
Uma análise de postagens nas redes sociais, conduzida pela consultoria Ilumeo a pedido da farmacêutica Merck, revelou os termos mais associados à obesidade nas redes sociais. O estudo mostra que a imagem de pessoas com sobrepeso no ambiente digital está amplamente associada a emoções negativas, como depressão (20%), ansiedade (16%), vergonha e culpa (10%).
A análise monitorou conversas no Instagram e Twitter, além de dados do TikTok, para identificar como o consumo de conteúdo dos brasileiros nas redes sociais pode interferir no comportamento alimentar.
Realizado ao longo de três meses em 2024, o estudo revelou que 54% das referências a pessoas com sobrepeso ou obesidade tiveram conotações negativas, enquanto 27% foram neutras e 19% positivas. Dos dados negativos, 46% tratam de autoestima ou autoimagem negativa, mostrando que as pessoas não se sentem mais confortáveis com seu próprio corpo.
Esses dados indicam a retomada do ‘body shaming‘ e a perda de relevância do movimento de body positivity, ou aceitação corporal. “Estamos vivenciando o retorno de tendências dos anos 2000, época em que a magreza extrema era amplamente valorizada”, comenta Otávio Freire, professor da Universidade de São Paulo (USP), sócio e fundador da ILUMEO.
Segundo ele, foi observado um aumento significativo de conteúdos sobre perda de peso, com celebridades, influenciadores e até pacientes compartilhando suas jornadas de emagrecimento a qualquer custo, muitas vezes desordenadas, sem acompanhamento médico e pouco saudáveis. “Essas postagens retratam frequentemente o corpo gordo como um “passado”, no clássico “antes e depois”, acrescenta.
Termos mais associados à obesidade têm conotações depreciativas
O levantamento também identificou emoções negativas e opiniões depreciativas sobre pessoas com obesidade, com os termos mais associados a palavra ‘gordo’ sendo nojo (44%) preguiça (36%) e falta de vontade (6%).
Essas ideias reforçam a visão equivocada de que a obesidade é apenas uma questão de estilo de vida, e que bastaria uma decisão ou ação individual para “solucionar a questão”.
“Emagreceu mesmo, ou foi só remédio?”
“Embora a obesidade seja classificada como uma doença crônica pela Organização Mundial da Saúde, ela ainda é mal compreendida pela população. Por ser complexa e multifatorial, está associada a questões genéticas, biológicas, ambientais e sociais. Por isso, é fundamental entender a individualidade e características comportamentais de cada paciente para que possamos propor o melhor manejo, que assegure resultados saudáveis e duradouros.” explica o endocrinologista Cristiano Barcellos, diretor do Departamento de Endocrinologia do Exercício e do Esporte (SBEM).
“Ninguém se autodiagnostica com diabetes, câncer ou hipertensão e trata sozinho – ou tem vergonha de tratar, mas, com a obesidade, infelizmente, esses comportamentos ainda são muito acentuados”, explica o médico.
A análise mostrou que há enorme preconceito com as pessoas que estão em tratamento, como se estivessem “roubando” no processo de emagrecimento. Assim, cerca de 56% das menções a remédios contra a obesidade e seus usuários são negativas.
Tendências que impactam os comportamentos alimentares
A trend “What I Eat in a Day” (o que como em um dia) é um dos principais nichos nas redes sociais, com mais de 1,2 milhões de posts no Instagram e 1,8 milhões no TikTok. Ela inclui variações como “o que como após um término” e “edição de junk food”. Outras tendências, como “Mukbang” e o áudio viral “magras, magras, magras”, compartilham comportamentos alimentares e dicas de emagrecimento.
“Embora esses conteúdos sejam apresentados como entretenimento, eles são bastante preocupantes. A maioria mostra pessoas se alimentando de maneira inadequada, escolhendo alimentos altamente palatáveis e de baixo valor nutricional, além de métodos de emagrecimento não comprovados que podem ser prejudiciais à saúde. Além disso, vários estudos vêm demonstrando que o fato de assistir a esses vídeos se associa ao surgimento de transtornos alimentares”, comenta Barcellos.
Estudos mostram que relações parassociais com influenciadores de alimentos aumentam o risco de comportamentos alimentares desordenados, vício em comida e “grazing” (consumo repetitivo em pequenas quantidades). A exposição online a alimentos pouco nutritivos também eleva sensações de fome e tristeza, reduzindo o desejo por opções saudáveis.
O sócio e fundador da ILUMEO explica que as relações unilaterais estabelecidas por usuários de redes sociais com figuras públicas podem levar à idealização estética, distorcendo a percepção da realidade e influenciando a repetição de comportamentos. “A exposição digital cria uma falsa sensação de proximidade com celebridades e influenciadores, fomentando interações parassociais que podem culminar em idealizações estéticas, desvio da realidade e comportamentos repetitivos, caso não haja moderação e reflexão”, comenta o executivo.
Novas abordagens no acompanhamento médico
Para Maria Augusta Bernardini, diretora médica da Merck para Brasil e América Latina, as tendências e conteúdos digitais influenciam no comportamento e também nas escolhas alimentares. “Com essa influência massiva e em tempo integral, é crucial que, como profissionais de saúde, comecemos a avaliar o consumo digital dos pacientes com sobrepeso e obesidade e seus impactos psicológicos ao atendê-los no consultório, para que as recomendações sejam individualizadas e realmente eficazes”, acrescenta.
“Vimos muitos adultos e principalmente jovens buscando informações nas redes sociais que acabam substituindo a orientação médica, mas o tratamento adequado da obesidade exige uma abordagem multidisciplinar e de longo prazo. O uso de medicamentos para emagrecimento deve ser avaliado por especialistas e realizado sob supervisão médica”, conclui a médica.