Gonzalo Vecina Neto e Carlos Eduardo Gouvêa discutem o encurtamento no prazo de aprovação de vacinas contra a Covid-19

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O que faz e o que fez: professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getulio Vargas (FGV). Foi presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 1999 a 2003, secretário municipal da Saúde na capital paulista na gestão de Marta Suplicy, entre 2003 e 2004, e superintendente do Hospital Sírio-Libanês entre 2007 e 2016

CARLOS EDUARDO GOUVÊA, 52 anos, fluminense

O que faz e o que fez: presidente executivo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL), entidade que representa diversos fabricantes de equipamentos e materiais para diagnóstico in vitro. É advogado formado pela Universidade de São Paulo (USP) e tem MBA pela Erasmus University

A Anvisa fez mudanças que facilitaram a aprovação de vacinas contra a Covid-19. Não satisfeito, o Congresso aprovou uma medida provisória que diminuiu ainda mais o prazo. O Congresso errou?

GONZALO VECINA NETO Primeiro, a Anvisa exigia que fossem feitos estudos de fase 3 no Brasil, e eu acho isso excepcional, porque estimula os produtores dessas vacinas a fazerem pesquisa no país, e isso nos permite conhecer melhor nossa população e melhorar nossa capacidade de realizar estudos complexos. Diante da pandemia, para aumentar a oferta de vacinas, a Anvisa deu um passo atrás e falou: “Olha, não precisa mais fazer estudo aqui. Vamos liberar para quem fez estudos fora”. Isso abre espaço, por exemplo, para Moderna, Novavax e até para essa vacina do Instituto Gamaleya (Sputnik V). Agora, o que o Congresso fez foi diferente. Retirou uma competência que é exclusiva da agência, porque disse que a Anvisa dará o registro para qualquer vacina que esteja registrada em alguns países… Isso foi uma imprudência do Congresso. Estão brincando com fogo. Uma coisa é facilitar a vida para quem tem registro em algumas agências importantes. Outra coisa é fazer com que seja concedido o registro automático. É uma renúncia à capacidade do Brasil de conseguir fazer essas análises. É um acinte aos servidores da Anvisa, que têm sido exemplares nesta crise sanitária que nós estamos vivendo neste desgoverno.

CARLOS EDUARDO GOUVÊA A Anvisa tem se esforçado nos últimos anos para alterar algumas decisões e atitudes que eram muito comuns e próprias da agência, que sempre entendeu que deveria ser autossuficiente e buscar uma posição de autoridade regulatória o mais rigorosa possível. Depois começou a ver que tinha regra demais e precisava se aliar a outras agências regulatórias. Então, entendo que não seja uma ruptura, mas sim um avanço. Já há vários exemplos de que a Anvisa consegue tomar decisões de forma mais acelerada, considerando o que os colegas de outros países já têm de informações e documentos. Diante de uma pandemia, a Anvisa tem de fato de acelerar os processos sem descuidar do olhar de segurança.

Essas mudanças são boas notícias para a população, no sentido de que vacinas podem ser liberadas com maior facilidade, ou acendem um alerta em relação à segurança?

GVN O que o Congresso fez foi, novamente, uma “fosfoetanolaminada” (em referência à substância fosfoetanolamina, que foi aprovada em 2016 como remédio para tratamento do câncer mesmo sem comprovação científica). Essas mudanças representam um risco para a população. A gente tem de separar as nuvens para enxergar o que tem atrás. E o que tem atrás? Uma pressão do fundo russo de investimentos em cima de uma empresa nacional chamada União Química, que transfere essa pressão para a sociedade brasileira fazendo lobby diretamente no Congresso. Por que eles querem liberar a vacina Sputnik V no Brasil? Ninguém sabe, porque eles não têm vacina para vender. Podem ter alguns milhares de doses, como eles venderam aqui na Argentina e no México, mas milhões, como eles dizem que terão, não têm. A União Química não vai conseguir fabricar antes de seis meses, porque a fábrica deles ainda precisa ser validada. Por que eles não oferecem os dados de fase 3 inteiros?

CEG O dilema do regulador é permitir que o produto seja disponibilizado o mais rápido possível para atender a uma necessidade premente versus a questão da segurança e eficácia de uso diante de informações ainda não completas. No caso da vacina, a gente terá como avaliar as consequências com um grande número de pessoas. Em uma grande população, qualquer coisa, qualquer tipo de evento adverso, dá para você saber. No caso de medicamentos para doenças raras, ao contrário, é sempre difícil, porque você não tem estudos tão profundos, uma vez que são poucos os casos.

Em sua visão, a escassez de vacinas no Brasil tem algo a ver com os critérios inicialmente propostos pela Anvisa?

GVN Qualquer pessoa que diga isso não sabe do que está falando. Por que os Estados Unidos têm vacinas? Por que a Inglaterra tem vacinas? Por que a União Europeia tem vacinas? Os critérios são idênticos. Hoje o Brasil copia os critérios do FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora americana), da EMA (Agência Europeia de Medicamentos, na sigla em inglês), da agência japonesa. Mas por que os EUA têm quatro vezes mais vacinas per capita? Porque o Trump comprou vacina, e o Bolsonaro não comprou. Só por isso. O Ministério da Saúde não se movimentou para comprar vacinas quando existia oferta. Quem se movimentou foi a Fiocruz, que é um órgão vinculado, e o Butantan, que é de São Paulo.

CEG O Brasil perdeu o timing e demorou para entrar na corrida pela vacina. Por ter perdido muito tempo discutindo politicamente se era ou não era o caso, acabou não aproveitando a onda de cooperação internacional. Os critérios começaram rigorosos, mas a Anvisa está ajustando de acordo com a necessidade. Ela está tendo humildade para mudar.

O funcionamento da Anvisa pode ser alterado por leis votadas no Congresso, como é o caso dessa medida provisória. É natural ou é preocupante que a classe política tenha como interferir nas práticas da agência?

GVN Nós somos uma democracia e temos os políticos em que nós votamos. O que nós temos de conseguir é que nossos políticos nos respeitem mais. Espero que sejam capazes de corrigir esses erros, porque duvido que o presidente vete (a medida provisória). Mas, em última instância, temos o Judiciário. Se preciso, espero que o Judiciário aja, porque é inconstitucional essa lei.

CEG Esse não é o primeiro caso (de interferência), e ela nem sempre é benéfica. Um exemplo simples é a lei que fala dos alimentos com glúten. Ela foi votada com um objetivo nobre, que é trazer informação para os celíacos, pessoas que nascem sem a capacidade de processar o glúten. O legislador definiu que todo alimento tem de dizer se “contém” ou “não contém” glúten. Acontece que mundialmente o produto que pode ser ingerido pelo celíaco pode ter algumas partículas pequenas de glúten, até porque é difícil ter uma garantia total. Aqui, para não correr riscos jurídicos, produtos que poderiam ser consumidos pelos celíacos acabam com o aviso “contém glúten”.

Uma crítica recorrente, antes mesmo da pandemia, é que a Anvisa é pouco célere. Essa queixa é justa?

GVN É absolutamente injusta. Você pode fazer uma comparação com todas as agências dos países do Primeiro Mundo. O tempo de demora é semelhante. Ele já foi maior. A partir da gestão do Jarbas Barbosa da Silva Júnior, que assumiu em 2015, essa coisa foi se corrigindo. Na gestão do William Dib, que entrou no fim de 2016, isso ganhou mais velocidade ainda.

CEG Ela era verdadeira. Mas a Anvisa conseguiu acelerar bastante o passo em várias frentes, com simplificação de processos, convergência regulatória com outras agências, mudanças na categorização dos produtos.

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Fonte: Época Online

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/10/15/covid-19-vacinas-inovadoras-sao-menos-seguras-que-tradicionais/

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