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Cientistas criticam demora na aquisição de vacinas e apontam falta de campanhas

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CPI da Pandemia ouviu nesta na sexta-feira (11) os cientistas Natalia Pasternak e Claudio Maierovitch. A sessão foi aberta por volta das 9h45 e durou até às 17h55.

Durante a oitiva, os especialistas criticaram a demora da União para adquirir vacinas contra a Covid-19 e apontaram que a falta de campanhas por parte do governo federal prejudicou o país no combate à pandemia,

Estudos citados por Pasternak e Maierovitch na sessão apontam que a compra de imunizantes, isolamento social e campanhas de comunicação poderiam ter evitado quase 375 mil mortes no Brasil.

Os dois depoentes defenderam também que — mesmo com a gama de vacinados no país crescendo — o uso de máscara e a manutenção de outras medidas preventivas continua sendo essencial.

“Enquanto não tivermos uma quantidade enorme, uma proporção muto grande da população vacinada, temos que continuar tomando todos os cuidados, usando máscaras quando tivermos pessoas próximas ou em locais fechados”, afirmou Maierovitch.

Já Pasternak disse que os números da Covid-19 vão guiar o país para decidir quando  se deve relaxar as medidas preventivas.

“Nenhuma vacina é 100% e a eficácia dessas vacinas vai variar com a taxa de transmissão comunitária”, ressaltou. “Isso, em conjunto, vai nos levar a um momento onde a curva da doença vai decair e vai permitir, então, que a gente relaxe medidas de quarentena. Esse momento ainda não chegou. E quando temos o chefe da nação fingindo que esse momento chegou, isso confunde a população. E precisamos de uma população esclarecida.”

A participação dos cientistas na CPI atendeu a requerimentos dos senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Humberto Costa (PT-PE) e Marcos do Val (Podemos-ES) – este último, apenas no caso de Pasternak.

Os parlamentares citaram a trajetória pública e acadêmica nacional e internacional dos profissionais nas justificativas, afirmando que os cientistas teriam condições de esclarecer o país sobre a melhor forma de enfrentamento à pandemia de Covid-19.

Os cientistas Claudio Maierovitch e Natalia Pasternak apresentaram estimativas de mortes em decorrência por Covid-19 que poderiam ter sido evitadas caso o governo federal tivesse adquirido vacinas antes e adotado mais medidas de combate à pandemia.

Ao citar um estudo realizado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Maierovitch apontou que cerca de 90 mil óbitos poderiam ter sido evitados se os acordos com o Instituto Butantan e a farmacêutica Pfizer tivessem sido assinados antes.

Ainda segundo o cientista, se o Brasil tivesse tido “alguns períodos de confinamento” e “uma boa campanha de comunicação”, metade das 482.019 mortes que o país registra poderiam não ter ocorrido.

“Muito difícil falar em números. Caso tivessem sido fechados acordos precocemente, com o Butantan e com a Pfizer, teríamos evitado entorno de 80 a 90 mil mortes no país. Certamente se tivéssemos tido alguns períodos de confinamento, uma boa campanha de comunicação, nos teríamos um número de mortes muito menor. Não sei se alguém já fez essa estimativa de forma científica. Mas se formos pensar nestes números em forma de grandeza, dá para pensar em metade dessas mortes evitáveis”, afirmou.

Já Pasternak apresentou um levantamento realizado pelo epidemiologista Pedro Hallal, professor da Escola Superior de Educação Física da UFPel e coordenador do Epicovid-19, um dos maiores estudos sobre coronavírus no país. Segundo o estudo — publicado na revista científica The Lancet –, caso o Brasil estivesse na média mundial de controle da pandemia, três de quatro mortes poderiam ter sido evitadas.

“Ou seja, quando atingirmos 500 mil mortes, isso quer dizer que 375 mil poderiam ter sido evitadas com melhor controle da pandemia”, ressaltou a cientista.

Em resposta ao senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), Natalia Pasternak afirmou que medidas preventivas contra a Covid-19 precisam ser implementadas, de preferência, com uma campanha coordenada pelo governo federal e pelo Ministério da Saúde “para que estados e municípios tenha diretrizes claras de como proceder e possam proceder em conjunto”.

“Claro que é um grande desafio num nosso país como o nosso, com a desigualdade social tão grande como a nossa, falar em lockdown – parece hipocrisia (…) Precisamos garantir que esses poucos que tem esse privilégio, que não precisam sair e pegar transporte público, que fiquem nas suas casas e não fazendo festinhas”, afirmou.

Ela disse que, para isso, é fundamental a realização de campanhas de conscientização para as classes mais privilegiadas.

“E as pessoas que não podem [ficar em casa], temos que ampará-las, inclusive financeiramente, para que possam se proteger. E que, quando precisem se expor, tenham acesso a recursos de proteção”, completou.

Ela defendeu ainda a realização de lockdowns coordenador por região. “E não uma cidade aqui e outra ali, que são belos estudos de caso, mas que não terão efeito duradouro e prolongado na sociedade.”

Questionado sobre a possibilidade de uma terceira onda de casos de Covid-19, Claudio Maierovitch afirmou que é difícil falar em ondas no Brasil porque tivemos, na verdade, uma “escada” de infecções e mortes.

“A partir do momento que isso não se estabilizou, a tendência é termos patamares superiores. É como se lançássemos um foguete de uma altitude maior. Começamos em março do ano passado, do zero, e atingimos uma grande altitude na metade do ano passado. Recomeçamos em um patamar já superior no fim do ano passado e atingimos o triplo daquele pico anterior”, disse.

“Agora, se forem confirmadas as previsões de uma nova transmissão intensa – e há sinais importantes dados pela lotação dos hospitais em vários estados –, partimos de um patamar ainda mais alto e sem uma imunidade coletiva capaz de conter isso”, completou.

Ele disse, porém, que a esperança é que esse eventual aumento de infecções tenha uma letalidade um pouco inferior porque boa parte da população idosa já foi vacinada ou já tera sido vacinada nos próximos um ou dois meses.

O especialista afirmou ainda que essa pandemia serviu para revelar duas coisas importantes aos estudiosos da área: “primeiro, as consequências invisíveis de nosso trato com o ambiente – boa parte dos agentes infecciosos novos ou que tem dado problema para a população humana são decorrentes da invasão de ambiente em que esses organismos estavam preservados por razões econômicas”, disse.

“A segunda foi o despreparo. Todo o mundo, nos imaginávamos muito mais preparados. Sem dúvida, essa pandemia deve criar um movimento mundial de aperfeiçoamento da capacidade de detecção, identificação rápida e reação frente a pandemias.”

Para Natalia Pasternak, não houve uma ampla campanha de conscientização sobre a pandemia e posicionamentos de “figuras de autoridade” confundiram a população.

“Falta campanha. Não se conduz uma resposta à pandemia sem informação. E quando vemos figuras de autoridade que se comportam de maneira contrária à ciência, confunde as pessoas”, disse. Segundo ela, informações contrárias à ciência e a falta de campanhas informativas sobre o uso de máscara e medidas de enfrentamento à pandemia fizem as pessoas assumirem “comportamentos de risco”.

“A crença de que existe uma cura fácil, simples, barata, que bom que isso fosse verdade, ilude as pessoas, cria uma falsa sensação de segurança. E leva as pessoas a um comportamento de risco.”

Segundo Maierovitch, há banalização de mortes e a falta de comunicação clara sobre a doença contribui para isso. “Estamos vivendo uma catástrofe deste tamanho e vamos nos anestesiando para isso. Acredito que uma parte disso tem relação muito forte com a comunicação, como as mortes que têm sido banalizadas.”

Ao responder o relator da CPI, senador Renan Calheiros, Maierovitch afirmou que não há precedente na história sobre controle de epidemias sem a presença do Estado. Para ele, numa situação de crise como a enfrentada pelo Brasil a “necessidade de tomada de decisões é contínua” e não deve ser tratada por “amadores”.

“Queria trazer a lembrança que não existe precedente de controle de pandemia sem o Estado. Não existe na nossa história.  Queria trazer um exemplo (…) A necessidade de tomada de decisões é contínua. Isso exige um mecanismo de gestão que permita prosseguir, resolver problemas o tempo todo. Isso significava, por exemplo, um ministro acionar outro ministro, para, por exemplo, levar vacinas em um voo da FAB. Isso não é assunto para amador. Tem decisões que precisam ser tomadas imediatamente”, disse.

• Spray Nasal: ‘Visita brasileira surpreendeu pesquisadores israelenses’

Ao avaliar o spray nasal, em fase de desenvolvimento por pesquisadores de Israel, como um possível medicamento para Covid-19, Pasternak afirmou que a visita da comitiva brasileira ao país “surpreendeu até mesmo os pesquisadores israrelenses”. “É um remédio em fase inicial que não tinha tanto motivo para atrair tanto interesse de qualquer governo” completou.

Para Maierovitch, a troca de informações entre pesquisadores de diversos países é um procedimento normal, mas a ida presencial à Israel não era necessária.

“Uma coisa é troca de informações, estamos trocando informações o tempo todo. Quando eu vi a notícia da delegação visitar Israel, fiquei pensando o que eles vão olhar lá que precisa da presença física. Eu exercitei a minha imaginação e não consegui pensar em nada que exigisse a presença física. Mesmo que quem esteve lá, o que não parece ser o caso, fosse um grande especialista em pesquisa”, disse.

• Uso de máscara deve continuar até curva da Covid-19 cair

Questionados pelo vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues, sobre a possibilidade de pessoas vacinas ou que já tiveram Covid-19 deixarem de usar máscara – como defendido na véspera pelo presidente Jair Bolsonaro –, os dois especialista se mostraram contrário à essa possibilidade.

“O que sabemos até agora é que mesmo pessoas que tiveram infecção e pessoas vacinadas podem ter infecção, podem voltar a ficar doentes”, disse Claudio Maierovitch.

“Enquanto não tivermos uma quantidade enorme, uma proporção muto grande da população vacinada, temos que continuar tomando todos os cuidados, usando máscaras quando tivermos pessoas próximas ou em locais fechados”, defendeu.

Natalia Pasternak defendeu que o uso de máscara e a manutenção de outras medidas preventivas continua sendo essencial.

“Não é apenas o porcentual de vacinados. Os números da Covid que vão nos dizer quando relaxar as medidas preventivas. Nenhuma vacina é 100% e a eficácia dessas vacinas vai variar com a taxa de transmissão comunitária”, afirmou.

“Isso, em conjunto, vai nos levar a um momento onde a curva da doença vai decair e vai permitir, então, que a gente relaxe medidas de quarentena. Esse momento ainda não chegou. E quando temos o chefe da nação fingindo que esse momento chegou, isso confunde a população. E precisamos de uma população esclarecida.”

• ‘Kit Covid’ não tem nenhuma base científica que apoie seu uso

Perguntados sobre a combinação de medicamentos, distribuídos em vários locais do país em conjunto e chamados de “kit covid”, Natalia Pasternak destacou que falta base científica para apoiar o uso desses fármacos de forma conjunta.

“Hidroxicloroquina é um medicamento comum e muito bom para malária – e para algumas doenças autoimunies. Mas nunca foi testado em conjunto com outros medicamentos como a azitromicina, a invermectina, a annita, e outros componentes que aparecem e somem desse ‘Kit Covid'”, disse a especialista.

“Nesse kit tem uma série de medicamentos que nunca foram testados em conjunto, com interações medicamentosa. E, no caso da hidroxicloroquina, ela sozinha tem um teste de segurança, mas junto com azitromicina já não tem, sendo que são dois medicamentos que podem ter como efeito colateral o aumento de complicações cardíacas”, continuou.

“Esses medicamentos, em conjunto, podem ter interações medicamentosas nocivas para rins, figado e podem levar pessoas para fila de transplante, como tem acontecido com usuários desse kit.”

Claudio Maierovitch destacou outro aspecto importante que é o fato de o uso indiscriminado de medicamentos poder aumentar a resistência de bactérias a antimicrobianos.

“Um dos medicamentos frequentemente incluídos no kit covid é um antibiótico, chamado azitromicina. Isso, além do procendente, é em si um problema enorme para a saúde pública, em um desafio já colocado há tempos, mas particularmente no século 21, que é a resistência de bactérias a antimicrobianos”, disse o médico.

“Na medida que são distribuídos na forma de kits, teremos cada vez menos opções para tratar infecções bacterianas importantes”, completou.

“A azitromicina tem um lugar específico para uso na terapêutica médica (…) e vem sendo ‘queimada’ por um uso irresponsável para uma indicação que não lhe cabe.”

• Especialistas dizem que outros remédios também são ineficazes contra o novo coronavírus

Renan perguntou sobre a eficácia de outros medicamentos, além da cloroquina, para o enfrentamento da Covid-19 e citou como exemplos ivermectina, zinco e annita.

“Esses medicamentos não servem para Covid-19 de acordo com as evidências acumuladas até agora”, disse a microbiologista Natalia Pasternak.

“As novas evidências precisam ser robustas. Se elas aparecerem, a comunidade científica muda de ideia. Mas as evidências acumuladas até agora, de forma realmente robusta, mostram que esses medicamentos não são indicados para Covid-19.”

Não é tradicional que tenhamos redirecionamento de fármacos para doenças virais porque é realmente muito difícil obter antivirais que funcionem bem. Então, não é nenhuma surpresa que esses medicamentos não funcionem (…) Eles não reduzem carga viral, não reduzem inflamação, não reduzem tempo de hospitalização e não aumentam sobrevida.”

Já Claudio Maierovitch entregou ao senadores um texto de um colega, que foi consultor na OMS, sobre reaproveitamento de fármacos.

“Temos uma lista grande de fármacos, vários deles em fase experimental. Muitos deles já descartados. A maior parte em que se tentou o reposicionamento (…) ainda mostram eficácia muito abaixo do desejado, mas pode ser que surja alguma coisa.”

Maierovitch relembrou também um episódio recente sobre a autorização de uso da Fosfoetanolamina, chamada de “pílula do câncer”.

“Foi aprovado um projeto de lei de autoria do então deputado Jair Bolsonaro propondo a obrigação do governo em fornecer a fosfoetanolamina para [tratamento de] câncer. Não era sequer um medicamento, uma substância produzida em um laboratório da USP”, disse.

“E, depois, se provou realmente não ser um medicamento e a lei foi derrubata pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trago esse exemplo porque não houve institucionalidade nas decisões baseadas em ciência.”

• Tradicionalmente, doenças virais se controlam com vacinas

Em sua primeira pergunta aos especialistas, o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL) perguntou qual seria a melhor maneira de combater uma doença viral, como o novo coronavírus.

Natália Pasternak foi direta: “Com vacina. Doenças virais são tradicionalmente, historicamente, combatidas com vacinas”, afirmou.

“Remédios antivirais são difíceis de obter, não são fáceis como antibióticos para infecções bacterianas, que temos uma gama enorme para escolher. Antivirais são difíceis de obter porque o vírus é um parasita intracelular e se aproveita do nosso mecanismo celular para se reproduzir. Temos alguns antivirais muito específicos no mercado, geralmente para uma doença – um que só serve para gripe, um que só serve para herpes”, detalhou.

“Temos vacina para sarampo, rubéola, caxumba, para febre amarela. Varíola, única doença erradicada até hoje, é causada por vírus. Mas nunca controlamos ou erradicamos uma doença com imunidade de rebanho. Controlamos com vacinas. Tivemos varíola por milhares de anos e ela não sumiu. Só sumiu com o processo de vacinação organizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que durou 10 anos”, completou

Já Claudio Maierovitch apontou que nenhum antiviral que funciona foi encontrado por acaso.

“Todos eles foram estudados com muito cuidados, com detalhes moleculares, microbiológicos, que permitem conhecer o mecanismo de replicação do vírus, como ele se relaciona com as células humanas, para desenhar moléculas capazes de interferir em cada um desses processos”, detalhou o especialista.

“Não temos no nosso arsenal nenhum que foi encontrado por acaso, que já servia para outra coisa e foi reaproveitado para combater vírus.”

• Não houve coordenação nacional da Pandemia, diz sanitarista

Ao comparar a forma como o Brasil enfrentou a pandemia de Covid-19 com a epidemia de zika vírus, em 2016, o sanitarista Claudio Maierovitch disse que não houve coordenação nacional no combate ao novo coronavírus.

“Uma estrutura de coordenação, não vimos acontecer neste período, senão para cassar responsabilidades do próprio Ministério da Saúde a medida que se constituíram grupos fora do ministério para cuidar da crise”, disse o especialista.

“Não tivemos, por exemplo, critérios homogêneos definidos para o Brasil inteiro de forma que ficou a cargo de cada estado e município definir seus próprios critérios [de enfrentamento]. Isso pode parecer democrático. Mas em uma pandemia isso deixa de ser democrático para produzir inequidades”, apontou.

“Não tivemos sequer um plano para aquisição dos imunobiológicos. Assistimos estarrecidos um desestímulo oficial para que um grande laboratório nacional assumisse a produção de vacinas”, completou, se referindo às recusas iniciais do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de comprar a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan.

“Certamente o cenário seria diferente se houvesse uma política oficial de busca por imunizantes e de acordos para a produção nacional. Certamente o Butantan poderia ter agido mais rápido e com mais pujança e uma produção mais relevante.”

• Estudo de 2020 colocou Brasil em último lugar na resposta de pandemias

Em sua fala inicial, o médico sanitarista e especialista em políticas públicas e gestão governamental Cláudio Maierovitch apresentou dados de dois estudos, um de 2019 e outro de 2020, que mostravam retratos contraditórios do Brasil no combate a doenças.

No primeiro, da Universidade Johns Hopkins, o país aparecia em 22º num índice chamado Índice Global de Segurança em Saúde, que avalia diferentes dimensões de preparação e da organização do país para responder possíveis ameaças à saúde pública.

No mesmo estudo, o Brasil era o 9º entre 195 países no quesito “resposta rápida ao alastramento de epidemias e mitigação” – os EUA ocupavam o primeiro lugar neste índice.

Já o outro estudo, realizado por pesquisadores australianos, situava o Brasil em último lugar em resposta a pandemia: 98º entre os 98 países estudados – os EUA estavam em 94º.

“Brasil e EUA estavam juntos num conjunto de países com lideranças negacionistas na definição apresentada pela Natalia Pasternak e que resistiram a imposição de medidas de contenção da pandemia”, disse Maierovitch.

“O que poderíamos ter tido, desde o início? Em primeiro lugar, a presença do estado com plano de contenção, antes de a epidemia entrar no Brasil”, afirmou. “Tínhamos experiência para fazer isso no nosso sistema de saúde.”

• Negacionismo da ciência causa mortes, diz especialista

Em sua conclusão sobre a questão do uso da cloroquina em pacientes com Covid-19, a microbiologista Natalia Pasternak afirmou que o Brasil está, pelo menos, seis meses atrasado em relação ao mundo, que já descartou o uso de cloroquina contra o novo coronavírus.

Isso é negacionismo, não é falta de informação. Negar a ciência e usar isso em políticas públicas não é falta de informação, é uma mentira. E no caso triste do Brasil, é uma mentira orquestrada pelo governo federal e pelo Ministério da Saúde. E essa mentira mata porque leva pessoas a comportamentos irracionais que não baseados em ciência.”, afirmou

“Isso não é só para cloroquina, é só um exemplo, mas serve para uso de máscaras, distanciamento social, compra de vacinas – que não foi feita em tempo para proteger nossa população. Esse negacionismo da ciência, perpetuado pelo próprio governo, mata.”

• Testes de cloroquina foram feitos fora de ordem por pressão política e popular

Ainda em sua avaliação sobre a possibilidade de a cloroquina ser usada no tratamento da Covid-19, Natalia Pasternak disse que os testes foram feitos fora a ordem devida (iniciando por estudos pré-clínicos e, depois, evoluindo para estudos de fase 1, 2 e 3) justamente por causa da pandemia e por causa da pressão popular e política muito grandes.

“Se tivessem feito na ordem, teria parado nos pré-clínicos. Por que a cloroquina não tem plausibilidade biológica e nunca funcionou nos testes em animais. Mas como existia uma pressão popular muito grande, foram feitos vários estudos”, afirmou.

Ela explicou que um estudo feito em março de 2020 em células de rins de macaco mostrou que o remédio bloqueava a entrada do vírus nessas células genéricas, onde existe um caminho biológico para ela atuar, “o que não se concretiza em células do trato respiratório”.

Ela também falou de um estudo clínico feito no ano passado com a cloroquina, de todas as maneiras possíveis: “Cobriu tudo e não funciona. Não funciona em células do trato respiratório, em macacos, em tratamento profilático. Testamos cloroquina em tudo e não funciona.”

• Cloroquina nunca teve plausabilidade biológica contra Covid-19

Ao exemplificar como se busca os fatos em questões de saúde pública e para testes de um medicamentos, Natalia Pasternak fez uma análise da cloroquina, “que ainda causa muita confusão no nosso país”.

“A primeira coisa que temos que ver é se existe plausabilidade biológica. Existe um mecanismo celular, biológico, que esse fármaco pode agir? Pode impedir a entrada na célula? Pode impedir a replicação do vírus? O que ele pode fazer?”, explicou.

“No caso da cloroquina, infelizmente, ela nunca teve plausabilidade biológica para funcionar. O caminho pelo qual ela bloqueia a entrada do vírus na célula só funciona in vitro, em tubo de ensaio. Nas células do trato respiratório, o caminho é outro. Então, ela já nunca poderia ter funcionado.”

Outro passo é examinar a probabilidade dela funcionar, ou seja, se o remédio já foi efetivo para outras doenças, para outras viroses.

“Não, nunca funcionou. A cloroquina já foi testada e falhou para várias doenças provocada por vírus, como zika, dengue, Chikungunya, o próprio Sars [causado por outro tipo de coronavírus], aids, ebola e nunca funcionou”, detalhou a microbiologista.

Ela destacou também que evidências anedóticas, como “meu vizinho e meu cunhado tomaram cloroquina e se curaram” não são evidências científicas, mas sim causos, histórias.

“E o plural de evidências anedóticas não é evidências científicas. É só um monte de evidências anedóticas. Não interessa quantas pessoas a gente conhece que usaram cloroquina e se curaram. Isso não se transforma em evidência científica. Isso precisa ser investigado porque correlação não é a mesma coisa que causa e efeito”, afirmou.

Pasternak explicou que correlações suscitam perguntas para serem investigadas, mas não uma resposta.

“Para ter uma resposta, precisamos saber uma relação de causa e efeito. Para isso, usamos estudos randomizados, controlados, duplo-cego e com grupo placebo. Esse é o tipo de estudo que consegue estabelecer uma relação de causa e feito. Correlação a gente vê em estudos observacionais, aqueles que olham para trás e observam o que já aconteceu.”

A especialista também exibiu um gráfico de curvas de casos de uma doença viral, com uma queda abruta. “Podem falar que essa queda é causada pelo “tratamento precoce”.

“Isso não é causa e efeito. É correlação. Qualquer coisa poderia estar naquela flechinha [que indica a queda de casos].”

• Ciência precisa e deve ser levada para toda a população

Em sua fala inicial, a microbiologista Natalia Pasternak afirmou que se a pandemia de Covid-19 trouxe algum benefício, foi “mostrar que ciência precisa e pode ser levada e compreendida por toda a população”.

“[Ciência] é vista por nós, cientistas, como um processo, um método, de investigação da realizada que pressupõe nossa capacidade de mudar de ideia diante de novas evidências, desde que elas sejam robustas, e da crítica de nossos pares.”

Ela ressaltou, porém, que a simples publicação de uma teoria em um periódico científico não a torna ciência – “ou, pelo menos, ciência de qualidade”.

“Também não é qualquer coisa dita por alguém de jaleco que tem phD depois do nome (…) e não é uma questão de opinião, uma questão do que eu exergo versus o que você enxerga. Não é uma visão do mundo.”

“Não é desrespeitar a opinião alheia, mas a ciência funciona buscando os fatos”, completou.

Quem são os depoentes
Natalia Pasternak é PhD com pós-doutorado em microbiologia na área de genética molecular de bactérias pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP), além de ser diretora-presidente do Instituto Questão de Ciência.

Também é colunista do jornal O Globo, das revistas The Skeptic (Reino Unido) e Saúde e autora do livro Ciência no Cotidiano, além de ser a editora responsável pela revista Questão de Ciência.

Pesquisadora visitante do ICB-USP no Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas (LDV) e professora convidada na Fundação Getulio Vargas na área de administração pública, Natalia tornou-se membro, em 2020, do Committee for Skeptical Inquiry (EUA).

Claudio Maierovitch e Natalia Pasternak prestam depoimento à CPI da Pandemia
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil e CNN/Reprodução
Cláudio Maierovitch é médico sanitarista, especialista em políticas públicas e gestão governamental e mestre em medicina preventiva e social.

Também coordena o Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde da Fiocruz Brasília. Foi presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 2003 a 2008 e diretor de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde (entre 2011 e 2016).

Fonte: CNN

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