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Desenvolvimento de vacinas e ética

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Cientistas são forçados a enfrentar dilemas éticos. Em um caso recente, os experimentos necessários para o desenvolvimento de uma vacina contra a zika foram proibidos. Para desenvolver um imunizante, seres humanos têm de correr riscos.

Primeiro, cientistas manipulam o vírus, correndo risco de se contaminarem ou de o liberarem no ambiente. Semana passada, um cientista na Hungria foi contaminado pelo vírus ebola. O segundo passo consiste em produzir um candidato à vacina, algo que tenha o potencial de induzir o ser humano a produzir anticorpos capazes de bloquear o vírus. Esses testes são inicialmente feitos em animais de laboratório. Caso os animais desenvolvam anticorpos, eles são injetados com o vírus para comprovar que se tornaram imunes.

Aí começam os problemas. Muitos vírus humanos não causam a mesma doença em animais e o teste precisa ser repetido em seres humanos. Se a vacina for composta de vírus atenuados, a atenuação pode não ter sido suficiente e existe o risco de o voluntário desenvolver a doença. Caso o vírus seja pouco perigoso (gripe), esse cenário é aceitável. Mas, se o vírus for letal (ebola), o risco para o voluntário é alto.

A questão é sempre a mesma: em um prato da balança está o risco corrido pelos voluntários; no outro prato, o benefício da sociedade de dispor de uma vacina capaz de salvar milhões de vidas. Como essas decisões não podem ser deixadas na mão de cientistas, voluntários ou empresas, esses experimentos precisam ser aprovados pelas comissões de ética que existem nos institutos de pesquisa e hospitais.

Vamos supor agora que a comissão achou o risco para os voluntários baixo e concluiu que o potencial benefício social é suficientemente alto para justificar os riscos corridos pelos voluntários. Então os voluntários recebem a vacina. Imagine que os voluntários desenvolvam anticorpos. Como desenvolver anticorpos não é prova de que a vacina funciona, é necessário infectar os voluntários vacinados com o vírus e observar se eles contraem ou não a doença. Quando existe em algum lugar do mundo uma epidemia dessa doença, o melhor teste é vacinar a população que provavelmente vai ser infectada de qualquer maneira e tentar verificar se as pessoas vacinadas não contraem a doença. É um teste indireto, mas tem a vantagem de não injetar o vírus nos voluntários. Essa opção, apesar de lógica, é criticada, pois envolve fazer testes em comunidades muitas vezes pobres, já afetadas por uma tragédia. Novamente uma comissão de ética é responsável por colocar na balança os riscos e benefícios, aprovando ou rejeitando os testes. Imagine a dificuldade envolvida na decisão.

Mas o problema pode ser mais complicado. Imagine que a doença não exista em nenhum lugar do mundo, como é o caso do ebola atualmente. Nesse caso, para testar a vacina, é necessário injetar em pessoas vacinadas um vírus letal. Nesses casos, as comissões de ética têm bloqueado os experimentos. É por isso que, quando uma pessoa é contaminada (como esse cientista húngaro), todos enviam suas vacinas candidatas para serem testadas no paciente.

No caso da zika, a proposta era injetar em pessoas normais a vacina candidato e, subsequentemente, o vírus. O vírus da zika é quase inofensivo, a não ser que o paciente seja uma mulher e ela esteja no inicio da gravidez. Ai o risco de o filho nascer com microcefalia é real. Os cientistas esperavam que, tomando o cuidado de não envolver mulheres grávidas, poderiam ter o experimento aprovado.

Mas ele foi rejeitado, e a razão foi o risco corrido pelos “bystanders” (transeuntes ou espectadores), pessoas que poderiam sofrer consequências sem estarem diretamente envolvidas nos experimentos. A comissão de ética levou em conta duas descobertas científicas.

Primeiro, foi descoberto que o vírus da zika permanece no corpo da pessoa mesmo depois que os sintomas da doença desaparecem. Segundo, sabemos que o vírus pode ser transmitido por meio de relações sexuais. Dados esses fatos, a comissão concluiu que as pessoas que receberiam propositalmente o vírus poderiam infectar parceiros sexuais meses depois, e alguns desses parceiros poderiam ser mulheres no inicio da gravidez. Ou seja, o experimento trazia riscos para membros da população que não estavam envolvidos nos testes e provavelmente sequer sabiam dos riscos que estavam correndo. E esse era um risco inaceitável.

Os experimentos não serão executados e provavelmente o desenvolvimento da vacina vai atrasar ou simplesmente não vai acontecer. É fácil perceber que essa é uma decisão complicada, mas alguém tem de decidir e se responsabilizar. E você, que acompanhou de perto nossa epidemia de zika, o que decidiria?

Fonte: O Estado de S. Paulo

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