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Cientistas desenvolvem droga eficaz contra vírus que provoca resfriado

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Com o início do inverno no Brasil, cresce o risco de se pegar um resfriado. E isso acontece não apenas por causa da estação do ano, mas sim por compartilhar de ambientes fechados, o que é mais propício à propagação da doença. Causado por mais de 200 tipos de vírus, o resfriado provoca febre baixa em crianças, deixa a garganta irritada, causa congestão nasal e mal-estar. A boa notícia é que um grupo de pesquisadores do Imperial College London (ICL), do Reino Unido, descobriu uma forma eficaz de tratar esse mal.

Os cientistas criaram uma molécula, batizada de IMP-1088, que protege uma enzima humana – a N-myristoyltransferase (NMT) – de algumas cepas do rinovírus, um dos principais agentes do resfriado. Essa proteção impede que o vírus se replique dentro do corpo e provoque seu grande desconforto. A descoberta, anunciada em maio deste ano na revista Nature Chimestry, levou muita gente a acreditar que esse problema de saúde estava com seus dias contados.

A guerra contra os microrganismos, no entanto, não será tão facilmente vencida. “Nossa molécula tem o potencial de tratar pacientes infectados, mas isso não erradicará o vírus”, explica o citologista ítalo-britânico Roberto Solari, professor visitante do Instituto Nacional de Coração e Pulmão do ICL, que há três anos integra a equipe de pesquisadores, liderada pelo professor Edward Tate. “É muito improvável que algum dia estaremos totalmente livres do resfriado”, afirma Solari, que já trabalhou no desenvolvimento de novas drogas contra alergias e asma enquanto integrou indústrias farmacêuticas como a Glaxo.

Tate estuda essa molécula há 15 anos, mas concentrava seus esforços em se buscar uma cura para a malária. Apesar de não conseguir bons resultados nesse sentido, a droga se mostrou eficaz não apenas com o resfriado, mas também contra o vírus da pólio e o agente que provoca a enfermidade do mão-pé-boca, doença causada pelo vírus Coxsackie, mais comum em crianças até cinco anos. A substância ainda não foi testada contra os vírus da gripe, especialmente H1N1, que são diferentes dos rinovírus.

Para a doutora Nancy Bellei, pesquisadora na área de vírus respiratórios e infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), essa nova droga tem bom potencial frente aos esforços de pesquisa na área de bloqueadores de replicação de vírus já realizados até hoje. Ela, no entanto, acredita que falta um pouco mais a se avançar. Para tomar o novo remédio, a pessoa deverá ter os sintomas da enfermidade.

Mas, ao chegar nesse ponto, muitos vírus já foram replicados e muitas substâncias que debilitam o paciente já estão na corrente sanguínea produzindo mal-estar. “Boa parte das células já desencadearam cascatas de substâncias na circulação. Por isso que muitas doenças virais agudas, mesmo que haja droga eficaz em laboratório, o potencial de reduzir sintomas em pacientes é muito pequeno. Isso é o que vamos ver se essa droga chegar nas fases dois e três”, explica. Por isso, Nancy questiona se a IMP-1088 será mais eficaz que os remédios que encontramos hoje nas farmácias. Os testes em animais serão realizados ainda neste ano.

Abaixo, segue a entrevista com o doutor Roberto Solari.

O que o levou a se especializar em doenças respiratórias, trabalhando em novas drogas para combater alergias e a asma?
Eu entrei na Glaxo em 1986, trabalhando com doenças inflamatórias desde então. A Glaxo tem um histórico importante em medicina ligada à área respiratória, portanto foi a forma que comecei a me especializar nessa área.

Quanto tempo o grupo de pesquisadores levou para descobrir a molécula IMP-1088?
O professor Edward Tate e sua equipe vêm trabalhando em inibidores de NMT por muito anos, talvez mais de 15 anos. Os estudos antes eram concentrados na malária. Há dois ou três anos que o professor Tate e eu começamos a colaborar no projeto dos rinovírus.

Pesquisadores que caminharam nessa direção mostraram que uma molécula atuando nas células humanas a fim de combater doenças poderiam ser tóxicas ao corpo humano. Como garantir que a IMP-1088 não prejudique a saúde ao invés de melhorá-la?
Todas as drogas serão tóxicas até uma certa dose. O caminho a seguir nessa molécula é explorar tanto a dose eficaz e quanto a dose tóxica. Se houver uma diferença suficiente entre a dose efetiva e a dose tóxica, é provável que a droga será segura de se usar. Isso será o resultado de profundos e seguros estudos de toxicologia, que precisam ser conduzidos antes que qualquer droga seja oferecida ao público.

É uma decisão inteligente buscar prover o corpo humano de forma a enfrentar vírus como os que provocam o resfriado. Mas não é um precedente perigoso sobre o quanto a ciência pode interferir no organismo humano?
Penso que a medicina está avançando em um ritmo tremendo, criando possibilidades que nos desafiarão científica e eticamente. Vivendo em sociedade, precisamos ter debates abertos e bem informados sobre o que é possível e o que é aceitável.

O resfriado é causado por mais de 200 tipos de vírus, incluindo o rinovírus. Pode essa nova molécula combater todos os outros tipos?
O resfriado comum é causado por um grande número de vírus, entretanto o mais frequente é o rinovírus. Mesmo assim, há uma variedade grande de cepas de rinovírus, o que torna difícil o desenvolvimento de uma vacina. Testamos o IMP-1088 em algumas cepas de rinovírus e o resultado foi efetivo contra todas elas. Nós não testamos em todos os tipos de rinovírus, mas dada à similaridade entre esses tipos eu acredito que é razoável assumir que o IMP-1088 será efetivo contra a maioria, ou se não, todos os rinovírus. Por isso que nos concentramos nesse mecanismo. E mostramos, também, que o IMP-1088 é efetivo contra outros vírus relacionados ao rinovírus, como a pólio e a doença de mão-pé-boca. Essa é a vantagem de uma droga que age em um mecanismo comum a muitos vírus.

A molécula é também capaz de combater o vírus influenza, causador de gripes e doenças como a H1N1?
Nós não testamos a droga contra o vírus da gripe. E a influenza não tem relação com os rinovírus.

Quão importante foi essa descoberta para a medicina e quais as perspectivas de pesquisas que foram criadas com esse estudo?
É conhecido há muitos anos que a proteína de revestimento dessa família de viroses foi modificada por um lipídeo chamado ácido mirístico. E essa modificação foi importante para o ciclo de vida do vírus. Nós pegamos esse conhecimento e fizemos uma droga que bloqueia a enzima humana que conecta o ácido mirístico à capa de proteína. O grande avanço está na química e na observação de que essa droga é excepcionalmente eficaz em bloquear o ciclo de vida do vírus, não sendo tóxico para a célula. Isso significa que fazer da enzima hospedeira um alvo pode ser uma boa estratégia para produzir drogas antivirais. Não foi uma mudança de paradigma, mas uma contribuição sobre como nós pensamos na descoberta de drogas antivirais.

Quando essa molécula será testada em aninais e qual a perspectiva para testes em humanos?
Os testes em animais começarão muito em breve. E, se tudo correr bem, poderemos realizar estudos de aplicação em voluntários em alguns anos.

Poderemos esperar que, nos próximos dez anos, estaremos livres do resfriado?
Estamos longe de vencer a guerra contra os micro-organismos. Nossa molécula tem o potencial de tratar pacientes infectados, mas isso não erradicará o vírus. A varíola foi erradicada através de programas globais de vacinação em massa. A pólio ainda não foi erradicada. Então, é muito improvável que algum dia estaremos totalmente livres do resfriado.

Fonte: Revista Galileu

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