanda e planejamento por parte do Departamento de Logística do Ministério da Saúde. A falha tem “potencial de gerar dano ao erário, pois a produção pode exceder à necessidade do SUS e gerar acúmulo e vencimento de medicamentos“, apontou a auditoria.

O Exército, em nota, negou essa possibilidade. Segundo a instituição, há 328 mil comprimidos de cloroquina em estoque, com vencimento em 2022. Na nota, o Exército dá a entender que não haverá uso do medicamento para Covid-19: “Será empregado para atender ao uso terapêutico preconizado do medicamento.”

O Laboratório do Exército é apenas executor e não decide sobre ampliação ou redução da produção, assim como não discute eficácia ou utilização, conforme a nota enviada à reportagem. “Em relação à cloroquina, destaca-se que as quantidades produzidas foram distribuídas de acordo com as solicitações dos Ministérios da Saúde e da Defesa.”

Caixas de cloroquina foram transportadas em diferentes ocasiões pela Aeronáutica, especialmente para regiões mais isoladas, como comunidades indígenas na fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Segundo a Força Aérea, quem faz o planejamento é o Ministério da Saúde, que o repassa ao Ministério da Defesa. “A Força Aérea apenas cumpre a missão”, diz a assessoria de imprensa.

O Ministério da Saúde editou um guia com orientações sobre o uso da cloroquina. Chegou a colocar no ar um aplicativo programado para ofertar o medicamento. E distribuiu a droga às cinco regiões do país. A pasta não respondeu aos questionamentos da reportagem.

A EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), estatal responsável pelos hospitais universitários federais, fez uma compra de hidroxicloroquina para ações de combate à Covid-19. Os registros públicos mostram uma aquisição no valor de R$ 38.915. À reportagem a estatal afirmou que a compra foi cancelada e não chegou a ser concluída.

O recuo teria ocorrido após “mudança no protocolo adotado, até então, pelos órgãos de saúde”. A aquisição, conforme a EBSERH, foi feita especificamente pelo hospital universitário no Maranhão.

A estatal confirmou que dois hospitais universitários compraram hidroxicloroquina para o combate à Covid-19, ainda no primeiro semestre. Foram 2.570 doses, no valor de R$ 2.546,32, segundo a EBSERH.

“A administração central da EBSERH não realizou compras centralizadas de hidroxicloroquina para distribuir aos hospitais e não emitiu recomendação aos hospitais da rede para uso do medicamento no combate à Covid-19”, afirma a nota da estatal.

A pulverização da cloroquina no país foi possível graças também a isenções de impostos pelo Ministério da Economia e a permissões de entregas antecipadas pela Receita. Em nota, a pasta de Paulo Guedes defendeu as medidas.

A permissão para isenção de ICMS à cloroquina e outros produtos voltados ao combate à pandemia foi estendida até 31 de julho, segundo o ministério. A medida foi avalizada pelo Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária).

A redução a zero da alíquota de importação sobre produtos transportados em remessas aéreas permitiu doações de diferentes partes do mundo, conforme a pasta. A medida foi encerrada em 1º de outubro.

A simplificação do despacho aduaneiro de produtos foi outra medida adotada, e incluiu a cloroquina. “Esta medida é aplicada a todas as mercadorias declaradas essenciais ao combate à Covid-19, atualmente com mais de 200 itens diferentes”, diz a nota. Também houve redução de impostos pela Camex (Câmara de Comércio Exterior). A cloroquina foi incluída.

O Ministério das Relações Exteriores, por sua vez, viabilizou uma doação de 2 milhões de comprimidos de doses pelos EUA, ainda no governo de Donald Trump. O Itamaraty, em nota, diz ter facilitado os entendimentos entre Ministério da Saúde e governo dos EUA para a doação do medicamento. A intermediação coube à Embaixada do Brasil em Washington e à Agência Brasileira de Cooperação, segundo o ministério.

Já o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações patrocinou uma pesquisa sobre quimioprofilaxia com cloroquina em população de alto risco. O valor do convênio é de R$ 1,44 milhão. A pasta não respondeu às perguntas sobre a evolução da pesquisa.

Fonte: Notícias ao Minuto

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/03/27/a-verdade-sobre-a-cloroquina-e-a-hidroxicloroquina/

Entenda o que é o IFA das vacinas e como ele é produzido

Depois do atraso, da apreensão e dos imbróglios diplomáticos, a matéria-prima que vai permitir que o Brasil expanda sua campanha de vacinação contra o coronavírus finalmente começou a chegar ao país.

Veja também: Vitamedic rebate Merck sobre uso da ivermectina

É o tão falado IFA (Insumo Farmacêutico Ativo), sigla industrial que está na boca do povo no último mês. Ele desembarcou na quarta (3) no Instituto Butantan, em São Paulo, e chegou neste sábado (5) à Fiocruz, no Rio de Janeiro.

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Por enquanto, os dois laboratórios só estão usando insumos e imunizantes que já vieram prontos da China ou da Índia. No segundo semestre, porém, ambos planejam terminar de adaptar suas fábricas e começar a produzir suas próprias matérias-primas do zero.

Em resumo, o IFA é o principal ingrediente da receita. “Ele é o fermento que faz o bolo crescer. Sem ele, sobraria só farinha, açúcar e corante”, metaforiza Norberto Prestes, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi).

Cada vacina ou medicamento tem seu IFA, que também depende de outras substâncias para ser ingerido e fazer o corpo reagir. “Se eu não colocar os ingredientes certos, o fermento não vai funcionar. Não se toma um princípio ativo isolado”, complementa Prestes.

No caso dos medicamentos em geral, o IFA é feito do petróleo -que é transformado por um processo de química fina. Já os imunizantes têm como base elementos biológicos: o próprio vírus, por exemplo.

A Coronavac e a vacina da AstraZeneca/Oxford têm princípios ativos distintos, que são produzidos por empresas distintas, a Sinovac e a Wuxe, ambas na China. Os insumos, porém, passam por processos parecidos.

A primeira etapa é fazer o vírus se reproduzir. Para isso, ele é introduzido em células animais (de rim de macaco no caso da Coronavac). Essas células, por sua vez, também são introduzidas em um meio de cultura com nutrientes, sais e PH ideais para que se repliquem.

“A multiplicação da célula e do vírus acontecem ao mesmo tempo”, explica Tiago Rocca, gerente de parcerias estratégicas do Butantan. “O vírus sempre vai precisar de uma célula hospedeira, quase sempre animal. Nas vacinas de influenza e de febre amarela, é o ovo embrionado. Na vacina de HPV ou hepatite, é um fungo.”

Esse processo demanda o uso de biorreatores, grandes caldeirões que “cozinham” a substância e ainda estão sendo comprados pelos laboratórios. Eles são descartáveis, como um filtro de café: depois de produzir um lote de vacinas, a grande bolsa plástica é descontaminada, incinerada e trocada por uma nova.

É na próxima etapa que os IFAs da Coronavac e da vacina de Oxford se diferenciam. Como a primeira usa o próprio coronavírus como matéria-prima, precisa torná-lo inativo para que ele não infecte o ser humano quando for aplicado (por isso essa técnica se chama “vacina de vírus inativado”).

A inativação é feita utilizando três fatores, segundo Rocca. A adição de agentes químicos, a regulação da temperatura e o tempo. Ele diz que o ciclo demora algumas horas, mas os detalhes não são divulgados por causa do contrato com a farmacêutica.

Já no caso da vacina da AstraZeneca, é usado um adenovírus de chimpanzé que não causa doença em humanos, por isso não é preciso inativá-lo. Ele é um “vetor viral” (outra técnica) inofensivo, que apenas carrega a proteína do coronavírus ao corpo.

Esse momento de lidar com um vírus vivo é extremamente delicado e exige uma série de medidas que impeçam que ele saia daquele ambiente, como vestiários especiais para trocar de roupa e ar-condicionados com filtros, adaptações que o Butantan está fazendo e a Fiocruz já possui.

A fase seguinte para chegar ao IFA é filtrar e purificar essa substância até que sobre apenas o vírus. Isso implica em remover todas as células, o meio de cultura em que elas foram inseridas e os elementos que elas produziram durante sua multiplicação.

Depois, são adicionados a essa matéria bruta os chamados adjuvantes, agentes químicos (hidróxido de alumínio, no caso da Coronavac) que “mostram” o antígeno para o sistema imune do corpo e o estimulam a produzir uma resposta.

“No nosso caso não usamos um transportador, existem algumas vacinas que usam uma molécula para proteger o princípio ativo”, diz Rocco, do Butantan. “A nossa vacina tem ação sistêmica, ou seja, geral no corpo. Há vacinas, como o spray nasal, que começa a estimular os anticorpos primeiro no sistema respiratório.”

Agora o IFA está pronto. As últimas etapas são dilui-lo em uma “água para injetáveis” (por isso poucos litros do princípio ativo podem produzir uma grande quantidade de doses), envasá-lo, rotulá-lo e inspecionar sua qualidade. Esses são os únicos processos que estão sendo feitos no Brasil por enquanto, até que a tecnologia seja importada.

Mas iniciativas brasileiras para desenvolver vacinas com um IFA 100% nacional estão em curso. Uma das mais avançadas é a da empresa Farmacore, em parceria com a americana PDS Biotech e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP). Ela está finalizando a fase pré-clínica e deve começar o ensaio em humanos até junho.

“Usamos uma técnica mais simples porque não exige trabalho com vírus vivo nem inativado. Usamos um pedaço de uma proteína do coronavírus e um meio de cultura que não tem origem animal. Só exige biorreatores, que são fermentadores grandes”, diz Helena Faccioli, diretora da Farmacore.

O país hoje só produz 5% de todos os insumos farmacêuticos que consome, percentual que era de 55% nos anos 1980. “O grande aprendizado da pandemia foi: é preciso investir sem interrupções para expandir e diversificar a produção. São 210 milhões de habitantes, não dá para sermos tão dependentes”, diz Norberto Prestes, da Abiquifi.

Fonte: Notícias ao Minuto

Ricos em jatinhos levaram Covid-19 para Trancoso, Arraial D’Ajuda, Caraíva

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Ao longo de 2020, a moradora de Porto Seguro (BA) Firmiana Martins de Jesus Santos, de 64 anos, passou oito meses em quarentena na tentativa de se proteger da Covid-19. Diabética e hipertensa, deixou de trabalhar como cozinheira em um hotel da cidade, mas não conseguiu ficar parada em casa: criou um pequeno negócio de produção e venda de massas artesanais.

Em dezembro, quando a alta temporada de verão se iniciava no município, que tem o turismo como principal atividade econômica, Firmiana decidiu voltar ao trabalho.

Segundo uma de suas filhas, entre seus objetivos estava o de juntar dinheiro para comprar um carro que lhe permitisse entregar seus produtos nas casas dos clientes. “Ela estava animada em trabalhar para ela mesma, porque estava dentro de casa, produzindo, e o dinheiro estava entrando. Porém estava triste porque não conseguia fazer as entregas, não queria cobrar do cliente, mas também não tinha como pagar o delivery”, contou à Agência Pública.

Após retomar o posto de cozinheira do hotel no centro da cidade, no início de janeiro, Firmiana começou a apresentar sintomas de Covid-19 e testou positivo para o coronavírus. Dias depois, passou a se sentir mal e foi levada até uma das UPAs do município, onde ficou internada porque parte do pulmão foi comprometido. Em seguida, veio outra complicação em decorrência da doença, uma isquemia intestinal – basicamente, a redução do fluxo sanguíneo no intestino delgado por conta de coágulos ou trombos, que provocou necrose e, por consequência, afetou funcionamento de seu órgão em cerca 90%.

Agora, Firmiana está sedada e entubada em um hospital público na sede de Porto Seguro, e seu quadro é considerado praticamente irreversível pelos médicos. Embora saibam que seu estado de saúde é delicado, os familiares tentam transferi-la para São Paulo, na remota esperança de que ela faça um transplante de intestino. “Enquanto ela respira, a gente tenta. Não conseguimos ficar de braços cruzados”, afirma a filha. Ela suspeita que a mãe possa ter se infectado no trabalho, pois recebeu notícias de que outros funcionários do hotel também tiveram sintomas.

“Ontem, vivendo essa angústia diária, passei por uma avenida da cidade e vi que as pessoas vão para o bar muito tranquilamente, despreocupadas, destemidas, ninguém com mascara”, desabafa. “A gente sabe que as pessoas precisam trabalhar, que precisam ver girar o dinheiro, mas acredito que com ordem a gente consegue controlar. Não dá pra achar que tudo acabou, simplesmente não usar máscara e fazer as coisas de qualquer maneira.”

Jatinhos e aglomeração

Firmiana vive na mesma Porto Seguro cujas ruas, praias e restaurantes foram palco de aglomerações e cenas de turistas circulando sem máscaras entre o fim de 2020 e os primeiros dias de 2021.

Um mês após a época de festas ,

nossa reportagem fez um levantamento que indica que a cidade do Sul da Bahia viveu, nas primeiras semanas de 2021, o segundo pior período da pandemia em relação a novos casos de Covid-19. Dados do Ministério da Saúde indicam que a segunda e terceira semanas de janeiro estão entre as quatro piores em média de novos casos, perdendo apenas para a última quinzena de julho de 2020, que teve as maiores médias desde que o coronavírus chegou a Porto Seguro, em março do ano passado.

Aeroporto em Trancoso, na Bahia, teve congestionamento de aeronaves durante o fim do ano

Os três mais badalados e famosos distritos litorâneos do município, que protagonizaram vídeos de festas publicados nas redes sociais, também viram a pandemia recrudescer. A média de novos casos da doença em Arraial D’Ajuda e Trancoso na segunda semana de 2021 é a maior desde o início da epidemia, com cerca de cinco e quatro novos casos diários, respectivamente. Já Caraíva atingiu esse patamar na terceira semana de janeiro, com uma média de aproximadamente dois casos por dia.

“A situação das aglomerações tem relação direta com o aumento de casos”, afirma o infectologista Claudilson Bastos, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e secretário da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Ele destaca que, principalmente em ambientes de festa, as pessoas retiram as máscaras e não se lembram de higienizar as mãos com álcool gel, o que acaba facilitando a transmissão.

A médica Maria Glória Teixeira, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Ufba), diz que “a possibilidade de circulação do vírus nesses espaços é imensa”, pois “o ambiente ideal para ele se transmitir é quando a gente se aglomera, quando ficamos próximos uns dos outros”. “Era esperado que, em duas semanas, haveria um aumento dos casos de Covid [em Porto Seguro], e isso de fato aconteceu”, destaca.

A alta dos casos de Covid-19 é ainda mais alarmante diante da elevada taxa de ocupação das UTIs na cidade. A prefeitura informou que são 28 leitos de terapia intensiva destinados a pacientes com a doença, mas apenas oito deles ficam de fato em Porto Seguro, em um hospital no centro do município; os outros vinte estão a cerca de 64 quilômetros, na vizinha Eunápolis. Até ontem (31), 82% desses leitos estavam ocupados. Segundo dados disponibilizados pela prefeitura, desde 1º de janeiro, em apenas três dias a taxa de ocupação ficou abaixo dos 80%, patamar considerado “crítico” pela Fiocruz.

Ainda conforme o MS, o número de internações em UTI de moradores de Porto Seguro por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) decorrente de Covid-19 chegou a seis na segunda semana de janeiro. Somente a segunda semana de setembro de 2020 havia apresentado o mesmo número, que até hoje é o maior registrado para o município pela base do SUS.

Justiça proibiu, mas teve festa mesmo assim

Tanto na imprensa quanto em perfis criados no Instagram para denunciar festas de fim de ano, pipocaram imagens de grandes reuniões de pessoas em Arraial D’Ajuda, Trancoso e Caraíva, alguns dos destinos turísticos mais procurados do país para o réveillon. Nos últimos dias do ano, o céu de Trancoso chegou a ficar congestionado pelos jatinhos que transportavam visitantes de classe alta até a praia paradisíaca. Foi lá também que a polícia desmobilizou um evento para mais de 500 pessoas na casa da cantora Elba Ramalho, realizada por um empresário que havia alugado o imóvel para passar o fim de ano.

No apagar das luzes de 2020, em 29 de dezembro, uma desembargadora da Justiça da Bahia proibiu de vez as festas em estabelecimentos de Porto Seguro até 4 de janeiro. Um dia antes, um juiz da Comarca de Porto Seguro havia acatado o pedido judicial feito por duas pousadas, um restaurante e uma produtora de eventos da cidade e liberado os eventos com até 200 pessoas.

No início de dezembro, o governador da Bahia, Rui Costa (PT) havia publicado decreto que desautorizava qualquer celebração, pública ou privada, em todo o estado até o fim de janeiro. No entanto, Jânio Natal (PL), prefeito eleito em novembro pela população de Porto Seguro, dava declarações no sentido contrário. “A cerimônia de posse nossa será possivelmente a zero hora e um minuto [do dia 1º de janeiro]. Vou baixar um decreto e a partir de uma hora da manhã e todas as casas de eventos de Porto Seguro estarão liberadas para fazer o réveillon”, disse em vídeo ainda naquele mês.

Na prática, o posicionamento do prefeito foi o que sobressaiu. Só entre 28 de dezembro e 3 de janeiro, a Polícia Militar baiana anunciou ter desmobilizado 70 festas irregulares apenas em Porto Seguro, sendo que a maioria ocorreu em Trancoso e Arraial D’Ajuda, segundo a própria PM.

O problema é que, com o município lotado, a fiscalização às celebrações privadas não garantiu o fim das aglomerações. Em Caraíva, por exemplo, os turistas ocuparam as ruas e fizeram suas próprias festas a céu aberto, animadas pelo som de vários veículos e quase sempre sem uso de máscaras. “Quando proibiram a realização de eventos e permitiram a entrada de uma quantidade de pessoas absurda aqui dentro, o mínimo que poderiam ter feito é promover segurança sanitária: colocar barreira, fazer teste nas pessoas que querem vir, fazer um controle”, declara Agricio Ribeiro de Lemos, dono de uma pousada e de uma casa de forró que ficou fechada durante todo o período de fim de ano. “Mas não fizeram nada disso, simplesmente jogaram um decreto e disseram ‘é dessa forma que vai ser’.”

Moradores dos três distritos afirmaram que não houve fiscalização ostensiva por parte da Polícia Militar impedindo que essas aglomerações se formassem nas ruas. Procuradas, nem a Secretaria de Segurança Pública da Bahia tampouco a Prefeitura de Porto Seguro se posicionaram sobre o assunto.

Em Caraíva, “saúde precária” e falta de testes RT-PCR

A professora Julia Spindel, de 33 anos, moradora de Caraíva, integra o grupo de infectados pelo coronavírus durante o período de alta temporada. Em dezembro e janeiro, normalmente trabalha como garçonete em um restaurante no distrito. Ela contou que “tomava todos os cuidados, trabalhava de máscara e passava álcool em gel o tempo todo”. Ainda assim, considera a possibilidade de ter contraído o vírus no emprego, já que um de seus colegas apresentou sintomas da doença pouco antes dela. Depois de ter febre e sentir cansaço e falta de ar, foi a um hospital na região central de Porto Seguro, onde chegou a ficar internada em um leito clínico. “Agora estão brotando casos em todo o canto por aqui”, aponta Julia, que tem sentido a pandemia fechar o cerco no vilarejo. “É claro que tem a ver com a lotação, é muita gente de fora.”

Com população de aproximadamente mil habitantes que chega até 8 mil durante o final do ano, Caraíva tem menos moradores que Arraial D’Ajuda, com cerca 17 mil, e Trancoso, que tem por volta de 11 mil, segundo dados de 2010 do IBGE. O vilarejo, distante 61 quilômetros da sede de Porto Seguro, conta com uma Unidade Básica de Saúde (UBS), mas não com Unidade de Pronto Atendimento (UPA), e por isso não tem estrutura para prestar atendimento de urgência. Além disso, não dispõe de uma ambulância com estrutura paramédica para transportar pacientes que precisam de transferência ao hospital mais próximo, no centro da cidade. Além do serviço de saúde insuficiente, os moradores relataram que faltam testes RT-PCR – aqueles que identificam se a pessoa está com o vírus no momento – para a população local, o que pode provocar a subnotificação de casos.

Por conta dos problemas na infraestrutura sanitária e já prevendo o alto fluxo de turistas no fim de ano, a comunidade tentou implementar medidas de segurança. “A gente tentou criar uma estrutura que ficasse do outro lado do rio [para chegar à Caraíva, é preciso fazer a travessia] para que se testasse as pessoas na chegada”, conta Maria Beatriz Paiva, da Rede de Apoio à Saúde de Caraíva, organização de voluntários criada em meio à pandemia para auxiliar a comunidade em questões relacionadas à saúde. “Só que, como não podíamos esbarrar no direito de ir e vir das pessoas, se alguém testasse positivo lá, a gente não poderia mandar a pessoa embora”, explica. No fim das contas, os turistas puderam entrar livremente no vilarejo.

Martim Arantes, membro do Conselho Comunitário e Ambiental de Caraíva e dono de uma hospedagem no distrito, afirma que, entre o Natal e os primeiros dias de janeiro, o público que frequenta o local tem “faixa etária de 25 a 40 anos, com poder aquisitivo alto” e vem, sobretudo, do Sudeste. De acordo com ele, essas pessoas chegam atraídas pela ideia de “paraíso”, que é problemática, em sua avaliação. “A gente sempre vende essa ideia do paraíso. Aqui não é um paraíso, aqui é um lugar com ausência de poder público, que não tem saneamento básico, com educação e saúde precárias”, salienta. “Se é um paraíso onde se pode tudo e estamos vivendo uma pandemia, na hora em que a pessoa atravessa o rio, passa a não existir nada disso. Aqui não existe uma população que pode ficar doente, não existem problemas com o poder público, então ‘eu posso fazer o que quero’.”

Até o fechamento da reportagem, a Prefeitura de Porto Seguro não se posicionou sobre as queixas dos moradores de Caraíva.

Diversas ocorrências de festas irregulares foram registradas no fim de 2020 em Porto Seguro

Moradores de Arraial D’Ajuda e Trancoso relatam medo de sair de casa

Em Arraial D’Ajuda e Trancoso, a 7 e 35 quilômetros da sede de Porto Seguro, respectivamente, a situação foi a mesma, com grande movimento no final de ano. Para Yuri Atilio Oliveira, de 34 anos, a intensa circulação de pessoas em Arraial foi um dos fatores determinantes para que ele contraísse Covid-19 no início do mês enquanto trabalhava na pequena pizzaria da qual é proprietário. Isso porque, mesmo atendendo os clientes apenas por delivery, um de seus dois funcionários apresentou sintomas pouco antes do mesmo acontecer com ele.

No distrito há apenas uma UPA, à qual Yuri decidiu ir quando começou a sentir febre e dores na garganta. Lá não conseguiu realizar um teste, passou apenas por uma consulta na qual recebeu um “kit-Covid” com medicamentos como ivermectina, cuja eficácia contra a Covid-19 não tem confirmação científica. Para saber se de fato estava com o vírus, precisou recorrer a um laboratório particular, e, assim que testou positivo, se isolou, o que não foi novidade para ele, que já evitava ao máximo sair de casa por morar com os pais idosos. “Eu estava bastante receoso, com medo de pegar. Foi o primeiro réveillon em que não saí, passei em casa dormindo, nem fui para a rua”, narra.

Moradora de Arraial D’Ajuda há mais de trinta anos, Indi Carolina Oliveira, dona de uma pousada no local, diz que, durante a temporada de festas, precisou solicitar aos hóspedes que usassem máscaras. Em um desses episódios, no início de janeiro, os clientes, uma família, decidiram deixar o estabelecimento após o pedido. “Falei para ela colocar a máscara, ela não gostou e disse que ia chamar a polícia”, conta. “Devolvi o dinheiro e eles foram embora. Não precisaria ter que falar isso, todo mundo deveria já saber.”

Em Trancoso, moradores também relataram terem evitado sair de casa ao longo dos dias mais lotados com medo das aglomerações nas ruas. “Eu particularmente tinha medo até de ir no mercado”, diz a assistente social Aline Massoni. ”A gente se trancou para os turistas virem. A população local, quando possível, ficou trancada, e quando não, ficou em risco.”

Para Maria Glória Teixeira, as consequências mais graves das aglomerações vistas no fim de 2020 e começo de 2021 em Porto Seguro recaem sobre quem fica, já que “a população local mais vulnerável sempre é mais atingida, porque adoece e não tem assistência médica adequada”. Ela frisa, entretanto, que as implicações do desrespeito ao distanciamento social e ao uso de máscaras podem extravasar as fronteiras do município. “Os casos não só aumentaram em Porto Seguro e nos distritos, como muitas pessoas que estiveram ali se contaminaram e levaram o vírus para outras cidades e mesmo para o exterior”, pontua.

A epidemiologista aponta que teria sido possível aliar a prática do turismo às medidas de prevenção à Covid-19 se uma condição básica tivesse sido respeitada. “Primeiro teria que limitar o número de pessoas entrando na cidade – o que seria difícil –, depois promover distanciamento nas praias e proibir festas”, analisa. “Mas com a cidade apinhada de turistas, o resto seria tapar o sol com a peneira.”

Metodologia da análise de dados

Para os cálculos de média diária de novos casos por semana epidemiológica em todo o município de Porto Seguro, utilizamos os dados do Painel Coronavírus do Ministério da Saúde. Para o mesmo cálculo nos distritos de Trancoso, Arraial d’Ajuda e Caraíva, levantamos os dados a partir dos boletins epidemiológicos diários divulgados pela Prefeitura de Porto Seguro.

Os dados de internação em UTI de pacientes com SRAG decorrente de Covid-19 foram filtrados do banco de dados de Síndrome Respiratória Aguda Grave de 2020 e 2021, também do Ministério da Saúde, a partir do município de residência.

Fonte: Jornais Virtuais

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Campanhas do governo federal não focam prevenção contra Covid-19, diz TCU

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O governo federal gastou a maior parte dos recursos destinados a campanhas publicitárias de enfrentamento à Covid-19 na divulgação de medidas econômicas, e não em informações sobre prevenção da nova doença.

A conclusão consta de relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) que analisou gastos da Secom (Secretaria de Comunicação), do governo Jair Bolsonaro (sem partido), no ano passado.

Dos R$ 83,6 milhões gastos em campanhas publicitárias para a pandemia, apenas R$ 800 mil foram usados em uma ação para divulgar informações sobre o coronavírus, como prevenção, sintomas e medidas a serem adotadas em caso de suspeita de contágio.

O restante do dinheiro foi gasto em campanhas para mostrar ações do governo voltadas para a retomada econômica. Foram cinco peças publicitárias, no total de R$ 82,8 milhões, com informações “para amenizar os impactos sociais e econômicos causados pelo isolamento social”.

A Secom afirmou, em nota, que as campanhas foram feitas para divulgar “ações adotadas pelo governo federal nas diversas áreas de atuação”.

Uma das campanhas, com valor de R$ 5,3 milhões, tinha como mote “trabalhar para proteger a vida e os empregos”. “Esse é o nosso compromisso”, dizia o narrador no vídeo, com imagens mostrando ruas vazias em cidades brasileiras.

Além disso, a peça também anunciava outras medidas adotadas por Bolsonaro, como o investimento de R$ 16 bilhões na compra de respiradores, ventiladores pulmonares, equipamentos de segurança e medicamentos.

O Ministério da Cidadania gastou R$ 35 milhões, enviados pela Secom, em uma única campanha. A pasta cuida de temas sociais do governo, como auxílio emergencial e Bolsa Família.

Segundo o relatório do TCU, foram veiculadas na televisão aberta 422 inserções de filmes de 30 segundos e 22 ações de merchandising de 60 segundos.

O governo explicou ao tribunal de fiscalização que a campanha foi feita com o objetivo de “demonstrar o compromisso do governo com o desenvolvimento de ações que visem o bem-estar e proteção social da população”.

Foram selecionadas 15 emissoras religiosas e 7 do agronegócio, que, segundo a Secom, possuíam a maior cobertura dentro dos segmentos.

Outra campanha, que também divulgou ações do governo, custou R$ 30 milhões, e desta vez em repasses feitos ao Ministério da Saúde. Até mesmo nesse caso medidas de prevenção contra o novo coronavírus não foram o foco.

As ações foram destinadas a promover programas do governo para a retomada das atividades econômicas. A justificativa foi “renovar as esperanças do brasileiro para que voltem a acreditar no Brasil com otimismo”.

Não houve prestação de contas do resultado da campanha por parte da Secom ao TCU.
Na única campanha feita para divulgar informações relevantes à população sobre o novo coronavírus, realizada em março de 2020, o tribunal destacou possíveis irregularidades.

O relator do processo, ministro Vital do Rêgo, disse que “chama a atenção” o fato de que a campanha teve um custo de R$ 800 mil “apenas com a elaboração do material a ser divulgado, pagos à agência de publicidade escolhida”.

“A divulgação desse material ocorreu de forma voluntária pelos veículos de divulgação que se interessaram pelo conteúdo e que aderiram à causa de enfrentamento da pandemia da Covid-19”, disse.

A campanha foi veiculada em redes de televisão (abertas, fechadas e religiosas), rádios, redes sociais e sites de entretenimento, como de games.

Em nota, a Secom afirmou que a campanha sobre formas de prevenção, principais sintomas e que medidas precisam ser adotadas em caso de suspeita de contágio custou R$ 638.954 dos R$ 800 mil empenhados.

De acordo com a secretaria, a veiculação das peças produzidas ocorreu sob a “forma pró-bono, por adesão voluntária de veículos de divulgação que se interessaram pelo conteúdo da ação, considerando o assunto de interesse geral e ainda pouco conhecido naquela ocasião”.

“Desse modo, entendemos que não há que se falar que ‘não houve checagem ou simulação dos resultados’. Os resultados existem a partir da simulação do que se teria pago, caso a veiculação não tivesse sido por adesão voluntária dos veículos que participaram”, disse a Secom.

Em março do ano passado, a Justiça Federal no Rio de Janeiro chegou a suspender a campanha publicitária “O Brasil não pode parar”. Ela criticava o isolamento social como estratégia para o combate à Covid.

A medida foi tomada sob o argumento de que a campanha colocava em risco o direito constitucional da população à saúde.

A peça foi publicada no perfil oficial do governo federal no Instagram e dizia que o distanciamento deveria se restringir apenas aos idosos, grupo de risco da doença.

Diante das campanhas da Secom, técnicos do TCU concluíram no relatório que o perfil de gastos do governo federal com o combate à pandemia “indica uma opção política” em priorizar a proteção econômica, assim como na gestão Donald Trump nos EUA.

Além disso, eles afirmaram que a postura da gestão Bolsonaro permite inferir haver priorização na manutenção de funções essenciais de suporte à sociedade, “tais como a cadeia logística de alimentação e da infraestrutura”.

A Secom, por sua vez, afirmou que os trabalhos publicitários foram feitos para divulgar ações em “saúde, economia, infraestrutura, ciência e tecnologia, na assistência social, entre outras, com o objetivo de atenuar os efeitos da crise provocada pela pandemia”.

“Por fim, vale ressaltar que as ações realizadas pela Secom não totalizam todas as ações de comunicação com a temática da emergência sanitária decorrente da pandemia provocada pelo novo coronavírus, tendo o assunto sido objeto de campanhas também de outros órgãos de governo, a exemplo dos Ministérios da Saúde, da Cidadania e do Turismo”, afirmou a Secom.

Fonte: Plantão Da Hora

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Com Programa do Glaucoma, Governo do Estado realiza mais de 38 mil atendimentos

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O Governo do Maranhão realizou mais de 38 mil atendimentos com o Programa do Glaucoma em 2020. A ação da Secretaria de Estado da Saúde (SES) contabilizou 38.946 atendimentos, alcançando todos os 217 municípios maranhenses, distribuídos nas 19 Regionais de Saúde. Através do programa, o poder público estadual oferece gratuitamente à população, consultas e medicamentos para tratamento da doença que pode levar à cegueira.

A programação de 2021 teve início em municípios das regionais de saúde de Santa Inês e Pinheiro. Em fevereiro, serão contempladas com as ações cidades nas regionais de São João dos Patos, Presidente Dutra e Bacabal.

“A gestão do governador Flávio Dino tem como meta transformar a realidade do povo maranhense por meio da garantia de direitos e do acesso a uma saúde pública de qualidade. Desde 2015, essa tem sido a nossa missão, a de cuidar das pessoas, mostrando um SUS que dá certo, é acessível, resolutivo e de qualidade. Os investimentos no Programa do Glaucoma demonstram concretamente essa nossa preocupação em promover o acesso aos serviços de saúde”, disse o secretário de Estado da Saúde, Carlos Lula.

Para tornar o programa mais dinâmico, a SES optou por executar um cronograma cuja rotina de consultas ficou estabelecida de 3 em 3 meses. Seguindo essa proposta, a Região Metropolitana foi a que mais foi beneficiada com consultas nos 4 trimestres do ano, totalizando 25.856 atendimentos.

A segunda região que mais recebeu as ações do programa foi Pedreiras, com 1.429 atendimentos, seguida de Itapecuru (1.284), São João dos Patos (1.184) e Santa Inês (1.175).

Em razão do ano atípico que foi o de 2020, devido ao cenário ainda presente de pandemia da Covid-19, o Governo do Estado reorganizou a dinâmica de atendimentos e entrega de farmacológicos para tratamento. Todas as entregas seguiram as regras de distanciamento, sempre respeitando os protocolos de prevenção à Covid-19.

Fazem parte do público-alvo do programa os indivíduos com mais de 40 anos, além de pacientes com alto grau de miopia e diabéticos.

Glaucoma

O Glaucoma é uma doença silenciosa que, se não for diagnosticada de forma precoce, pode vir a levar à cegueira. Caracterizada pelo aumento da pressão intraocular, a doença possui dois tipos: o de ângulo aberto e o de ângulo fechado. A enfermidade não possui cura, mas pode ser tratada e controlada com colírios, laser e, em último caso, cirurgia. Com o acompanhamento médico e uso das medicações evita-se a perda da visão, uma vez que a pressão do olho é estabilizada.

Fonte: O Maranhense

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Anticorpo de infecção de 2003 revela ‘calcanhar de Aquiles’ do coronavírus

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Um grupo de cientistas identificou um anticorpo que poderia ser usado para prevenir e tratar a COVID-19, bem como outras doenças respiratórias causadas por vírus similares ao SARS, segundo estudo publicado na revista Science. A pesquisa é baseada na hipótese de que a “memória” do sistema imunológico de uma pessoa que tenha superado anteriormente algum outro tipo de infecção por coronavírus, como o SARS-CoV-1 ou o MERS-CoV, poderia ser utilizada para criar remédios eficazes no combate à pandemia

Fonte: Positro News

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Bolsonaro é considerado o primeiro líder político antivacina da história

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O presidente Jair Bolsonaro, é o único líder político da história a desencorajar a vacinação, afirma o historiador francês Laurent-Henri Vignaud, ele é autor do livro Antivax – Resistência às vacinas do século 18 aos dias de hoje e professor da Universidade de Borgogne.

Veja também: Projeto permite quebra de patente de vacinas, testes e remédios para covid-19

“É possível que Bolsonaro seja um exemplo único. Não saberia citar outro”, disse à BBC News Brasil o historiador, que retraçou em seu livro a história dos movimentos antivacinas desde o desenvolvimento do primeiro imunizante, contra a varíola, realizado pelo médico inglês Edward Jenner em 1796.

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Após uma queda nas pesquisas de opinião, Bolsonaro mudou o tom de seu discurso em relação às vacinas contra covid-19, mas passou meses, durante a pandemia, fazendo abertamente comentãrios que desestimulavam a imunização criando dúvidas em relação a sua eficácia para combater a covid-19, que já matou mais de 226 mil pessoas no país.

Além de destacar que a vacina seria perigosa, o presidente brasileiro questionou sua eficácia em diversas ocasiões e chegou a criticar a pressa para comprar o imunizante contra o novo coronavírus. Ele descartou a possibilidade de tomá-lo.

Apesar dos progressos científicos desde as descobertas do inglês Jenner e do francês Louis Pasteur — que criou no final do século 19 a primeira vacina humana com vírus atenuado, a anti-rábica — movimentos contrários à imunização perduram e ganharam força na atual pandemia.

Vignaud afirma que grupos de teorias conspiratórias, que não se interessavam por discussões sobre vacinas, acabaram aproveitando a pandemia para roubar o espaço de movimentos antivacinas tradicionais para difundir teses delirantes.

O historiador francês Laurent-Henri Vignaud, autor do livro “Antivax – Resistência às vacinas do século 18 aos dias de hoje” – Imagem: Arquivo pessoal

Na época em que o Instituto Pasteur foi inaugurado, em 1888, em Paris, os antivacinas alegavam que o local era uma “fábrica de vírus”, onde se produziam doenças.

Esse mesmo tipo de alegação ressurgiu na pandemia de covid-19, com teorias conspiratórias que especulam que a doença foi inventada para fabricar vacinas que teriam como finalidade controlar ou até mesmo matar grande parte da população.

Para o historiador, imunizantes com novas tecnologias também tornam os discursos antivacinas mais populares, já que há maior interesse sobre o assunto.

Vignaud afirma também que os governos devem refletir sobre a necessidade de divulgação de esclarecimentos sobre as vacinas e que as autoridades mundiais de saúde “foram completamente ultrapassadas pelo fenômeno de redes sociais, onde não se controla mais nada.”

O especialista em movimentos antivacinação afirma que historicamente já ocorreram episódios em que Estados e laboratórios adaptaram os dados sobre vacinas para embelezá-los. “Isso é catastrófico. Cada vez que um governo ou laboratório dissimula, há uma enorme perda de confiança”, ressalta.

Vignaud afirma ainda que crises políticas e a desconfiança em relação às instituições e discursos de autoridades refletem o grau de aceitação dos imunizantes. “É possível analisar a crise política de um país observando a taxa de confiança nas vacinas.”

Segundo ele, “as vacinas são vítimas de seu sucesso”, já que quanto mais as doenças regridem, mais se procura levantar os poucos casos em que há efeitos colaterais.

Há quem chegue até mesmo a inutilizar as tão disputadas doses contra a covid-19. Nos Estados Unidos, um farmacêutico de um hospital em Wisconsin destruiu propositalmente mais de 500 doses do imunizante da Moderna, deixando os frascos fora da geladeira por horas.

Segundo autoridades federais, o homem, adepto de teorias da conspiração, achava que as vacinas causariam problemas, tornando as pessoas inférteis e também implantaria microchips em seus corpos.

A seguir, os principais trechos da entrevista de Laurent-Henri Vignaud:

BBC News Brasil: Durante meses o presidente Jair Bolsonaro adotou um discurso antivacina, desestimulando a imunização contra a covid-19. Já houve na História um chefe de Estado abertamente contra a vacinação em plena pandemia?

Laurent-Henry Vignaud: É possível que o presidente Bolsonaro seja um exemplo único. Eu não saberia citar outro líder espontaneamente. É uma situação excepcional, infelizmente para os brasileiros.

Mesmo quem tinha opiniões contra vacinas, ao chegar ao poder passava a defender a imunização. Em termos históricos, o que vimos são chefes de Estado e de governo que se engajam a favor das vacinas e que defendem os progressos da medicina e da imunização.

De Napoleão Bonaparte, que quis vacinar suas tropas, ao prefeito de Nova York, nos anos 40, que tomou vacina diante de fotógrafos durante uma epidemia de varíola na cidade para incentivar os habitantes a fazer o mesmo, em geral os governantes seguiram os discursos pró-vacina.

Isso ocorreu mesmo em contextos coloniais ou pós-coloniais, onde os líderes nacionalistas viam as vacinas como uma medicina de brancos, importada, como no caso da Índia. Mahatma Gandhi, escreveu, nos anos 20 e 30, textos virulentos contra as vacinas. Quando o território conquistou a Independência, em 1947, o país implementou rapidamente campanhas de vacinação. Nos anos 50 e 60, há um entusiasmo em relação aos avanços da medicina. Isso fez com que praticamente nenhum líder dissesse não às vacinas.

Mesmo durante o conflito Leste-Oeste foi assim. Na época da Guerra Fria, quando existia o risco de apertar o botão nuclear, os países do Leste aceitavam a entrada de médicos de organizações humanitárias ocidentais e da Organização Mundial da Saúde para realizar campanhas de vacinação contra a poliomielite e a tuberculose. Esses países travavam uma disputa contra os Estados Unidos, mas deixavam entrar em seus territórios médicos americanos para vacinar a população.

BBC News Brasil: O presidente Bolsonaro chegou a dizer em tom jocoso que as pessoas poderiam ter problemas como virar jacaré, ao comentar possíveis efeitos colaterais da vacina da Pfizer/BioNTec. É o mesmo tipo de argumento utilizado pelos primeiros movimentos antivacinas há mais de 200 anos?

Vignaud: Ele disse isso? É incrível. Realmente esse é um discurso contra a vacina muito antigo, do final do século 18. Afirmava-se que o homem se transformaria em animal por causa do imunizante. Caricaturas da época da vacinação contra a varíola mostravam vacas que saíam de braços humanos e também vacas que cuspiam pessoas vacinadas.

BBC News Brasil: Esse discurso do presidente brasileiro martelado durante meses pode reforçar os movimentos antivacina e influenciar a campanha de vacinação no Brasil?

Vignaud: A atitude de chefes de Estado é muito importante. Há pessoas indecisas e quando o líder diz que é isso ou aquilo, eles tendem a seguir. Não sei se terá uma influência sobre a campanha de vacinação, mas é certo que isso não a favorece. Há uma real urgência e os brasileiros estão traumatizados pelas imagens de sepulturas a perder de vista e de calamidades como em Manaus, além da nova variante do vírus. Acho que isso deve suscitar nos brasileiros uma grande vontade de tomar a vacina.

Os líderes considerados populistas não saíram ilesos durante esse ano de pandemia. Penso que o ex-presidente americano, Donald Trump, perdeu as eleições em parte por causa disso. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, soube se adaptar, mas será complicado para ele, sobretudo porque há uma forte evolução da pandemia no país.

Para esse tipo de líder, a gestão da urgência é algo complicado. Como geralmente funciona na base de declarações não comprovadas, às vezes a realidade se impõe ao discurso simplista.

Agora Bolsonaro mudou o discurso. Eles são obrigados a fazer isso porque estão numa lógica de seguir a vontade do povo. Se deixarem o povo morrer, como aconteceu com Trump, custa caro em termos políticos.

BBC News Brasil: Diferentemente de Bolsonaro, o ex-presidente americano Donald Trump fez com que a vacinação contra a covid-19 fosse uma prioridade. Já em março o governo americano anunciou US$ 10 bilhões na compra de imunizantes.

Vignaud: É verdade. Mas Trump foi contra o uso de máscaras e contra o confinamento. Ele defendeu remédios milagrosos, como a hidroxicloroquina. O que é fascinante nesses líderes é que eles ziguezagueiam. Bolsonaro talvez ziguezagueie menos e permaneça mais na sua linha dura. Trump apostou tudo na vacinação

BBC News Brasil: Houve uma grande politização da vacinação contra a COVID-19 no Brasil, que acabou sendo usada como estratégia para as próximas eleições presidenciais.

Vignaud: Não é raro politizar. Países podem declarar que preferem tal vacina de certo país. A concorrência entre vacinas de diferentes países é algo frequente. O que é raro é que isso resulte em um verdadeiro discurso contra a vacina por parte do presidente.

BBC News Brasil: Como o discurso de movimentos antivacina evoluiu? Há semelhanças entre os argumentos utilizados hoje e o que era dito no final dos séculos 18 e 19, quando surgiram as vacinas contra a varíola e a raiva?

Vignaud: Não são exatamente os mesmos argumentos, mas as ideias principais são retomadas. Entre as teses que fundamentam a desconfiança em relação às vacinas, há os princípios religiosos: considera-se que a doença é um dom divino e que não se deve ir contra isso, já que é Deus quem decide submeter a pessoa a um teste ou aplicar uma punição. Outro argumento é a forma laica. Ele consiste em substituir a vontade de Deus pelas leis da natureza. A doença, nesse caso, é considerada como algo necessário para reforçar o organismo. A medicina é então vista como algo que não é natural. É por essa razão que muitos antivacinas afirmam se cuidar com remédios homeopáticos ou plantas, que para eles seriam tão eficazes quanto os imunizantes.

Há também teorias pseudocientíficas que afirmam que as vacinas não funcionam ou são tóxicas, que elas envenenam porque têm adjuvantes ou ainda que os micro-organismos não são responsáveis pelas doenças, além de questionamentos em relação a tecnologias, como a do RNA mensageiro (dos laboratórios Pfizer e Moderna). Pode-se chegar até a negação da dimensão contagiosa da doença. Um quarto argumento que encontramos ao longo da História e continua muito presente hoje é o político. As vacinas são praticamente o único medicamento que o Estado pode obrigar as pessoas a tomar porque há necessidade de proteger coletivamente.

BBC News Brasil: O senhor conta que houve uma rebelião motivada por essa obrigatoriedade no Brasil.

Vignaud: Houve a célebre revolta da vacina, em 1904, no Rio. Os protestos foram motivados pela campanha de vacinação contra a varíola. As pessoas que se rebelam não têm discursos sobre os perigos da vacina, elas se opõem simplesmente porque a lei as obriga a tomar o imunizante. É uma dimensão da relação entre a autoridade do Estado e o direito do cidadão, a defesa do corpo como algo privado.

BBC News Brasil: Vimos nessa pandemia discursos fantásticos sobre as vacinas contra a covid-19, entre eles o de que a imunização serviria para implantar um chip com tecnologia 5G para monitorar a humanidade. As teorias conspiratórias ganharam mais destaque do que os argumentos históricos desses movimentos.

Vignaud: Essa dimensão complotista no movimento antivacina, historicamente, é bem minoritária. São ultrarradicais que fazem alegações de que a doença foi inventada em laboratório e que esses mesmos laboratórios fabricam uma vacina que só servem para ganhar dinheiro. Ou, ainda mais grotesco, que a vacina teria a finalidade de matar ou controlar a população.

O que ocorreu na atual pandemia de covid-19 é que os movimentos conspiratórios, que passaram a ter visibilidade graças às redes sociais, acabaram engolindo os grupos antivacinas. Os complotistas roubaram o tema das vacinas contra a covid-19 porque eles viram uma grande oportunidade para difundir suas teses. Em um primeiro momento eles divulgaram teorias de que o vírus foi fabricado em laboratório e, depois, recuperaram a temática antivacina.

Eu acompanho na internet contas de militantes antivacinas e vi aparecer, na pandemia, pessoas que eu nunca tinha ouvido falar e que jamais haviam se expressado sobre o assunto. Elas vinham de grupos de teorias da conspiração, do tipo QAnon.

BBC News Brasil: Essas teorias conspiratórias contribuíram para dar notoriedade aos discursos contra vacinas?

Vignaud: Sim. Acredito que os antivacinas históricos, pensam que a sua temática foi roubada. Acho que os moderados desse movimento não apreciam que seus discursos tenham sido deturpados com teorias conspiratórias, com hipóteses totalmente ridículas. O que deveria ser discutido, do ponto de vista dos antivacinas tradicionais, é o perigo dos imunizantes, o fato de que os laboratórios ganham muito dinheiro, entre outros assuntos que eles costumam abordar.

BBC News Brasil: Apesar de todos os progressos científicos realizados desde a primeira vacina, que provaram a eficácia dos imunizantes, por que os grupos contrários à imunização ganham força na atual pandemia?

Vignaud: É certo que o surgimento de novas vacinas, com novas tecnologias, como a RNA mensageiro (Pfizer e Moderna), permite tornar os discursos antivacina populares, já que todo mundo começa se interessar pelos imunizantes, quando normalmente não é o caso.

Como o mundo está obcecado pela doença e pelas vacinas, inevitavelmente os opositores à vacinação ganham audiência.

Observamos, na escala histórica, que períodos de guerras e de pandemias não representam momentos propícios para esses movimentos porque as vacinas suscitam esperanças. Os generais do Exército não querem, obviamente, que os soldados morram de febre tifoide nos campos de batalha. Durante a Primeira Guerra mundial, os discursos antivacinas eram dificilmente abordados porque eram vistos como antipatrióticos, já que havia o risco de perder a guerra por causa de doenças.

Da mesma forma, quando há uma epidemia com muitos mortos, uma crise como vemos hoje com a pandemia de COVID-19, há uma demanda por vacinas em todo o mundo. Todos querem se vacinar e o mais rápido possível.

BBC News Brasil: Apesar da gravidade da situação em vários países, vemos na França, por exemplo, que 20% dos idosos em casas de repouso, grupo de alto risco, não querem se vacinar. Como o senhor explica isso?

Vignaux: Aceitar uma vacina é equilibrar a balança benefício-risco. Como é um medicamento, há sempre o risco de provocar efeitos colaterais, inclusive graves. Se não há doença, somente há o risco.

Antes da pandemia de covid-19, países ocidentais, sobretudo ricos, haviam perdido o hábito de considerar o perigo da doença. Então eles veem apenas os riscos da vacinação. Resumo dessa forma: as vacinas são vítimas de seu sucesso. Quanto mais as doenças regridem, mais se procura criar confusão, ou seja, levantar os poucos casos onde a aplicação da vacina provoca efeitos colaterais.

Se compararmos com países africanos e asiáticos, onde há epidemias regularmente, a taxa de confiança nas vacinas é mais elevada.

BBC News Brasil: A pandemia de covid-19 assola vários países ricos. Isso não serviu para reequilibrar essa balança benefício-risco?

Vignaud: Há outros fatores, como o papel do Estado. Há pessoas que não querem que o Estado lhes diga como proceder. Segundo pesquisas, o perfil psicológico e sociológico das pessoas que se opõem ao uso de máscaras é exatamente o mesmo dos que são contrários às vacinas. Há pessoas que a partir do momento em que o Estado diz que é preciso fazer tal coisa, elas não querem. Outros desconfiam de empresas capitalistas. São pessoas que querem se curar com plantas.

Essas pessoas existem em todas as épocas e estão aí hoje.

A particularidade dessa pandemia é que as vacinas foram desenvolvidas com extrema rapidez, com novas tecnologias no caso dos imunizantes da Pfizer e da Moderna. Tudo isso provoca questionamentos, que podem ser legítimos. Não temos ainda recuo suficiente em relação às vacinas com tecnologia RNA. Há indagações sobre eventuais efeitos colaterais a longo prazo.

BBC News Brasil: Após o início da campanha de vacinação contra a covid-19, em vários países, como o Brasil e a França, há redução no número de pessoas que afirmam não querer tomar o imunizante. É uma questão de comunicação, de destacar os benefícios da vacina?

Vignaud: Há alguns anos na França, quando alguém fazia uma busca no Google para obter informações sobre aborto (autorizado no país), a primeira página de resultados era exclusivamente de sites ligados a grupos extremistas e ultra-religiosos, que desencorajavam a prática do aborto. O Ministério da Saúde francês percebeu que era preciso trabalhar com os motores de busca e com o governo para que as mulheres tivessem acesso a outras informações. Com o movimento antivacinas aconteceu um pouco a mesma coisa.

Os Estados sempre reconheceram a utilidade das vacinas e sempre apoiaram quem desenvolve imunizantes, mas nem sempre tiveram o cuidado de informar, de ser pedagógico a respeito. Por outro lado, os antivacinas sempre estiveram presentes para fazer propaganda, publicar livros com listas de todos os acidentes identificados e comentar o conteúdo de imunizantes que, segundo eles, são tóxicos.

Havia um desequilíbrio entre a comunicação contra e a pró-vacina. Os Estados modernos devem refletir sobre a necessidade de comunicar sobre as vacinas: o que são, para que servem, em quais casos devem ser utilizadas.

BBC News Brasil: Esse desequilíbrio na comunicação tem perdurado?

Vignaud: Há uma recuperação do atraso, iniciada há alguns anos, feita pela imprensa, em termos de vulgarização das informações, principalmente no último ano, por conta da COVID-19. O problema é que as autoridades mundiais de saúde foram completamente ultrapassadas pelo fenômeno das redes sociais, onde não se controla mais nada. Como é um problema mundial, há uma pressão mais forte das autoridades, nos últimos tempos, sobre as plataformas digitais.

O Facebook suprimiu conteúdo antivacina para tentar limitar a difusão de fake news na área da saúde. Na França, segundo estatísticas recentes, mas penso que isso pode se aplicar ao mundo todo, a cada dez notícias falsas, seis são sobre saúde. Entre essas seis, a metade é sobre vacinas.

BBC News Brasil: As políticas públicas têm sido suficientes para lutar contra a desinformação sobre as vacinas?

Vignaud: É necessário que haja informações disponíveis validadas pelas autoridades de saúde. Mas qual é o efeito disso sobre a opinião pública? Penso que isso não mudará a opinião dos antivacinas e eles podem se servir das informações oficiais para dizer que é propaganda do Estado. Mas isso não impede de fazer esse tipo de ação.

Há pessoas que hesitam ou que realmente procuram informações e é preciso que eles obtenham respostas. É o que motiva as campanhas oficiais de comunicação. Na França, estranhamente, nada foi feito até o momento, mas na Itália há uma campanha do governo na TV explicando por que as pessoas devem se vacinar.

BBC News Brasil: Houve inicialmente anúncios confusos sobre a eficácia da vacina Coronavac e da AstraZeneca/Oxford, que nesse caso também apresentou erros de dosagem nos testes clínicos. Qual pode ser o impacto nessas falhas de comunicação?

Vignaud: Desde a origem das vacinas, muitas vezes os Estados e laboratórios adaptaram as estatísticas. Faz parte da história humana não ser um cidadão ingênuo que engole tudo o que ouve. É preciso ficar atento à seriedade e à credibilidade das informações. Em função de certas situações, alguns governos podem querer embelezar os números. Isso é catastrófico. Cada vez que um governo ou um laboratório dissimula algo, há uma perda enorme de confiança. É desastroso no caso das pessoas que buscam informações e não podem confiar nos dados oficiais.

Os antivacinas de hoje adoram confusões com estatísticas. Na Europa há discussões em relação ao caso da Suécia, que não realizou confinamento. Os dados sobre a taxa de mortalidade do país na pandemia são analisados de todas as formas. Para um cidadão comum essas questões são extremamente técnicas. Há um momento em que é preciso acreditar, confiar.

Mas uma parte da opinião pública, na Europa e em outras partes do mundo, não está mais disposta a confiar no discurso das autoridades. Eu digo com frequência que é possível analisar a crise política, país por país, observando a taxa de confiança nas vacinas, que expressa o índice de confiança nos governos e, de maneira mais geral, nas elites, nos cientistas e na imprensa.

Há uma desvalorização do discurso das autoridades. Na França, pesquisas no início dos 90 indicavam que havia 20%, 30% que não confiavam nas vacinas. Em dezembro passado, mais de 50% afirmavam não querer tomar a vacina contra a covid-19. Mas é preciso levar em conta que o imunizante ainda não estava disponível. Esse número caiu depois.

BBC News Brasil: A crise de confiança em relação às instituições e aos discursos de autoridades reforça o movimento contra a vacinação?

Vignaud: A crise política deve ser analisada em um contexto mais global, que diz respeito à preocupação das pessoas em relação ao futuro e a um certo esgotamento nos países democráticos, onde há dificuldades para mobilizar os eleitores. Isso resulta no aumento das taxas de abstenção nas eleições.

Pesquisas feitas na pandemia para situar politicamente as pessoas que não queriam tomar a vacina contra a covid-19 revelaram que boa parte havia votado em partidos extremistas, de direita ou de esquerda, e que os abstencionistas representaram o maior índice dos que são contra o imunizante.

São pessoas que não se interessam mais pelo sistema democrático e não veem mais a necessidade de votar (o voto não é obrigatório na França). É uma crise geral, que é particularmente forte na França, mas isso ocorre em outros países, também emergentes, como o Brasil, com o fenômeno do populismo.

Há ainda a relação, ao longo do tempo, entre o cidadão e os progressos científicos. Nós vivemos atualmente numa situação de angústia mundial, também ligada ao aquecimento global, e isso provoca críticas no que diz respeito à ciência, às autoridades e aos poderes econômicos.

BBC News Brasil: Como surgiram e se estruturam os movimentos antivacinas?

Vignaud: O médico inglês Edward Jenner realizou seu experimento, que resultou na vacina contra a varíola, em 1796. Alguns médicos afirmaram que ele não iria funcionar. Houve também discursos do tipo naturalista, que diziam que a vacina vem da vaca. Isso porque a primeira vacina, que chamamos de vaccinia (a varíola bovina, em latim), é uma forma atenuada da varíola bovina que imuniza contra a forma humana da varíola. Surgiram então alegações de que o sangue humano estava sendo poluído com o sangue animal.

Houve também discursos providencialistas que afirmavam que não era bom curar crianças da varíola, porque isso resultaria em adultos com problemas de saúde. Essa era uma tese frequente dos antivacinas em meados do século 19, sobre a degeneração da raça, sobre o enfraquecimento das pessoas por causa do imunizante. Naquela época existia apenas uma vacina, a anti-variólica.

A partir de meados do século 19 vemos surgir estruturas que combatem as primeiras leis sobre vacinas obrigatórias. O primeiro país a adotar uma lei desse tipo foi a Inglaterra, em 1853. Ligas começaram a se formar para combater o princípio da obrigatoriedade da vacina.

Hoje não existem mais ligas internacionais antivacinas, há apenas ligas nacionais, em países como a França, Estados Unidos, Canadá e Japão.

Fonte: Tem Londrina