Fique por dentro dos principais FATOS e TENDÊNCIAS que movimentam o setor

‘Perigoso perder minha filha por falta de remédio’, diz idosa em BH

Acompanhe as principais notícias do dia no nosso canal do Whatsapp

‘É perigoso perder minha filha por causa da falta de remédio’. O depoimento da dona de casa Elizabeth de Brito Coutinho, 62, reflete a agonia presente na vida de milhares de pessoas de 80% das cidades brasileiras que estão convivendo com a falta de medicamentos no País. O problema vem de uma combinação entre o lockdown da China e a falta de investimento do Ministério da Saúde nos laboratórios públicos brasileiros. Quem trabalha na indústria farmacêutica vai direto ao ponto: o País estagnou seu investimento no setor e depende, cada vez mais, das importações para garantir a oferta de fármacos.

Números do Comex Stat, plataforma do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços que apura dados da balança comercial brasileira, provam a enorme dependência do Brasil das importações. No setor de medicamentos, o País gastou US$ 5,14 bilhões a cada ano em média desde 2017 só com importações. São US$ 25,7 bilhões desde 2017, enquanto o arrecadado com exportações soma US$ 2,12 bilhões no período, uma diferença de US$ 23,58 bilhões que comprova a vulnerabilidade do Complexo Econômico?Industrial da Saúde (Ceis).

‘O Brasil não pode ficar à mercê de problemas no mercado externo, seja guerra ou lockdown. A gente precisa que o governo invista nisso. Na década de 1970, o governo criou os laboratórios nacionais, como a Funed (Fundação Ezequiel Dias). São 18, criados como estratégia de guerra. Isso se perdeu ao longo do tempo. Hoje, a gente está com essa dependência de mais de 80% (do volume de matéria-prima para medicamentos) das importações’, diz a presidente do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais (CRF/MG), Júnia Célia de Medeiros.

A presidente do conselho lembra que o País só investiu, de fato, nos laboratórios durante a pandemia, diante de um caso de extrema necessidade. Segundo ela, é preciso criar incentivos para atrair farmacêuticas para o País, mas para investir na fabricação de matéria-prima, não só dos medicamentos.

‘A reindustrialização é uma política (que precisa partir) do governo. As indústrias farmacêuticas vêm para o Brasil, como o parque industrial grande que temos em Anápolis (GO), mas não produzem o insumo, só os medicamentos. É a mesma coisa em São Paulo, no Rio e aqui em Minas, onde temos fábricas em Juiz de Fora, Santa Luzia e Betim. Mas, fabricam o medicamento. O insumo para fabricação nós não temos, então dependemos da importação’, afirma Júnia Célia de Medeiros.

O problema afeta o abastecimento de antibióticos básicos e soros utilizados na rotina diária hospitalar, mas avança também para fármacos recomendados para tratamento de câncer, esquizofrenia, diabetes e parkinson.

Na família de Elizabeth Coutinho, moradora de Mário Campos, na Grande BH, a situação atrasa o tratamento da filha Luciene Brito, de 33, diagnosticada com Doença de Wilson – enfermidade degenerativa que provoca um acúmulo excessivo de cobre nos órgãos. O medicamento que ela precisa é o Trientina, que está em falta desde maio e não tem previsão de normalização, conforme a Secretaria de Estado de Saúde (SES/MG).

Sem o remédio, o quadro de saúde da filha está piorando. ‘Ela está muito agitada por falta do remédio, sem ele complica tudo porque a doença ataca todos os órgãos. O braço dela já está atrofiado, preciso ficar puxando para frente. Ela também não consegue mastigar e acaba engasgando’, diz.

Em Minas Gerais, a SES contabiliza 51 fármacos com abastecimento irregular. Além da Trientina, outro químico em falta é a hidroxicloroquina. Indicado para tratar artrite e doenças autoimunes, como o Lúpus, os comprimidos estão em falta. O que chama a atenção é que a hidroxicloroquina foi alvo de sucessivas campanhas feitas pelo governo federal durante a pandemia para aquisição e produção do remédio pelo Exército, mesmo sem a comprovação científica de eficácia contra a Covid-19.

Somente até junho de 2020, o Brasil importou cerca de três milhões de comprimidos dos Estados Unidos. E dois anos depois, quem depende do fármaco, como a aposentada Lucimar de Oliveira, de 61 anos, que tem artrite e Lúpus, precisa desembolsar até R$ 100 por cada caixa com 30 cápsulas. ‘Desde março eu não consigo pegar na Farmácia e estou tendo que comprar. Eu tenho medo, porque eu não posso ficar sem o tratamento por causa das dores no corpo que eu sinto e também da lúpus’, afirmou à reportagem.

O impacto ao tratamento também preocupa a dona de casa Sônia Lopes, de 45 anos. O filho, João Lucas, de 17, desenvolveu esquizofrenia após a identificação de uma encefalite bacteriana no cérebro há cinco anos. Desde então, ele faz uso da Quetiapina, outro medicamento sem previsão de ter o estoque restabelecido. ‘É muito frustrante, eu ainda consigo manter o tratamento com outro medicamento, mas não dá para ficar comprando, porque está tudo muito caro’, diz a mulher. Sem o remédio, o filho tem alucinações e já chegou a tentar suicidio. ‘O remédio ajuda ele a ter uma vida melhor, sem esses transtornos’, relata Sônia.

Para o vice-presidente da Federação Médica Brasileira, Fernando Mendonça, a falta de medicamentos é grave e coloca em risco a sobrevivência dos pacientes. Ele cobra medidas urgentes para resolução do problema. ‘É um risco real para a população, seja na saúde pública ou suplementar. Entendemos que é um problema de causas externas, mas também internas de falta de planejamento da gestão. É prioridade do governo se movimentar para garantir os medicamentos porque muitos deles não tem como substituir, ter outra opção’, diz o médico.

A reportagem questionou o Ministério da Saúde sobre as causas da falta de remédios, as previsões de normalização e o que foi feito com os estoques de hidroxicloroquina, mas nenhum retorno foi enviado até a publicação desta matéria.

Funed sofre com falta de insumos

Em Minas Gerais, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) produz dois medicamentos: o Talidomida (para regulação do sistema imunológico) e o Entecavir (usado no combate à infecção pelo vírus da hepatite B). Os dois fármacos só são desenvolvidos em BH porque as matérias-primas dos dois casos vêm da indústria brasileira.

A Funed também fornece soros hiperimunes e a vacina meningocócica C, essa última segue diretamente para o Ministério da Saúde. Nesses casos, a fundação já sente os efeitos da escassez de insumos farmacêuticos. “Grande parte (da matéria-prima) utilizada no território nacional é importada, em especial da China. A Funed vem avaliando com os diversos fornecedores a disponibilidade desses excipientes, buscando inclusive outros mercados. A Fundação está comprometida com as aquisições necessárias, de forma a garantir a produção ao SUS”, informou a entidade em nota.

Apesar de fornecer esses produtos à sociedade, a Funed hoje não recebe um centavo da União para produção de vacinas ou medicamentos. Em relação ao valor orçamentário destinado pelo Estado à aquisição de insumos, reagentes e medicamentos, somado a valores para pesquisa e desenvolvimento, a fundação recebeu R$ 1,6 bilhão desde 2019.

A reportagem procurou o Ministério da Saúde e questionou a pasta sobre os investimentos realizados nos laboratórios públicos nos últimos cinco anos, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

Já o Conselho Federal de Farmácia (CFF) esclareceu que a falta de medicamentos atual tem quatro razões:

  • A descontinuidade da produção de alguns fármacos pela indústria para priorizar medicamentos com maior demanda;
  • A disseminação das doenças respiratórias, inclusive a Covid-19;
  • A falta de matéria-prima por conta do lockdown na China;
  • E a substituição dos medicamentos em falta, o que gera um efeito cascata e dificulta o acesso da população aos fármacos que substituem aqueles com o abastecimento mais crítico.

Fonte: Dia a Dia Notícias

Notícias mais lidas

Notícias Relacionadas

plugins premium WordPress