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A decisão da Anvisa sob análise. E as reações à sua atuação

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A decisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de suspender temporariamente na segunda-feira (9) os testes clínicos da vacina contra a covid-19 desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, ligado o governo de São Paulo, foi alvo de questionamentos de pesquisadores envolvidos nos estudos e de autoridades.

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A medida foi tomada após o registro de um evento adverso envolvendo um dos voluntários do ensaio clínico. O Instituto Butantan, no entanto, afirmou que a ocorrência não tem relação com a vacina. A suspeita de motivação política pela agência federal foi levantada após o presidente Jair Bolsonaro comemorar a interrupção do estudo como uma vitória numa postagem nas redes sociais na terça-feira (10).

“Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o [governador João] Doria queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la [sic]. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”

Jair Bolsonaro

presidente da República, em postagem no Facebook no dia 10 de novembro de 2020

Apoiadores de Bolsonaro e o próprio presidente atacam a vacina, chamada de Coronavac, desde que ela foi anunciada pelo governador paulista, João Doria (PSDB), em junho de 2020. Eles afirmam, sem provas, que o imunizante da China, onde a pandemia começou, não é seguro. Bolsonaro já afirmou que o governo federal não vai incluir a vacina no Plano Nacional de Imunização, mesmo se a substância tiver a eficácia comprovada.

Doria, que se elegeu governador em 2018 na esteira do bolsonarismo, é atualmente um dos principais adversários políticos de Bolsonaro. No âmbito ideológico, o presidente também rivaliza com a China, alinhando-se aos Estados Unidos na disputa geopolítica entre as potências mundiais.

As reações à decisão da Anvisa

Na terça-feira (10), o Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) apresentou uma representação para solicitar que o tribunal acompanhe os trabalhos da agência e verifique se as decisões estão ou não sendo pautadas por critérios político-ideológicos, em vez de protocolos científicos.

“Já não bastasse o risco de um vírus fatal no âmago da nossa sociedade. Agora, ao que parece, a luta é contra outros vírus: a guerra política brasileira. E a população segue esquecida”

Lucas Rocha Furtado

subprocurador-geral junto ao TCU

No Supremo Tribunal Federal, o ministro Ricardo Lewandowski, que relata diferentes ações de partidos políticos sobre o tema da vacinação contra o novo coronavírus, também determinou que a Anvisa preste esclarecimentos sobre os testes da Coronavac. A agência tem 48 horas para informar os critérios utilizados e o estágio da testagem.

Criada em 1999, a Anvisa é uma agência reguladora. Isso significa que, por mais que faça parte da administração pública, a autarquia tem autonomia funcional, administrativa e financeira. Seus dirigentes têm mandato fixo e contam, durante esse período, com a garantia da estabilidade.

O objetivo desse desenho institucional das agências reguladoras é permitir que elas tomem decisões técnicas independentemente dos interesses do governo. A Anvisa, especificamente, é responsável por avaliar a eficácia de imunizantes que são aplicados no Brasil, e pode interferir em ensaios clínicos como os da Coronavac se identificar riscos para os participantes.

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Por que a decisão é contestada

Ao anunciar a suspensão dos testes clínicos, que estão na terceira e última fase, a Anvisa alegou a “ocorrência de um evento adverso grave” com um dos participantes do estudo.

O Butantan confirmou ter notificado a agência em 6 de novembro sobre o evento adverso ocorrido com um dos voluntários dias antes, em 29 de outubro. Mas ressaltou que o caso não está relacionado à vacina, e por isso não seria motivo para interromper os testes. O sigilo médico impede os médicos envolvidos de abrirem informações sobre participantes da pesquisa.

Veículos de imprensa revelaram na terça-feira (10) que o caso se refere à morte de um dos participantes do estudo: um morador de São Paulo na casa dos 30 anos, que teria cometido suicídio ou sofrido uma overdose, de acordo com laudos oficiais.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o Comitê Internacional Independente do estudo da Coronavac confirmou que a morte do voluntário não teve relação com a vacina. O grupo é formado por especialistas de fora do Brasil e tem como função analisar dados de eficácia e segurança de forma imparcial. Além do Brasil, onde já foi aplicada em cerca de 10 mil voluntários, a Coronavac é testada na China, na Indonésia e na Turquia.

O comitê também recomendou a retomada da pesquisa à Anvisa e à Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa). Essa comissão, ligada ao Ministério da Saúde, tem como função regular os estudos com seres humanos no país e garantir a segurança dos participantes. O órgão também foi informado sobre a morte do voluntário mas, diferentemente da Anvisa, decidiu manter a autorização para o prosseguimentos dos testes.

Um ponto da decisão da Anvisa que causou estranheza foi o fato de o Butantan, segundo o próprio instituto, ter tomado conhecimento da suspensão pela imprensa, apesar de ser responsável pelo estudo no Brasil. A Anvisa afirma que notificou o instituto meia hora antes de divulgar o comunicado público.

O instituto paulistano também reclamou de não ter sido procurado para prestar mais esclarecimentos antes da ordem da agência federal.

Suspensões de ensaios clínicos são comuns no processo de desenvolvimento de vacinas. Alterações na saúde dos voluntários e eventos adversos são monitorados pelos responsáveis pelos testes, que podem ser paralisados até que seja identificado se o problema de saúde teve ou não relação com a vacina. Mas, no geral, essas interrupções partem dos próprios laboratórios encarregados da testagem.

Foi o caso das paralisações nos ensaios clínicos da farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca com a Universidade de Oxford, no início de setembro, e da americana Johnson & Johnson, em outubro. Ambas as testagens foram retomadas.

O que diz a Anvisa

Nesta terça-feira (10), o contra-almirante Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, afirmou que a decisão da agência foi estritamente técnica e que sua revogação depende de parecer de um comitê independente internacional.

Torres afirmou que faz parte dos protocolos da Anvisa suspender os estudos diante da ocorrência de qualquer “evento adverso grave não esperado”, e que a agência não tinha detalhes sobre as causas da morte do voluntário. Segundo a agência, as medidas de segurança adotadas após a suspeita de ataques cibernéticos a órgãos do governo fizeram com que os dados enviados pelo Butantan só chegassem à agência no fim do dia, na segunda-feira (9).

O contra-almirante foi indicado para o cargo pelo presidente, e já deu demonstrações públicas de apoio a Bolsonaro em momentos críticos da pandemia. Em março, ele esteve ao lado do presidente em protestos pró-governo, sem demonstrar preocupação com o risco de transmissão da covid-19. Na época, Bolsonaro ignorava orientações do próprio Ministério da Saúde para evitar aglomerações.

Em 21 de outubro, em meio a ataques do presidente à Coronavac, Torres afirmou que a Anvisa não sofreria qualquer influência externa na avaliação das vacinas. “Nos manteremos fora da discussão política, fora de outra discussão que não seja o norte de entregar respostas vacinais aos brasileiros”, disse.

No dia seguinte, o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que a agência federal estava retardando a autorização para a importação da matéria-prima da Sinovac para a produção do imunizante no Brasil. A agência negou qualquer atraso e depois autorizou a importação.

A atuação da Anvisa sob análise

O Nexo conversou com dois especialistas sobre a decisão da Anvisa no caso da Coronavac, as possíveis responsabilidades dos envolvidos e os riscos de politização dos trabalhos de uma agência reguladora. São eles:

Deisy Ventura é doutora em direito pela Universidade de Panthéon-Sorbonne (França) e professora titular de ética na Faculdade de Saúde Pública da USP

Floriano de Azevedo Marques Neto é doutor em direito pela USP e professor titular de direito administrativo na Faculdade de Direito da USP

Como avalia a atuação da Anvisa? Quais seriam os efeitos de uma politização dos trabalhos da agência?

Deisy Ventura Nem tudo o que a agência faz pode ser classificado como aparelhamento do governo. A agência tem uma atividade intensa. Erros pontuais podem ter sido cometidos — e atingem essa escala de visibilidade por conta da politização dessa questão [da vacina]. Por exemplo, o Instituto Butantan teria sabido pela imprensa da decisão da Anvisa. Claro que isso é um erro, é inaceitável. Mas isso não quer dizer que a decisão da Anvisa esteja errada.

Ainda assim, o discurso político do presidente já indica no mínimo uma instrumentalização de uma decisão da agência. Além disso, ao longo dos últimos dois anos, outros episódios também lançaram suspeitas de aparelhamento da agência. Deixaram evidente que a agência contentou o presidente da República em detrimento de evidências científicas. Por exemplo, quando o Brasil discutia o fechamento das fronteiras, no início da pandemia, a Anvisa emitiu uma nota técnica surpreendente, sem qualquer evidência científica, para dizer que se deveria fechar a fronteira do Brasil com a Venezuela.

A Anvisa, assim como o Butantan, é patrimônio brasileiro. A agência é condição do nosso grau de confiança em produtos que são decisivos para a nossa saúde, para a nossa vida. Então o descrédito da agência, que decorre de episódios como esse (antes de se saber exatamente o que aconteceu, já está lançada a suspeita de aparelhamento), produz um efeito de cascata nocivo sobre a saúde pública. Uma questão fundamental da resposta às epidemias, inclusive dos programas de imunização, é a confiança nas autoridades sanitárias.

Os efeitos nocivos também se dão sobre a economia brasileira. A Anvisa é uma instituição que faz uma interface muito importante entre a proteção da saúde pública, a proteção do meio ambiente e a proteção de interesses comerciais e econômicos. Essa já é uma marca da Anvisa: a agência é uma arena na qual existe um embate legítimo desde que ela foi criada, entre interesses econômicos e proteção da saúde. Mas, se além disso, nós adicionamos o elemento do interesse eleitoral personalista, temos uma situação de gravidade inédita no Brasil, desde que a Anvisa foi criada.

Floriano de Azevedo Marques Neto Olhando de fora, a posição da Anvisa pareceu apressada e um pouco inconsequente. Pelos fatos mais recentes, parece que o evento citado para interromper a análise não guarda muito nexo com o dever de precaução da Agência. Esse açodamento dá margem a dizer que a influência política está interferindo numa análise que tem que ser necessariamente técnica.

Nada é mais contraditório com a figura da regulação por agência independente que sua captura política. Pior ainda quando isso ocorre na Anvisa que tem por função zelar pela saúde pública e vigilância sanitária. Se ficar comprovada, a interferência na Anvisa constitui violação da Lei das Agências, é um atentado contra a confiança na vigilância sanitária nacional.

Se comprovada a atuação política da Anvisa, a partir de pressões do presidente Bolsonaro, como a direção da agência e o próprio presidente da República poderiam ser responsabilizados?

Deisy Ventura Se for provado que houve um aparelhamento da Anvisa para impedir o avanço da pesquisa do Instituto Butantan, é evidente que deve haver a responsabilização criminal de todos os envolvidos nessa operação, pelo crime contra a saúde pública.

No caso específico de Bolsonaro, ele também pode ser responsabilizado politicamente, por crime de responsabilidade [base de um processo de impeachment], se ficar comprovada a interferência. A questão é que se avolumam crimes cometidos pelo presidente da República sem que a Procuradoria-Geral da República cumpra o seu papel [de abertura de inquérito ou de apresentação de denúncia perante o Supremo Tribunal Federal]. Se avolumam também os pedidos de impeachment por crime de responsabilidade sem que o Congresso Nacional cumpra o seu papel [de abertura de processo de impeachment]. Portanto, é muito difícil prever o quanto é possível levar adiante esses procedimentos na jurisdição brasileira, considerando as imunidades do presidente.

O comentário que o presidente da República fez sobre o episódio, sejam quais forem as razões da Anvisa para suspender os testes [da Coronavac], é inaceitável. Não é possível que uma autoridade tenha expectativas de frustração de uma vacina que vai beneficiar o conjunto da população brasileira por interesses eleitorais para 2022. Estamos em plena pandemia. Mesmo que a decisão da Anvisa tenha sido correta, o presidente da República, com esse tipo de declaração, prejudica muito a agência ao dar a impressão de que a decisão teve uma intenção eleitoral. No entanto, para uma responsabilização jurídica, é preciso ver se ele interferiu realmente na agência.

Floriano de Azevedo Marques Neto Primeiro, destaco que esses contornos de interferência política não estão claros. Se for comprovada essa interferência, temos um caso patente de desvio de finalidade. Nesse caso, os agentes da Anvisa estão sujeitos a serem condenados por ato de improbidade pela hipótese expressamente descrita no art. 11, inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa [“praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”]. A condenação pode passar pela perda do cargo. Isso do ponto de vista dos dirigentes da agência.

Para enquadrar a conduta do agente público que tiver interferido seria preciso demarcar a conduta. Se comprovada a ingerência deliberada para atrasar o registro de uma vacina, isso pode caracterizar inclusive enquadramento em crimes contra a saúde pública previstos no Código Penal.

O que se sabe sobre o vírus?

O QUE É A COVID-19?

A covid-19 é uma doença infecciosa causada por um novo vírus da família dos coronavírus. Essa nova doença tem origem ainda incerta, mas o mais provável é que o vírus tenha vindo de animais vendidos no mercado central de Wuhan, metrópole chinesa onde o agente infeccioso foi descoberto, em dezembro de 2019.

QUAIS SÃO OS SINTOMAS?

Além dos sintomas típicos da gripe – como febre, tosse, dor muscular e cansaço –, o coronavírus pode afetar o sistema respiratório da vítima, causando pneumonia e podendo matar. Alguns pacientes relatam perda de olfato e paladar. As pessoas mais suscetíveis às consequências graves do vírus são idosos e pessoas com condições pré-existentes.

COMO É A TRANSMISSÃO?

O novo coronavírus é transmitido pelo contato com secreções de pessoas contaminadas: gotículas de saliva expelidas na fala, espirro, tosse, ou com o aperto de mão ou toque em locais contaminados seguidos de contato com boca, nariz e olhos. Em julho de 2020, a Organização Mundial de Saúde reconheceu que o contágio também pode ocorrer por meio de aerossóis, partículas que podem ficar suspensas no ar por longos períodos de tempo.

COMO É POSSÍVEL SE PREVENIR?

Para reduzir os riscos de contágio e de transmissão, o Ministério da Saúde recomenda medidas como evitar contato próximo com doentes, cobrir nariz e boca quando espirrar ou tossir, evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca e manter os ambientes bem ventilados. Lavar frequente e adequadamente as mãos é uma das principais recomendações, uma vez que expor o vírus ao sabão o destrói com eficácia. Devido ao avanço da pandemia, governos e especialistas têm recomendado (e, em alguns países, imposto) a adoção do distanciamento social, um esforço coletivo em reduzir o contato entre as pessoas para conter a transmissão dos vírus, e o uso de máscaras e protetores faciais. Aglomerações e reuniões em lugares fechados devem ser evitadas.

EXISTE TRATAMENTO?

Até 4 de agosto de 2020, não existia um tratamento específico para o vírus nem uma vacina preventiva. A recomendação é que as pessoas infectadas fiquem isoladas por 14 dias, em repouso e se hidratando, e que permaneçam em observação. Elas podem usar analgésicos, sob orientação médica, para aliviar os sintomas. Também podem monitorar a oxigenação do sangue por meio de oxímetros vendidos em farmácias — se o nível estiver abaixo de 96%, devem procurar serviço médico. Além disso, é recomendável que todas as pessoas com quem o infectado entrou em contato nas duas semanas anteriores ao diagnóstico façam quarentena. O único medicamento que comprovadamente reduz a mortalidade pela covid-19 é o corticóide dexametasona, usado apenas em pacientes em estado grave que estão recebendo ventilação mecânica.

QUAL A LETALIDADE DO VÍRUS?

A letalidade da covid-19 está estimada em torno de 3% e 4%. Essa estimativa é baseada apenas em casos confirmados da doença, ainda que somente uma pequena parte da população seja submetida a testes para detectar o vírus, e que haja uma fração dos infectados que não apresentam sintomas e, por isso, tendem a não buscar a testagem. A taxa estimada para a covid-19 representa um nível menor de letalidade do que a de outras doenças, como, por exemplo, a Sars (síndrome respiratória aguda grave, que se alastrou entre os anos 2002 e 2004). No entanto, causa grande preocupação a rapidez da transmissão do novo tipo de coronavírus e a alta letalidade dele em pessoas do chamado “grupo de risco”, acima dos 60 anos e/ou com condições respiratórias, cardiovasculares ou imunológicas pré-existentes.

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Fonte: Nexo Jornal

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/11/04/pilbox-quer-mais-negocios-com-distribuidores-e-redes-regionais/

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