Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas no Pará – Guito Moreto / Agência O Globo
RIO- Grandes empreendimentos na Amazônia, sejam projetos de hidroelétricas, mineração ou agroindústria, devem incluir em seu planejamento o impacto à saúde pública, afirma o virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos. A floresta aberta é uma verdadeira caixa de Pandora escancarada para a emergência de doenças. Elas vão da malária às provocadas por micro-organismos até recentemente restritos ao interior da mata e que agora alcançam a periferia das cidades. Exemplo destes últimos é o vírus Oropouche, diz o diretor do Instituto Evandro Chagas, em Ananindeua, no Pará, autor de trabalhos pioneiros sobre zika e febre amarela, em entrevista ao GLOBO.
Como um grande empreendimento na Amazônia pode afetar a saúde?
A Amazônia tem imensa biodiversidade e isso inclui os vírus. Só o meu grupo já isolou mais de 200 deles nos últimos 35 anos. A maioria tem habitats muito localizados. Nossas pesquisas mostram que a entrada do ser humano provoca impacto forte na circulação desses micro-organismos e seus transmissores.
O vírus Oropouche seria um exemplo?
Sim. Acreditamos que foi o que aconteceu com o Oropouche. Ele emergiu nos anos 70, com o desmatamento associado a projetos grandes, como (a hidrelétrica de) Tucuruí, agrovilas e a (rodovia) Transamazônica. Se adaptou ao (mosquito) maruim, hoje seu principal vetor, encontrado em quase todo o Brasil. E estudos mostram que pode se adaptar ao Aedes aegypti. Hoje o vírus tem potencial epidêmico. São milhares de casos por ano, com surtos em Mato Grosso e Goiás. Já foi encontrado em macacos de Minas Gerais e há um caso humano na Bahia. Ele está na periferia das cidades amazônicas. É uma preocupação real de saúde pública.
O que ele provoca?
Sintomas semelhantes aos da dengue, como dor intensa e febre. O Oropouche apresenta a particularidade de causar intensa dor nos olhos e fotofobia. Em casos muito raros pode levar à meningite. Ele não mata, mas causa incapacidade e sofrimento. Como os sintomas são semelhantes aos da dengue, ele provavelmente é subnotificado.
O que precisa ser feito?
Os empreendimentos devem vir acompanhados de intenso controle de vetores e micro-organismos. Não se pode descuidar disso. Uma vida humana não tem preço. Tucuruí é um exemplo de como um empreendimento pode causar danos muito além de suas fronteiras.
O que aconteceu?
O desmatamento seguido do enchimento do lago reservatório da hidrelétrica proporcionou as condições para a explosão da população de mosquitos do gênero Mansonia. Eles se expandiram pela região e se tornaram uma praga. Esses mosquitos atacam o ser humano de forma quase intolerável, as comunidades próximas ao lago sofreram demais. E há relatos de que (a hidrelétrica de) Jirau enfrenta o mesmo problema. A criação de Tucuruí também levou ao aparecimento de uma enorme quantidade de vírus nos anos 80 e 90. Nosso grupo descreveu vários, como o Tucuruí, o Caraipé e o Arumateua, todos transmissíveis por mosquitos.
Os arbovírus (transmitidos por artrópodes, como mosquitos) são a única preocupação?
Não. Há outros tipos de vírus, inclusive alguns disseminados por morcegos e roedores. O Brasil tem muitos hantavírus, cujo contágio ocorre por meio do contato com fezes e urina infectados de roedores. O desmatamento para a abertura de áreas para o gado favorece esses vírus porque a floresta dá lugar a capim que os ratos adoram. Também gostam das plantações de soja e milho, por exemplo.
Ainda há motivos para temer novos casos de febre amarela silvestre em 2018?
Sim. O vírus continua a se espalhar, como mostram os casos de macacos mortos em São Paulo. A febre amarela chegou a lugares onde não aparecia há cerca de um século. A doença hoje está perto dos maiores centros urbanos do país. Por isso, não se pode descuidar. Toda a população brasileira deve ser vacinada. Isso não precisa ser feito de uma só vez, mas tem que ser feito. A epidemia de 2016 e 2017 foi a maior de febre amarela silvestre. Espero que tantas pessoas (262 até 18 de dezembro, segundo Ministério da Saúde) não tenham morrido em vão.
E de zika?
Houve uma redução de casos em 2017, ainda não sabemos exatamente o motivo. Pode ter sido por condições climáticas, pela imunidade adquirida por parte da população. Ou ainda devido à combinação desses fatores e de outros que ainda não entendemos bem. Esse vírus oferece muitos desafios. Mas continuam a nascer crianças com síndrome da zika congênita, principalmente no Nordeste, embora em número bem menor. Temos que lembrar que os fatores básicos para a proliferação do Aedes permanecem. Por exemplo, o índice de saneamento básico continua precário.
E quando teremos uma vacina?
A que desenvolvemos no Instituto Evandro Chagas e em outras instituições teve os testes pré-clínicos concluídos. O protótipo está com a Fiocruz. Uma vacina é extremamente necessária para proteger mulheres em idade fértil e crianças com menos de dez anos. Se a Fiocruz der continuidade aos testes em 2018, podemos pensar em ter uma vacina em 2021.
Qual vírus preocupa mais agora?
O chicungunha. Ele continua em circulação e com a chegada do verão, o risco aumenta porque a temperatura elevada favorece o mosquito. Haverá um encontro mundial sobre o chicungunha na Índia, em fevereiro.
O que será discutido?
Queremos discutir as estratégias para uma vacina. O chicungunha é altamente debilitante. Causa dores excruciantes e pode deixar sequelas terríveis. As mulheres parecem ser mais vulneráveis ao agravamento da infecção, talvez por fatores hormonais. O vírus afeta o equilíbrio hormonal. Mas como ele faz isso ainda não se sabe direito. Nossa preocupação é dar continuidade a estudos e poder oferecer soluções à sociedade.
Fonte: O Globo