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Insulina: a revolucionária virou centenária

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Até o início dos anos 1920, se você apresentasse perda de peso exagerada ao mesmo tempo em que sentia muita fome, sede e urinava mais do que o comum os médicos tinham duas notícias para lhe dar. Você, certamente, era diabético — ou seja, tinha excesso de açúcar no sangue — e sua expectativa de vida era curta, bem curta, em alguns casos de somente algumas semanas.

Essa realidade mudou por completo em 1921, quando pesquisadores canadenses conseguiram sintetizar, pela primeira vez, a insulina, hormônio que regula a quantidade de glicose no sangue. A chegada desse remédio à população revolucionou a medicina e rendeu um Prêmio Nobel aos seus descobridores, Frederick Banting e John Macleod. Cem anos após sua criação, a insulina apresentou diversas evoluções que melhoraram a qualidade de vida de seus usuários e que ajudou a salvar milhares de pessoas.
Porém, antes de chegar ao status atual de desenvolvimento desse remédio, é preciso entender como ele funciona. A insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas (localizado atrás do estômago) que age no controle do nível de glicose na corrente sanguínea quando nos alimentamos. É uma espécie de chave que abre a fechadura das células para que a glicose possa entrar. Caso a pessoa apresente deficiência na produção desse hormônio, a quantidade de açúcar no sangue se eleva, desenvolvendo diabetes ou problemas nos tecidos do corpo. A insulina modula os níveis de açúcar. Sempre que ficam altos demais, ela é liberada e ativa processos nas células que diminuem a sua concentração no sangue, explica Alicia Kowaltowski, professora de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP) e conselheira do Instituto Questão de Ciência.
— Hormônios como a insulina estabelecem um estado metabólico específico. Ela é importante para coordenar as células do corpo. Além disso, ajuda no crescimento e na produção de moléculas, porque induz a produção de gorduras para que sejam armazenadas, como fonte de energia, estimula a produção de proteína para os músculos e também de glicogênio para que a gente guarde glicose. A principal consequência da ausência desse hormônio é diabetes tipo 1 — pontua Alicia, acrescentando que a diabetes tipo 2, mais comum em pessoas idosas ou com histórico de obesidade, ocorre quando a insulina passa a funcionar de modo ineficaz.
Rodrigo Moreira, vice-presidente do departamento de diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), ressalta que a insulina é o único hormônio do corpo que baixa os níveis de glicose no sangue, transportando glicose para dentro das células, para que elas tenham energia e funcionem corretamente:
— Quando a quantidade de insulina é escassa, as células ficam fracas e o organismo passar a buscar energia em outros lugares, como na gordura do corpo, nos músculos etc. Por isso os pacientes de diabetes ficam magros, porque o corpo queima o que tem para fornecer energia e manter o funcionamento de tudo. Como não há quem leve glicose para as células, esse açúcar acaba ficando no sangue e o organismo tenta expelir por meio da urina e busca recuperar os líquidos perdidos tomando muita água. Daí, vem esses sintomas em pacientes diabéticos.
O surgimento da insulina
Frasco de insulina produzido pelo Connaught Labs em 1923Biblioteca Digital UTL Insulin / Sanofi Pasteur Canadá
O caminho para a sintetização da insulina foi longo. O primeiro registro de uma provável descrição de diabetes foi encontrado em um papiro de 1552 a.C, no Egito. Contudo, foi somente em 1889 que os estudiosos Joseph von Mering e Oskar Minkowski descobriram a função do pâncreas. Ao removerem esse órgão de alguns cachorros, eles observaram que os animais apresentavam quadro clínico muito parecido com o de crianças com diabetes tipo 1. Quer dizer, os cães tinham perda de peso, muita sede, altos níveis de glicose no sangue etc.
Posteriormente, em 1910, o cientista Edward Albert Sharpey-Schafer ventilou a hipótese de que o diabetes estava intimamente relacionado à falta de uma molécula produzida nas ilhotas pancreáticas (grupo de células do pâncreas), que ele batizou de insulina.
— Depois disso, por muito tempo tentou-se isolar as ilhotas, porque todos estavam em busca do tratamento ou cura para aquela doença que matava milhares de crianças. Mas era difícil fazer isso, porque o pâncreas produz enzimas que quebram as proteínas do intestino. Então, a qualquer macerado que se elaborava, era perdida a ação da insulina, porque ela era digerida por outras substâncias desse órgão — conta Alicia.
O salto metodológico apareceu em 1921. No cotidiano de preparar uma aula sobre o pâncreas, Frederick Banting, cirurgião e professor da Faculdade de Medicina de Ontário, no Canadá, resolveu usar a insulina como tratamento para os diabéticos.
Para dar continuidade a esse teste, ele pediu ajuda de um colega da Universidade de Toronto, John Macleod. O apoio veio em forma de infraestrutura. Banting ganhou um espaço no laboratório, cães para realizar os experimentos e um assistente, Charles Best.
Esses cientistas isolaram as ilhotas pancreáticas e a utilizaram para tratar um cachorro diabético, diz Luciana Schreiner, que é professora de Endocrinologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e foi diagnosticada com diabetes tipo 1 ainda na infância (faz uso de insulina há 47 anos):
— Eles esmagaram parte do pâncreas, fizeram uma espécie de extrato e injetaram esse líquido no cachorro. Estava descoberta a insulina. Essa descoberta é umas da 10 mais importantes da medicina. Fez com que os dois professores ganhassem o Nobel. Dois anos depois, o prêmio foi dividido com os estudantes que colaboraram também. Posteriormente, eles venderam a patente da insulina por US$ 1 por entenderem que ela deveria estar disponível para salvar vidas e não, necessariamente, para gerar lucro.
Em 1922, o jovem Leonard Thompson foi o primeiro paciente humano a ser tratado, com sucesso, pelo método. Ainda naquele ano, a empresa farmacêutica Eli Lilly, dos Estados Unidos, começou a extrair insulina industrialmente, do pâncreas de bois e de porcos.
Uma antiga seringa de insulina, fabricada pela empresa sueca Helinos e comercializada entre 1954 e 1986Wikimedia Commons / Divulgação
Sintetizada em laboratório
Outra evolução importante foi a registrada em 1975. Pesquisadores estadunidenses começaram a trabalhar para substituir a insulina isolada de pâncreas de animais por um organismo que fosse apto a sintetizar a humana. Três anos depois, o biólogo molecular David Goeddel e alguns parceiros criaram o primeiro organismo transgênico, quer dizer, geneticamente modificado, capaz de produzir insulina muito similar à sintetizada no pâncreas humano. Para isso, utilizaram a bactéria Escherichia coli, lembra Alicia Kowaltowski, da USP.
— As insulinas provenientes do porco e do boi tinham algumas diferenças que podiam causar alergias. Já essa sintetizada em laboratório é muito parecida com a nossa insulina. Ela é mais purificada, não é contaminante e preserva o órgão de milhares de animais. Essa foi uma grande evolução — assinala.
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A professora da PUCRS Luciana Schreiner sinaliza que, nesse processo evolutivo do medicamento, foram descobertos diferentes tipos de insulina e que elas apresentam funções muito específicas. As de ação prolongada duram um dia inteiro e atuam na manutenção constante deste hormônio no sangue. A intermediária, por sua vez, também conhecida como NPH (protamina neutra de Hagedorn, em tradução livre), tem pico de ação em 6 a 12h e apresenta duração de 16 a 20h, o que demanda reaplicação ao longo do dia. Já a rápida precisa ser aplicada cerca de 30 minutos antes das principais refeições para manter os níveis de glicose estáveis após a ingestão de alimentos.
Por fim, as de ação ultrarrápida tem efeito, praticamente, imediato. Por isso, deve ser aplicada logo antes de comer ou logo após as refeições, imitando a ação da insulina que é produzida quando comemos para evitar que os níveis de açúcar no sangue fiquem altos.
Luciana explica que, para o tratamento do diabetes tipo 1,são associadas de ação intermediária ou prolongada, com as de ação rápida ou ultrarrápida nas refeições, para tentar simular o funcionamento fisiológico do pâncreas.
— Esses são os tipos que temos no mercado. Muitas vezes, associamos o uso de um tipo com outro para que o funcionamento do hormônio fique o mais parecido possível com o humano. As primeiras insulinas eram de ação rápida e isso causava muitos casos de hipoglicemia. Depois se descobriu que, ao adicionar zinco, sintetizaríamos uma insulina de ação prolongada. Posteriormente, criaram-se as que não apresentavam pico de ação e isso aumentou muito a qualidade de vida da população usuário desse medicamento — afirma Luciana.
Uma das modernas canetas de aplicação de insulinaAhmad / stock.adobe.com
Formas de aplicação também evoluíram
Ao longo dos anos, a ciência alterou as formas de aplicação do hormônio. Primeiramente, era em seringas de vidro, depois passou-se para as de plástico. Na sequência, a espessura da agulho diminuiu de 13 milímetros para quatro. Foram inseridas as canetas de aplicação de insulina, e há ainda a bomba de infusão de insulina, um aparelhinho que fica junto ao corpo o dia todo. Em 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso e a comercialização da primeira insulina inalável do país.
— Em cem anos, evoluímos muito. A nossa vida está cada vez mais parecida com a de pessoas que não têm diabetes ou qualquer tipo de disfunção na insulina. O que falta é as pessoas que precisam desse medicamento saberem o que elas têm. Quando esse conhecimento sobre si se concretiza a aderência e correto uso da insulina deslancham — finaliza a professora de endocrinologia da PUCRS.

Fonte: GauchaZH

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