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Homem se passa por gerente da Anvisa e cobra propina de empresa para ‘liberar’ 2 mil testes importados de Covid-19

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G1 conversou com o verdadeiro funcionário da Anvisa, que negou tudo e disse que já teve o nome usado em outros golpes. Agência informou que está sendo vítima de estelionatários e que as denúncias são apuradas pela corregedoria e encaminhadas à Polícia Federal.

A ligação de um homem dizendo ser gerente-geral da Avisa e cobrando propina “para liberar” um lote com 2 mil testes de Covid-19, importados da China, surpreendeu a dona da empresa de importação e exportação ALM Brazil, no Rio Janeiro.

Marlúcia Martire havia importado a remessa em maio deste ano a pedido de um cliente seu, dono de uma empresa particular, que iria comercializar os testes. O nome do cliente será mantido em sigilo pela reportagem. A empresária conta que o suspeito entrou em contato de um número de celular de Brasília, dias após ela dar entrada no requerimento na Anvisa. O suposto golpista se identificou como sendo Leandro Rodrigues Pereira, gerente-geral de Tecnologia de Produtos para Saúde da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“A gente fica intimidada, né? Um homem usando o nome da Anvisa, com a quantidade de informações que ele tinha sobre meu processo, coisa que nem a minha responsável técnica tinha acesso. E ele ainda se antecipava em relação aos prazos, antes de aparecerem no site da Anvisa”, revelou Marlúcia. O G1 entrevistou Leandro Rodrigues, da Anvisa, que explicou não ser ele a pessoa que tenta extorquir Marlúcia.

Tentativas de golpes usando nomes de executivos da Anvisa

Leandro revelou ainda que já teve seu nome envolvido em outras duas tentativas de golpes, além da apresentada pela reportagem, mas ele diz não saber se foram todas realizadas pela mesma pessoa. O gerente conta que em um dos casos, o suspeito usa o nome dele para oferecer vantagens a uma empresa de São Paulo, que teve seu pedido indeferido.

Na terceira tentativa de extorsão envolvendo o nome do gerente-geral, o golpista cobra R$ 6 mil para uma empresa prometendo reverter o indeferimento de seu processo. O G1 apurou que além de Leandro, o nome do diretor-presidente, Antônio Barra, e de um outro diretor da Agência foram usados para aplicação de golpes.

A Anvisa informou que todas as denúncias foram apuradas pela corregedoria da instituição e encaminhadas à Polícia Federal. A Agência ressaltou ainda que, nos dois últimos meses, a instituição publicou três notícias em seu portal, alertando a população sobre a aplicação de golpes por pessoas que se passam por gestores e servidores, oferecendo vantagens e facilidades indevidas junto à Agência.

“Isso é um absurdo, ainda mais num momento desse tão difícil, de pandemia, a gente passar por esse tipo de situação, por esse tipo de constrangimento. O principal interessado em apurar todas essas questões, na verdade, sou eu. Sou o principal interessado na identificação da pessoa que faz isso e na criminalização dela”, declarou Leandro, que está há 13 anos na Anvisa e há 5 ocupa o cargo de gerente-geral da área de produtos.

Questionado sobre possível envolvimento de servidores no caso de Marlúcia, Leandro fez questão de explicar que um procedimento interno na Anvisa foi aberto no dia 25 de junho para a apurar a denúncia.

“Essa denúncia já foi encaminhada para todos os órgãos de controle para poder avaliar. O interesse é todo da agência em apurar essas questões e tratar isso da forma possível, no sentido de identificar e punir quem está realizando esses golpes”, destacou o gerente. Marlúcia registrou a ocorrência na Polícia Federal do Rio. A PF informou que o depoimento da empresária foi formalizado no dia 22 de maio e encaminhado para a Delegacia Especializada “verificar preliminarmente o fato e decidir no prazo de 90 dias pela instauração ou não de um inquérito policial.”

Modo de agir do suspeito

No contato inicial com Marlúcia, no período em que o processo dela estava na fase de análise na Anvisa, o suspeito chegou a usar no WhatsApp a mesma foto que o gerente Leandro Rodrigues tem cadastrada em seu Linkedin, mas depois o suspeito trocou a imagem para a logomarca da Anvisa. Na primeira conversa entre o homem e Marlúcia (ouça o diálogo abaixo), em 14 de maio, ele alega ter acesso ao processo da empresária junto à Anvisa e cobra, inicialmente, o valor de R$ 3,5 mil prometendo deferir a liberação da remessa com os testes de Covid-19 para entrar no país — a carga está retida desde 18 de maio no Aeroporto de Viracopos, em Campinas.

No mesmo diálogo, o homem aumenta o valor para R$ 4 mil. Ao perceber que poderia estar sendo vítima de uma tentativa de extorsão, Marlúcia começou a gravar as ligações. Em parte da conversa, é possível ouvir o homem pedindo para que a empresária entrasse em contato com o seu cliente confirmando que já tinha tratado sobre o pagamento da propina.

Homem: Eu vou te cobrar R$ 3,5 mil pra fazer isso, desculpa, é o que eu posso fazer para te ajudar.

Marlúcia: Tudo bem, eu vou falar com meu cliente…vou ter que recorrer a ele…

Homem: Você fala pra ele (cliente de Marlúcia) me ligar e fala pra ele: ‘Eu já conversei com o Leandro, lá da Anvisa, ele que identificou e mostrou o processo e já estou com tudo aqui’…Aí eu falo com ele: ‘Olha, eu vou te cobrar tanto para te liberar isso para publicar na segunda’.

Marlúcia revelou que a riqueza de detalhes sobre seu processo, ao qual o homem demonstrava ter acesso, fez com que ela achasse que pudesse ser um servidor da Anvisa ou alguém que pudesse ver o banco de dados da Agência. Segundo a empresária, o homem falou de cronogramas, prazos e datas em que ocorreriam as publicações sobre os processos no Diário Oficial da União.

“Ele me ligou no dia 14 de maio dizendo que no dia seguinte ia ser concluída a análise do meu processo e que eu precisaria pagar o valor que ele pediu para autorizar. E que, caso eu não pagasse, sairia no Diário Oficial após uma semana o indeferimento. Eu não paguei a propina e, realmente, no dia 15 houve a conclusão do processo e, no dia 21, foi publicado o indeferimento no Diário Oficial da União”, detalhou a empresária.

Marlúcia alega que não conseguiu obter no site da Agência o motivo pelo qual teve o indeferimento de seu pedido, e quem informou sobre o documento que estava faltando foi o próprio golpista. A empresária entrou com recurso do indeferimento e aguarda uma nova conclusão.

A Anvisa informou que a empresa de Marlúcia só não foi informada dos motivos que levaram ao indeferimento do seu pedido “porque não possui Autorização de Funcionamento (AFE), e, portanto, não possui caixa postal na Anvisa, que é o meio pelo qual a Agência se comunica com as empresas que encaminham solicitações de registro de produtos.

“Vale destacar que a AFE é, inclusive, um dos requisitos para que a empresa possa ter o registro de qualquer produto para saúde”, disse a Agência, em nota.

558 processos analisados pela Anvisa.

De acordo com dados da Anvisa, até o dia 8 de julho foram registrados 558 pedidos para liberação de testes diagnósticos para Covid-19, entre eles, 268 foram deferidos, 91 indeferidos, 3 desistiram e outros 196 aguardam algum andamento (como cumprimento de exigências, certificado de boas práticas de fabricação, fase de análise, processo de cadastro, publicação no Diário Oficial, entre outras etapas).

268 registros deferidos;

91 registros indeferidos;

3 desistências de pedido;

196 aguardam alguma etapa do processo.

Mesmo após o indeferimento do processo Leandro, gerente-geral da Anvisa, diz que o favorecimento que o suspeito oferece não é possível ser realizado, já que os processos estão sujeitos a controle externo e à disposição para avaliação:

“Temos atualmente mais de 90 produtos que foram indeferidos, todos eles por razões técnicas. Isso não é política, não é contato telefônico, não é nada disso que vai resolver o deferimento. É uma avaliação técnica, o nosso compromisso é autorizar o que está dentro dos conformes.”

Citação de prazos e senhas de sistema por turno

Em outra parte da conversa com Marlúcia, o suspeito chega a citar, inclusive, que precisa que seja feito o pagamento até um determinado horário, pois, segundo ele, na Anvisa existem senhas de sistema por turnos, e que para dar tempo de sair na próxima publicação tem que ser cumprido os horários para conclusão (ouça gravação abaixo).

Em 25 de maio, ele ligou alegando poder deferir o processo dela mesmo com a falta de documentos (ouça a conversa abaixo).

Homem: Deixa eu te explicar, nós temos senhas de sistema, né? Não sei se você já trabalhou com órgão público, mas nós temos senhas de sistema. Uma senha na parte da manhã, que vai até 11h, e , depois, a gente considera parte da parte, que é do meio-dia às 15h. Mas tem que mandar (a liberação) até as 14h, porque senão não consigo passar para a publicação.

O G1 questionou o gerente-geral e também a Anvisa sobre as possíveis informações detalhadas que o homem apresentava ter sobre o processo em questão, inclusive, adiantando os prazos antes de entrarem no sistema da Agência, segundo a empresária relatou.

A Anvisa explicou que desde o dia 23 de abril de 2020 disponibilizou em seu portal na internet informações de todos os produtos de diagnóstico in vitro para Covid-19 protocolados na Anvisa, em que uma pessoa acompanhando esse portal consegue saber quando um processo vai ser analisado e quando vai ser publicado em Diário Oficial.

“Nós consideramos isso como uma medida de transparência, mas o que a gente enxerga também é o mau uso dessa transparência para aplicar golpes. E quem são as vítimas desses golpes? Em via de regra são empresas que são novas no sistema, porque as empresas mais tradicionais, mais antigas, conhecem o nosso modo de trabalho”, justificou Leandro Rodrigues.

Outro requerimento na Agência

No dia 29 de maio, Marlúcia deu entrada em outro processo na Anvisa, desta vez, o pedido foi para adquirir o Certificado de Autorização de Funcionamento (Certificado de AFE), que é um documento emitido pela Anvisa que comprova que a empresa está autorizada a exercer as atividades descritas no certificado. Esse é um dos documentos que faltam para ela ter seu processo deferido.

Segundo Marlúcia, no dia 2 de junho o pedido de AFE caiu no sistema na Anvisa, e, no mesmo dia, o homem entrou em contato com ela, com outro número de telefone, também de Brasília, para falar desta vez de seu processo da AFE (ouça diálogo abaixo).

Homem: Vi uma AFE agora, né? Para produtos para saúde…

Marlúcia: Minha?

Homem: É, dia 2 de junho, uma entrada aqui, deram entrada no dia 29 de maio

Marlúcia: Ah, deve ter sido a menina que está fazendo meu processo

Marlúcia: Outra coisa, em relação a AFE, que dia que foi dada entrada aí, por favor?

Homem: dia 29

Marlúcia: E quantos dias pra liberar? AFE é fácil, né, automática, né?

Homem: Ah, demora um pouco, né? Constou hoje pra gente lá no sistema, 10 dias aí

Marlúcia: Caramba, muito tempo

Homem: Dia 12, aproximadamente dia 12. Possa ser que saia um pouco antes, né? Pode ser que saia agora dia 8..não, não vai sair. Entrou agora no sistema, entrou hoje no sistema.

Números de celulares de Brasília

O suspeito usou dois números de celular com DDD 61, de Brasília, durante todo seu contato com a empresária. Marlúcia explica que o homem alegou ter trocado de número “pois tinham clonado o anterior”. Em ambos ele usou a logomarca da Anvisa como foto de seu perfil no WhatsApp.

O G1 apurou que os números usados na tentativa de extorsão estão em nome de homens moradores de Brasília. Os nomes serão preservados porque não há certeza do envolvimento deles no caso.

Dias após o suspeito ter encerrado seu contato com Marlúcia (no dia 3 de junho), o G1 tentou ligar diversas vezes para os telefones utilizados, mas ninguém atendeu.

No WhatsApp da segunda linha usada, que ainda estava com a logomarca da Anvisa, a última visualização do usuário é de 5 de junho, às 16h07

Até a publicação da reportagem, o G1 não havia localizado os homens que constam como proprietários das linhas telefônicas.

Destino da propina

Durante a conversa com a empresária, o suspeito indica uma conta bancária com CNPJ na qual Marlúcia deve realizar o depósito. O CNPJ fornecido está cadastrado em nome da IBT Editora LTDA, de São Paulo.

A empresa está registrada no endereço Largo 7 de Setembro, 52, (Edifício Emilia Fongaro) sala 908, Centro histórico de São Paulo. Na Receita Federal, a empresa aparece com situação ativa, mas o G1 esteve no local à procura os donos da editora, mas a sala estava vazia.

Funcionários do prédio contaram à equipe de reportagem que a sala está vazia há 5 anos e que nunca viram ninguém circulando por lá. Na Junta Comercial de São Paulo, a empresa tem um capital social de R$ 40 mil.

O G1 também tentou entrar em contato pelo e-mail e telefone cadastrados no registro da empresa, mas não houve retorno até a publicação da reportagem. Os sócios também não foram localizados.

O que diz a Anvisa

Em nota, a Anvisa informou que vem recebendo denúncias que envolvem pessoas que estão se passando por servidores da instituição, oferecendo vantagens e facilidades indevidas junto à Agência. A Anvisa informou ainda que, diante das denúncias recebidas, adotou os procedimentos legais devidos e instruiu processos para encaminhamento e apuração, por competência, da Polícia Federal.

A prática ilegal se baseia em ligações para as empresas, com informações de processos indeferidos pela Agência aparentemente captadas no Diário Oficial da União. No momento do contato, o estelionatário se apresenta como servidor da Anvisa e se oferece para dar provimento e celeridade ao recurso, mediante pagamento realizado na conta corrente dos estelionatários.

Destacamos, ainda, que recentemente a Anvisa tomou conhecimento de tentativas de golpes de estelionato em nome da Agência e publicou em seu portal na internet notícias alertando para o fato de que a Anvisa não realiza, em hipótese alguma, contato direto com empresas ou pessoas físicas por telefone. Também foram recebidas denúncias de pessoas que se passam por gestores e servidores da instituição que solicitam empréstimos e depósitos bancários na conta corrente dos estelionatários.

Importante informar que os procedimentos relativos ao recolhimento de créditos/pagamentos decorrentes da atuação da Anvisa ocorrem por meio da Guia de Recolhimento da União (GRU),documento padronizado para o ingresso de valores na Conta Única da União.

Com relação ao registro de produto para saúde, especificamente de kit para diagnóstico in vitro para o coronavírus, é importante ressaltar que, desde o dia 23 de abril de 2020, a Anvisa disponibilizou em seu portal na internet informações de todos os produtos de diagnóstico in vitro para Covid-19 protocolados na Anvisa. Assim, por meio da plataforma, é possível realizar consultas de diversos dados, como, por exemplo, a quantidade de pedidos deferidos, indeferidos, em análise, aguardando o certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF), entre outros.

Além disso, também é de amplo conhecimento que tais processos vêm sendo analisados em até 15 dias pela Anvisa. Por meio dessa plataforma, qualquer pessoa pode ter conhecimento dos processos protocolados e da sua data de entrada na Anvisa. Infere-se, portanto, que, com base nas informações públicas divulgadas pela Agência, não é difícil estimar o prazo para publicação dos processos.

Destaca-se, ainda, que todos os processos de registro de produtos para diagnóstico in vitro são analisados por especialistas em regulação e vigilância sanitária da Anvisa e o resultado da análise é submetido à aprovação da Gerência de Produtos Diagnóstico in Vitro e da Gerência-Geral de Tecnologia de Produtos par Saúde, ou seja, são analisados conforme uma cadeia de decisão.”

Dúvidas ou denúncias podem ser feitas por meio de um dos canais de atendimento da Anvisa, descritos no endereço http://portal.anvisa.gov.br/contato; por meio do telefone 0800 642 9782 ou pelo e-mail ouvidoria@anvisa.gov.br .

Fonte: Portal G1.com

Leia também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/07/13/anvisa-divulga-alerta-sobre-uso-da-ivermectina-contra-covid-19/

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